Acórdão nº 63/03 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 63/2003

Proc. nº. 409/02

  1. Secção

Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 – A. deduziu embargos de terceiro com função preventiva por apenso ao processo de falência de B. no Tribunal Cível da Comarca de Guimarães com fundamento em que o despacho que ordenou, no processo de falência, a apreensão de todos os bens que se encontrassem na sede da massa falida, não excluiu os bens pertencentes a terceiros mas que ali se encontrassem, pertencendo à embargante alguns deles, pelo que requereu a suspensão "imediata da ordenada apreensão, nos termos do disposto no artigo 359º do Código de Processo Civil".

Contestados oportunamente pela Massa Falida da B. vieram os embargos a ser julgados improcedentes por, em suma, se entender que o artigo 351, nº. 2 do Código de Processo Civil não se aplica ao processo de falência e os artigos 201º, 203º e 205º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) apenas permitem uma reacção contra a apreensão já efectuada, o que não se verifica in casu.

A embargante inconformada apelou para o Tribunal da Relação do Porto que veio a julgar improcedente a apelação (cfr. fls. 279 a 292).

De novo inconformada, a embargante interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando nas alegações as seguintes conclusões:

"Primeira:

A sentença proferida na 1ª Instância julga improcedentes os embargos deduzidos, única e exclusivamente por considerar não ser possível a dedução de embargos de terceiro com função preventiva no âmbito de um processo de falência, pronunciando-se, assim, novamente, sobre a mesma questão processual.

Segunda:

Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido confunde a questão de fundo (material) que está subjacente a quaisquer embargos de terceiro, e é apenas decidida com a sentença final; com a questão processual da possibilidade de dedução deste incidente no âmbito de um processo especial de falência, a qual é decidida no despacho de recebimento dos embargos de terceiro com função preventiva, e forma caso julgado formal.

Terceira:

O acórdão proferido ao considerar que estamos perante duas decisões com objecto e finalidades distintas entre si, faz uma errada interpretação das mesmas, pois ambas se pronunciaram sobre uma única e mesma questão processual, pelo que violou o disposto nos artigos 354º, 671º e 672º do Código de Processo Civil, fazendo uma errada interpretação dos mesmos.

Quarta:

Sendo certo que, os fundamentos do acórdão recorrido se encontram, assim, em oposição com a decisão proferida, donde resulta a nulidade do mesmo, nos termos do artigo 668º, nº. 1, al. c) do Código de Processo Civil, nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

Quinta:

A norma do nº. 2 do artigo 351º do Código de Processo Civil é uma norma excepcional, pois consagra um regime oposto ao regime-regra do artigo 351º, nº. 1 do Código de Processo Civil, por razões indissoluvelmente ligadas ao tipo de caso contemplado nesse mesmo nº. 2.

Sexta:

A excepção consagrada no mencionado artigo justifica-se pelo estabelecimento de um regime especial de defesa de terceiros para os casos em que tenha sido realizada a apreensão judicial de bens do mesmo (cfr. artigos 201º e seguintes do CPEREF).

Sétima:

Esse mesmo artigo não se aplica aos embargos de terceiro com natureza preventiva. Nestes estão em causa fins distintos. O legislador no CPEREF não pretendeu subtrair qualquer meio de defesa de terceiros. Ficam salvaguardadas as razões de celeridade que levaram à consagração de um regime especial de restituição e separação de bens da massa falida (artigos 359º e 351º do Código de Processo Civil e 10º, nº. 1 do CPEREF). Os embargos de terceiro com função preventiva são céleres, integrando-se perfeitamente no processo de recuperação da empresa e de falência.

Oitava:

Donde resulta a impossibilidade de recurso a uma interpretação extensiva do artigo 351º, nº 2 do Código de Processo Civil, por violação do artigo 9º do Código Civil.

Nona:

O artigo 351º, nº 2 do Código de Processo Civil não comporta aplicação analógica (artigo 11º do Código Civil).

Décima:

É permitido o recurso aos embargos de terceiro com natureza preventiva no processo especial de recuperação da empresa e falência (artigo 10º, nº 1 do CPEREF).

Décima-primeira:

O processo especial de recuperação da empresa e de falência, assim como os embargos e recursos deduzidos no mesmo têm natureza urgente.

Décima-segunda:

Os embargos de terceiro com função preventiva têm carácter urgente (artigo 10º, nº 1 do CPEREF), pelo que o acórdão recorrida deveria ter deferido o desentranhamento da contestação deduzida nos embargos, por extemporaneidade da mesma (artigos 144º, nº 1 e 145º do Código de Processo Civil e 14º, nº 1 do CPEREF).

Décima-terceira:

Ao proceder à aplicação do regime geral dos artigos 351º a 359º e a 1ª parte do nº 1 do artigo 144º, todos do Código de Processo Civil e o disposto no artigo 10º, nº 1 do CPEREF, o acórdão recorrido comete um erro de determinação da norma aplicável.

Décima-quarta:

Sem prescindir, a interpretação conjugada dos artigos 359º, nº 1 e 351º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de não ser possível a dedução de embargos de terceiro com função preventiva no âmbito de um processo especial de recuperação de empresa e de falência, levará a uma regulação arbitrária, injustificadamente discriminatória, de flagrante e intolerável desigualdade e inconstitucional por violadora dos artigos 13º, nº. 1 e 62º, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que se invoca para os devidos efeitos legais.

Décima-quinta:

Por tudo isto, o acórdão recorrida viola o disposto nos artigos 10º e 14º do CPEREF, 144º, 145º, 351º e 359º do Código de Processo Civil e 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa".

A embargada contra-alegou defendendo, em síntese, que o acórdão recorrido, tal como a sentença da 1ª instância, fez "(...) uma correcta interpretação e aplicação das normas substantivas a adjectivas e não merece qualquer reparo".

O Supremo Tribunal de Justiça negou a revista (cfr. fls. 335 a 338).

Não se conformando com este acórdão, a embargante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade dos artigos 359º nº 1 351º nº 2 do CPC.

Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:

"Primeira

Cerca de dois anos depois de ter sido declarada a falência da sociedade comercial denominada B., foi proferido despacho que determinou a apreensão de todos os bens que se encontrem na sede da falida, nomeadamente os que são detidos pela sociedade A.

Segunda

Depois de proferido o referido despacho, mas antes de realizada a dita apreensão, a ora Recorrente deduziu Embargos de Terceiro com função preventiva, nos termos do disposto no artigo 359º do Código de Processo Civil.

Terceira

Foi proferida decisão pela Primeira Instância a julgar improcedentes tais embargos, com fundamento na não admissibilidade de Embargos de Terceiro com função preventiva como meio de reacção contra a apreensão de bens realizada em processo de falência, tudo de acordo com o disposto no artigo 351º, nº 2 do Código de Processo Civil.

Quarta

Tal decisão viria a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, perfilhando todos eles o sentido da inadmissibilidade da dedução de embargos de terceiro, com natureza preventiva, relativamente à apreensão de bens ordenada no âmbito de um processo especial de recuperação e/ou falência, de acordo com o expressamente estatuído pelo artigo 351º, nº2 do Código de Processo Civil.

Quinta

Nada há a referir quanto à legalidade e/ou constitucionalidade da referida norma nas situações posteriores à efectiva apreensão dos bens, na medida em que estão assegurados os meios de defesa da posse, ou qualquer outro direito, ofendida com essa apreensão, quer através do processo de embargos de terceiro aí previstos, quer através dos mecanismos constantes dos artigos 201º e seguintes do CPEREF.

Sexta

Porém, a questão da inconstitucionalidade e/ou ilegalidade da norma constante do artigo 351º, nº 2 do Código de Processo Civil surge nas situações, como o que ocorre nos presentes autos, em que no âmbito de um processo de falência é ordenada a apreensão de bens alegadamente pertencentes e na posse de terceiro, a Recorrente, apreensão essa que, apesar de ordenada ainda não foi realizada.

Sétima

É que atento o previsto no referido artigo 351º, nº 2, mormente na interpretação dada nas decisões recorridas, resulta a impossibilidade de qualquer pessoa, física ou jurídica, detentora da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, que se traduza num acto de agressão patrimonial, lançar mão de qualquer processo preventivo de defesa desse direito, só porque está no âmbito de um processo de recuperação ou de falência.

Oitava

O disposto no artigo 351º, nº2 do Código de Processo Civil restringe pois, de forma evidente, os direitos dessa pessoa que vê eminente a produção de um acto de agressão patrimonial, retirando-lhe os meios processuais de evitar esse dano e que sempre teria ao seu dispor caso a diligência não tivesse sido ordenada no âmbito dos ditos processos especiais de recuperação e de empresa.

Nona

Tal pessoa terá que esperar a efectiva realização da diligência ordenada, terá de aguardar a efectiva agressão patrimonial para, aí sim, reagir através dos meios que a lei coloca ao seu dispor, designadamente os previstos no artigo 201º e seguintes do CPEREF.

Décima

Nenhum motivo justifica a impossibilidade de recurso aos meios processuais previstos no artigo 359º do Código de Processo Civil, designadamente a opção pelos interesses dos credores em detrimento dos interesses de terceiro pois aqueles direitos estariam sempre assegurados através, além do mais, dos mecanismos previstos no nº. 2 do referido artigo 359º.

Décima Primeira

Por tudo isto é...

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