Acórdão n.º 592/2015

Data de publicação14 Julho 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 592/2015

Processo n.º 909/15

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Gulherme Henrique Valente Rodrigues da Silva, Manuel Filipe Correia de Jesus, Hugo José Teixeira Velosa e Francisco Manuel Freitas Gomes, vêm, ao abrigo dos artigos 103.º-D e 103.º, n.os 2 a 8, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), e com referência ao "número 2 do Artigo 31.º" da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, intentar contra o Partido Social Democrata (PSD), ação de impugnação de decisão disciplinar do Conselho de Jurisdição Nacional (que adiante será também referido como CJN) do PSD de 30 de julho de 2015 (acórdão n.º 1/2015), que lhes impôs a sanção disciplinar de suspensão do direito de eleger e ser eleito durante um mês, em virtude de violação do dever de disciplina de voto, consubstanciada no voto contra a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2015, em votação final global do Plenário da Assembleia da República, e, também, do acórdão do mesmo órgão, de 4 de outubro de 2015, que negou provimento à arguição de "nulidades ocorridas nos autos e no próprio Acórdão" e ao pedido de "reanálise, reponderação e revisão daquela decisão", apresentado pelos ora impugnantes, confirmando o Acórdão n.º 1/2015.

Sustentam, em síntese, a prescrição do procedimento disciplinar, por instaurado a solicitação de entidade que não tinha competência para tanto, e a incompetência do CJN para a prolação da decisão constante do Acórdão n.º 1/2015, por a competência para apreciar o presente caso em primeira instância recair no Conselho de Jurisdição Regional da Madeira. E, remetendo para os fundamentos da impugnação que dirigiram ao CJN, que transcrevem na íntegra, colocam primeiramente em dúvida a aprovação por maioria e a reunião do necessário quórum respeitante à decisão do CJN datada de 4 de outubro de 2015, relevando a circunstância de a mesma se designar por "Despacho sobre alegadas nulidades do Acórdão n.º 1/2015", após o que sustentam a verificação de um conjunto de nulidades, seja por vícios do processo disciplinar, seja por vícios das decisões impugnadas, a saber, decorrentes da não notificação aos arguidos e ao respetivo advogado de quais as testemunhas arroladas pelos impugnantes a ouvir, perguntas a fazer, designadamente quanto às questões a colocar às testemunhas que tinham a prerrogativa de depor por escrito, local dos depoimentos, presença ou intervenção do advogado; da não audição de testemunhas essenciais, por terem envolvência direta na questão em causa no processo disciplinar; da não notificação aos arguidos e ao seu advogado da junção ao processo disciplinar dos depoimentos escritos recolhidos das testemunhas ouvidos por iniciativa da relatora, impedindo-os de solicitar qualquer esclarecimento; da falta de notificação pessoal do Acórdão n.º 1/2015, do CJN; da omissão de pronúncia quanto à questão da competência; da invalidade da deliberação que aprovou o Acórdão n.º 1/2015, por vício de composição do órgão colegial; e, ainda, da omissão de pronúncia quanto a várias questões, cujo conhecimento foi, na ótica dos impugnantes, indevidamente considerado prejudicado. Por último, no que respeitam à punição, defendem que o artigo 157.º, n.º 1, da Constituição, impede a sua responsabilização disciplinar e que os Estatutos do PSD, no seu artigo 7.º, configuram o dever de votação dos deputados de acordo com a orientação da Comissão Política Nacional como mero compromisso ético e político, e não como dever cuja violação seja passível de infração disciplinar, considerando, em todo qualquer caso, que não teve lugar prévia deliberação da Comissão Política Nacional e do Grupo Parlamentar do PSD, a fixar o sentido de voto da Lei do Orçamento de Estado para 2015.

Terminam pedindo que sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as decisões do CJN que identificam.

Juntaram diversos documentos, entre os quais cópia das deliberações impugnadas.

2 - Distribuídos os autos, pelo relator foi determinada a citação do PSD e, bem assim, a junção por este de cópia do processo disciplinar.

3 - Os impugnantes vieram então aos autos informar de requerimento que haviam dirigido ao CJN e do despacho que recaíra sobre o mesmo, declarando a ocorrência de lapso de escrita na frase com que se inicia a decisão proferida por aquele órgão em 4 de outubro, devendo, em vez de "despacho", ler-se "Acórdão".

4 - Por seu turno, o Partido impugnado apresentou resposta, na qual, igualmente em síntese, a título de questão prévia, refere não ter aplicação ao caso dos autos o disposto no artigo 31.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, e, quanto ao mais, sustenta que os impugnantes por diversas vezes consultaram o processo integral na sede do PSD e tiveram acesso a todas as informações processuais; que no Acórdão n.º 1/2015 foi devidamente fundamentada a não audição de todas as testemunhas requeridas e que, dada a confissão de violação de dever de disciplina de voto, tal infração não necessita de qualquer prova adicional, tendo apenas sido solicitados, por escrito, esclarecimentos a quatro pessoas que no plano nacional os impugnantes indicaram como intervenientes diretos no processo e que pudessem relevar em termos de atenuantes; que o acórdão foi notificado para a morada indicada pelos ora impugnantes; que, por integrarem o Grupo Parlamentar do PSD na Assembleia da República, os impugnantes encontram-se apenas sujeitos à jurisdição disciplinar do CJN; que o procedimento teve início tempestiva e legitimamente, enquadrando-se na competência do CJN; que existiu quórum para a deliberação do Acórdão n.º 1/2015, assistindo a todos os intervenientes na deliberação legitimidade para o efeito; e que não existe omissão de pronúncia relativamente a quaisquer questão, mas sim uma relação de prejudicialidade. Por último, quanto à sanção disciplinar imposta, remete para os fundamentos das decisões impugnadas.

Conclui que foram observadas todas as garantias essenciais de defesa e não se verifica qualquer grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do Partido, nem ilegalidade ou violação de norma estatutária, devendo a ação improceder.

Juntou um conjunto de documentos, integrado por comprovativos de registo de notificações expedidas em 31 de agosto de 2015 e por atas do CNJ com os n.os 4/2014 e 2/2015.

5 - Após nova notificação para o efeito, o Partido impugnado remeteu "cópia integral" do processo disciplinar n.º 4/2014, que, recebida em 26 de outubro de 2015, ficou em anexo.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Dos factos

6 - Com interesse para a decisão, relevam os seguintes elementos de facto, comprovados pelos documentos juntos aos autos pelas partes e através da análise dos termos do processo disciplinar em apenso:

a) Os impugnantes Gulherme Henrique Valente Rodrigues da Silva, Manuel Filipe Correia de Jesus, Hugo José Teixeira Velosa e Francisco Manuel Freitas Gomes são militantes do Partido Social Democrata, ora impugnado, inscritos pelas estruturas da Região Autónoma da Madeira, integrando durante a 12.ª legislatura, como deputados eleitos pelo círculo da Madeira, o Grupo Parlamentar do PSD;

b) No dia 25 de novembro de 2014, teve lugar, no Plenário da Assembleia da República, a votação final global da Proposta de Lei n.º 254/XII/4.ª (Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2015), tendo os impugnantes votado contra, exarando em declaração conjunta as razões para esse sentido de voto;

c) Por ofício dirigido ao Presidente do CJN do PSD, entrado em 25 de novembro de 2014, o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD participou o seguinte:

«1 - No dia 25 de novembro de 2014, o Plenário da Assembleia da República votou, em votação final global, a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2015;

2 - Nessa votação participaram 107 Deputados do Partido Social-Democrata;

3 - Os Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da região Autónoma da Madeira, na lista do Partido Social-democrata, a saber Guilherme Silva, Correia de Jesus, Hugo Velosa e Francisco Gomes, votaram contra a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2015. [...].

«7 - [...] [E]m todas as reuniões do Grupo Parlamentar, bem como nas Jornadas Parlamentares, em que a temática do Orçamento de Estado para 2015 foi discutida, pelo Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata foi transmitida a inadmissibilidade de ser levantada a disciplina de voto [...].

8 - Nos termos do Regulamento Interno é dever dos Deputados "Votar no sentido estabelecido pela Comissão Política Nacional e pelo Grupo Parlamentar..." salvo se "em casos excecionais a Direção (considerar) solicitações de dispensas pontuais à disciplina de voto, devendo as razões invocada[s] serem expostas por escrito e com pelo menos dois dias de antecedência". Tudo conforme o disposto no Regulamento Interno em Artigo 8.º n.º 1 c) e n.º 2.»

d) Por determinação do Presidente do CJN de 28 de novembro de 2014, foi designada relatora do processo, a qual, por cartas de 5 de dezembro de 2014, recebidas no mesmo dia, comunicou aos arguidos, ora impugnantes, que, na referida data, "foi dado início ao processo disciplinar que lhe foi instaurado devido a violação da disciplina de voto no dia 25 de novembro de 2014, na votação final global da Proposta de Lei do Orçamento de Estado de 2015, em Plenário da Assembleia da República, conforme participação que nos foi remetida pelo Presidente do Grupo Parlamentar do PSD e nos termos do despacho do Presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD de 28.11.2014.";

e) No dia 15 de dezembro de 2014, o CJN do PSD deliberou ratificar a nomeação feita pelo seu Presidente da instrutora do processo;

f) Na sequência de notificação, os ora impugnantes pronunciaram-se individualmente, por escrito;

g) Em resposta a solicitação da instrutora, por ofício entrado no CJN em 30.12.2014, o Secretário-Geral da Comissão Política Nacional informou que "[n]ão houve qualquer...

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