Acórdão nº 21635/18.0T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução29 de Abril de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório.

AAA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BBB, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e o réu condenado a reintegrá-lo e a pagar-lhe a quantia de € 5858,92, sendo € 319,00 relativo à parte do salário do mês de Março, que o autor considera que o réu descontou ilegalmente do seu salário e a restante quantia a título de remunerações não pagas a partir de Abril de 2018, tudo acrescido de juros.

Fundamenta a sua pretensão alegando, em síntese: • Foi admitido para trabalhar no (…) réu, no dia 2 de Julho de 2007, para desempenhar funções políticas, como o acompanhamento das células partidárias, o que fez desde essa data, sempre no (…).

• A partir de Dezembro de 2015, na sequência de uma reunião da (…), doravante (…), onde teceu críticas ao funcionamento do Partido, sentiu-se progressivamente marginalizado e perseguido, até que, em Dezembro de 2017, lhe foi comunicado que iria deixar de trabalhar na (…), por ter comportamentos não compatíveis com um dirigente, funcionário ou militante do Partido.

• O autor de imediato manifestou a sua discordância e informou que se recusaria a abandonar o seu posto de trabalho, sito no (…), em (…). Ainda assim, o réu, entre Janeiro e Março de 2018, intimou-o, por escrito para se apresentar no (…), a fim de acertar as tarefas a desempenhar, ao que o autor se opôs, inclusive por escrito, argumentando não aceitar sanções sem que lhe fosse instaurado um processo disciplinar.

Por carta de 9 de Maio de 2018, o Réu comunicou ao autor a cessação do contrato com fundamento no abandono do posto de trabalho.

Conclui o autor que nunca foi sua intenção abandonar o trabalho, como bem o demonstra a sua comparência diária no local onde trabalhava e a correspondência trocada com o réu, pelo que a comunicação do réu configura um despedimento ilícito.

Citado o réu, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificado, o réu contestou, por impugnação, alegando, em resumo, que: • Desde o dia 5 de Janeiro e até ao dia 19 de Abril de 2018, o autor não prestou qualquer actividade, não obstante os contactos que lhe foram efectuados e não compareceu no local onde lhe foi determinado pelo réu – (…) - , tendo apenas comparecido em reuniões, nos dia 12 e 19 de Janeiro e 19 de Abril.

• Nesta última reunião o autor manifestou a intenção de não comparecer para prestar trabalho e não acatar a orientação do réu para desempenhar funções, criando por isso a convicção neste de que por conduta voluntária e reiterada do autor o contrato cessou, motivo pelo qual, no dia 09 de Maio de 2018 e continuando a verificar-se a sua ausência no (…), lhe foi endereçada a missiva dando como efectivo o abandono do local de trabalho. Termina pedindo a absolvição dos pedidos.

Foi então proferido despacho a fixar o valor da causa e o objecto do litígio, a dispensar a selecção da matéria de facto controvertida e a admitir as provas arroladas pelas partes e a manter a data para realização da audiência de julgamento anteriormente acordada com os Ilustres Mandatários das partes.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza preferiu a sentença, na qual julgou parcialmente procedente a presente acção e, em consequência: a) declarou ilícito o despedimento de que foi alvo o autor e condeno o réu a reintegra-lo; b) condenou o réu a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir, no valor mensal de € 923,32, desde 31 de Agosto de 2018 até ao trânsito em julgado da presente decisão, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de féria e subsídio de Natal, deduzindo-se as importâncias previstas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do CT, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento; e c) absolveu-o do demais peticionado.

Inconformado, o réu interpôs recurso, pedindo que no provimento da apelação: • seja declarada nula a sentença proferida, em virtude dos vícios e violações de direito que lhe são imputados; e • a mesma substituída por sentença diversa, não condenatória, à luz dos factos apurados e do direito aplicável, culminando as alegações com as seguintes conclusões: "1. A história que a douta sentença conta e na qual fundamenta a errada decisão condenatória está eivada de erros de julgamento desde logo por validar como assente prova contraditória, por validar prova documental apócrifa, por não dar como assente prova produzida em julgamento e com relevância para a boa decisão da causa.

2. O A. não foi contratado restritamente para 'funções políticas' porque nunca teve um cargo estritamente político e a actividade política de um funcionário do R. é apenas uma dimensão entre as demais de natureza política, administrativa, executiva, formativa organizativa e valorativa que deve desempenhar.

3. Por isso a recusa do A. em aceitar tarefas no sector do (…) do R. com a justificação de essas tarefas supostamente não serem políticas é injustificada e ilícita.

4. O A. foi contratado para exercer a sua actividade de funcionário partidário na região de (…), e desde a sua contratação, em momentos diversos, desempenhou tarefas de diversa natureza e em mais de um local na região de (…) ((…)(…)(…)), pelo que não era lícito recusar desempenhar tarefas no Seixal porque antes estava em (…) cidade.

5. O A. não prestou trabalho nem se apresentou para trabalhar entre 4 de Janeiro e finais de Março de 2018.

6. O tribunal constatou essa ausência do A. durante quase três meses mas aceitou como válida a justificação da ausência do A. em recusar desempenhar tarefas que o R. lhe propunha realizar, muito embora dentro da zona geográfica contratada e dentro do conteúdo funcional assinalado a um funcionário do R.

7. Para comprovar a inexistência de abandono, por falta do elemento subjectivo, o tribunal a quo validou uma postura do A. em reunião ocorrida pelo menos um ano antes (Março de 2017) da circunstância de tempo e modo que importam aos autos (Março a Abril de 2018).

8. Para defender a tese de inexistência de abandono o tribunal a quo validou dois documentos apócrifos e um documento que nem sequer foi aos autos e cujo teor de desconhece.

9. Para manter a tese de inexistência de abandono o tribunal deitou ainda mão de uma reunião ocorrida em 4 de Janeiro de 2018, reunião essa, a primeira, precisamente destinada a discutir com o A. as suas novas tarefas no sector do património central, momento temporal em que a questão do abandono ainda se não punha nem antevia.

10. A sentença recorrida aceita que a recusa do A. em aceitar e sequer discutir tarefas que o R. lhe propunha será uma causa justificativa lícita para a ausência do A. ao trabalho.

11. O tribunal a quo desconsiderou expressivos depoimentos de testemunhas que lhe explicaram o modo de funcionamento próprio do R., e as regras que envolvem a actividade e a distribuição de tarefas entre os funcionários do R.

12. Desconsiderou mesmo o facto de em anos anteriores, entre 2007 e 2017, o próprio A. se ter subordinado a essas regras de mobilidade funcional na região de (…), mas recusando em 2018 o respeito por essas mesmas regras.

13. Do mesmo modo, a sentença recorrida não levou em linha de conta a vinculação estatutária (artigo 24.º) que estabelece especiais obrigações laborais a todos os funcionários do R. mas que o A. desrespeitou ao recusar tarefas na região de (…) 14. Recusando a força jurídica subordinativa de uma directriz ou ordem do R. ainda que colocada para discussão colegial (reuniões e conversas diversas houveram) com vista a assunção de novas tarefas pelo A. o tribunal a quo desconsiderou os poderes de auto-governo de um partido político e o dever de respeito estatutário devido pelo A. seu membro.

15. Na avaliação da existência ou inexistência do elemento subjectivo do abandono, o tribunal fez apenas uma valoração parcial de certos factos ignorando outros factos relevantes que foram levados aos autos, tais como, 16. A ausência de reacção do A. em seis meses sem receber retribuições, entre Abril de Setembro de 2018; 17. A diversa origem – já não (…) – das remunerações recebidas entre Janeiro e Março de 2018, o que significava mudança de sector embora na mesma área geográfica; 18. A contradição insanável entre uma pessoa, o A., que desde 4 de Janeiro de 2018 não prestou trabalho nem se apresentou em nenhum posto de trabalho possível e que pretende justificar a sua ausência com uma sua recusa em receber tarefas partidárias próprias de um funcionário do R., e que, por isso mesmo estaria empenhado em ser funcionário do R. e não tinha intenção de abandono, tal como estabelece a sentença; 19. A expressa manifestação do A. em derradeira reunião tida em 19 de Abril de 2018, no decurso da qual o A. afirmou aos seus dois interlocutores que uma vez que deixava de ser funcionário do R. iria para o desemprego, baixaria a quota de membro e indagou quais seriam as suas tarefas futuras como militante partidário; 20. A desvalorização completa pelo tribunal do silêncio do A. a uma carta datada de 9 de Maio, por si recebida em 14 de Maio, através da qual o R. lhe comunicava a cessação do contrato de trabalho por abandono.

21. O tribunal a quo desconsiderou ainda duas provas documentais relevantes produzidas em juízo e omitiu o significado jurídico de uma carta do A. ao R. datada do dia 29 de Maio em que pede o formulário para a declaração de desemprego e uma declaração de antiguidade e bem assim a resposta que em 6 de Junho o R. lhe enviou.

22. Valorando o silêncio e falta de reacção do A., que não fez, o tribunal deveria ainda ter valorado o facto de a acção judicial ter sido proposta apenas no dia 30 de Setembro de 2018, momento extemporâneo em que cessou o longo silêncio do A. relativamente à contenda sobre abandono.

23. A sentença recorrida concluiu 'que no caso concreto se verificou a...

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