Acórdão nº 00907/05.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução15 de Julho de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: OA, recorre na acção administrativa especial interposta por JAFC, id. nos autos, julgada por Acórdão do TAF de Viseu procedente, ditando anulação de decisão que em processo disciplinar havia punido o autor numa pena de suspensão de seis meses.

A recorrente, que dá como nula a decisão recorrida e pede a esta instância que se julgue improcedente a acção, conclui as suas alegações de recurso do seguinte modo:

  1. A infracção imputada ao aqui recorrido, consistente na detenção ilícita de determinada quantia pertença da sua cliente, não poderá deixar de se qualificar como uma verdadeira infracção permanente.

    b) Resultando assente dos factos provados que "(...) o autor reteve durante mais de um ano (no caso de 26 de Maio de 1998 até 24 de Junho de 1999) a importância de Esc. 5.500.000$00 pertencente à sua cliente (...) tendo nesta última data lhe restituído a importância de Esc. 5.000.000$00, mas continuando a reter-lhe a importância de Esc. 500.000$00 (...)", claro se mostra que, à data da prolação do acórdão impugnado, ainda não se mostrava cessada a infracção imputada ao aqui Recorrido, não se suscitando igualmente dúvidas na doutrina que, ainda que se entenda constituírem os diversos factos, crime continuado ou permanente, "aplica-se a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último acto tenham cessado no domínio da lei nova" (Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 2007, 18ª Edição, pág. 67).

    c) Pelo que, não poderão deixar de se ter como susceptíveis de aplicação ao caso sub judice os normativos contidos na Lei n.º 80/2001, de 20/07, nomeadamente o estatuído no seu artigo 101.°, nos termos do qual a moldura abstracta da pena de suspensão é de 10 anos, incorrendo, assim, o douto acórdão recorrido em errada interpretação e aplicação do disposto naquele normativo legal.

    d) Mas ainda que se mostre aplicável aos presentes autos o regime previsto no artigo 103.° do E.O.A., aprovado pelo D.L. 84/84, de 16/03, conforme pretendido pelo acórdão posto em crise, sempre se dirá que não assiste razão aos MM juízes a quo quando afirmam que "(...) o acto impugnado consubstanciado no Acórdão referido do Conselho Superior da OA, aplicou ao autor/arguido a pena máxima prevista na norma na qual entendeu subsumir os factos e correspondentes infracções disciplinares, seja a norma constante do artigo 103.º, alínea d), do E.O.A. aplicável que prevê a suspensão da actividade até seis meses. O que significa que aplicando a pena disciplinar máxima prevista na referida norma aquele Conselho Superior não considerou na realidade e na prática que o comportamento verificado e provado do autor beneficiasse de qualquer atenuante".

    e) Com efeito, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, as normas contidas nas alíneas d) a g) do artigo 103.° do E.O.A. deverão ser interpretadas no sentido de configurarem, apenas e tão só, diferentes escalões de uma mesma pena: a sanção abstracta de suspensão (cujo limite máximo se encontrava fixado em 15 anos).

    f) Assim, uma vez fixada a moldura penal abstracta de pena de suspensão haveria que ser determinada a sua medida concreta, dentro de um dos 4 escalões previstos, de acordo com o estatuído no art. 105.° do E.O.A na redacção dada pelo D.L. 84/84.

    g) Aliás, se dúvidas houvesse a este propósito elas ficaram totalmente dissipadas com a nova redacção do artigo 101.° do E.O.A., introduzida pela Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho, nos termos do qual se eliminaram as alíneas d), e), f) e g) atrás referidas, substituindo-se pela estipulação única na alínea e) de uma pena de suspensão até 10 anos.

    h) No caso concreto, o Conselho Distrital do Porto deu como assente a gravidade da conduta ("utilização indevida de dinheiros de clientes") e a culpa ("a intensidade da culpa revela especialmente quanto à primeira infracção"), levando assim à aplicação em abstracto de uma pena de suspensão, o mesmo Conselho Distrital e, na determinação da medida concreta da pena, atendeu às circunstâncias agravantes e atenuantes, cumprindo, assim, o disposto no artigo 105.° do E.O.A. na redacção dada pelo D.L. 84/84.

    i) Por outras palavras, atenta a natureza da infracção cometida pelo aqui recorrido e em face das necessidades de prevenção geral, nomeadamente de dissuasão da prática de ilícitos semelhantes e de moralização da profissão, impunha-se que a infracção por si cometida fosse sancionada (como foi) com a pena abstracta de suspensão do exercício de funções.

    j) Foi dentro desta moldura penal abstracta (de pena de suspensão) e atendendo aos critérios de determinação concreta da pena contidos no art. 105.° do E.O.A., que o órgão da recorrida, com competência disciplinar, entendeu ser de aplicar ao aqui recorrido uma pena concreta de 6 meses de suspensão, enquadrada no primeiro dos vários escalões previstos para a pena de suspensão.

    k) Isto é, o artigo 105.° do E.O.A. mais não contém do que aquilo que a lei, a doutrina e a jurisprudência impõem como "método" para a determinação da pena: em primeiro lugar, culpa e gravidade da infracção e, em segundo lugar (e só depois), dentro do limite mínimo (no caso, até 6 meses) e máximo (no caso, até 15 anos) da pena de suspensão, fazer "funcionar" os restantes critérios que o referido artigo impõe (no caso, a ausência de antecedentes e a confissão).

    l) Na verdade, caso não tivessem sido devidamente tomadas em linha de conta todas as circunstâncias contidas no art. 105.° do E.O.A., como vem defendido no acórdão sob recurso, então a medida concreta da pena aplicável ao aqui recorrido teria sido certamente outra e mais gravosa que não apenas a pena de suspensão por 6 meses.

    m) Pelo que, contrariamente ao defendido no douto acórdão recorrido, foram devidamente ponderadas e avaliadas todas as circunstâncias susceptíveis de diminuírem o grau de culpa, resultando que a graduação concreta da pena aplicada (6 meses de suspensão) não se mostra manifestamente errada, desproporcional ou desadequada.

    n) Ao concluir em sentido contrário ao acima apontado, incorreu o douto acórdão recorrido em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 3.° do CPTA (na medida em que extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos) e nos artigos 101.º do E.O.A. na redacção dada pela Lei n.º 80/2001 e, bem assim, do artigos 103.° e 105.° ambos do E.O.A. na redacção dada pelo D.L. n.º 84/84.

    O recorrido contra-alegou, pedindo conhecimento de questão de prescrição e opinando pela improcedência do recurso, oferecendo as seguintes conclusões: 1) Antes de tudo o mais, o procedimento disciplinar objeto dos presentes autos encontra-se prescrito, o que se alega (não obstante o conhecimento oficioso, cfr. arts. 99.º, n.º 3 do DL n.º 84/84 e 93.º, n.º 10 da Lei n.º 80/2001) para todos os efeitos e com todas as consequências legais: 2) isto quer nos termos dos arts. 99.º, n.ºs 1 e 2 do Estatuto de 1984 e 205.º , n.º 5 e 118.º, n.º 1, aI. b) do Código Penal, considerando que decorreram mais de 10 anos desde a data da primeira condenação administrativa (15/09/2000) e o regime da suspensão e interrupção do direito criminal não era aqui aplicável, 3) quer nos termos do art. 93.° da Lei n.º 80/2001, n.ºs 1, 9, 5 e 4, al. b), considerando que desde a mesma data, da primeira condenação, decorreram já bem mais de 6 anos e 6 meses.

    4) Ao contrário do que é sustentado nas alegações de recurso, o ilícito de que cuidamos (como resulta do paralelo ilícito criminal, doutamente sopesado no acórdão) consumou-se logo que a quantia não foi, como devia e no momento em que devia, entregue - ilícito instantâneo de efeitos temporários ou permanentes.

    5) Acresce que não é possível aceitar que um ilícito tenha a sua consumação depois da condenação, como extraordinariamente sustenta a recorrente OA, 6) nem, bem assim, após a sua confissão por parte do arguido que ocorreu na defesa no processo disciplinar e, mesmo antes, aquando da restituição das quantias retidas, portanto, em momento anterior à instauração do procedimento disciplinar.

    7) Aliás, mesmo que o ilícito fosse permanente, e não é, atento este pagamento, sempre se deveria entender que aí (naquele momento) teria cessado a consumação do ilícito.

    8) Ainda nesta hipótese (sem nunca prescindir) do ilícito não ter uma natureza instantânea, ao contrário do que sustenta a OA, "a melhor doutrina parece ser aqui a de que qualquer agravação da lei ocorrida antes do término da consumação (sobre este conceito infra Tomo II) só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento verificados após o momento da modificação legislativa. E solução paralela parece dever defender-se para o chamado crime continuado (art. 30.°-2; cf. infra, Tomo II)" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, p. 183, citando opinião concordante Taipa de Carvalho e doutrina Alemã nesse sentido, ver nota 38.

    9) Sendo estas as razões pelas quais o acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e aquela decisão manter-se na ordem jurídica.

    10) No que se refere aos "escalões", é perfeitamente evidente a falta de razão da OA, porque da letra da lei, conforme referimos, dos arts. 103.° e 105.° do Estatuto, decorre que se trata de várias penas de suspensão e não de uma só pena de suspensão com vários escalões.

    11) Ora, se a pena aplicada foi a da alínea d), dúvidas inexistem em como tendo sido escolhido o máximo, não se ponderaram as razões que o acórdão refere, mormente o facto de ter ocorrido a restituição que, entre o mais, deveria ter sido sopesada ou, tendo-o sido - considerando, entre o mais, de que se faz a dosimetria da pena, o paralelo criminal – tal foi feito em ostensivo erro.

    12) De facto, a falta, ou a errónea, ponderação das circunstâncias fácticas suscetíveis de corporizar a culpa do arguido, mormente no sentido atenuante ou dirimente da responsabilidade...

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