Acórdão nº 12/17.5JBLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução19 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O cidadão nacional AA, arguido preso preventivamente à ordem do inquérito n.º 12/17.5JBLSB, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Secção Única, vem em petição subscrita por Advogada, invocando o disposto nos artigos 215.º e 222.º do Código de Processo Penal e artigo 27.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, requerer que lhe seja concedida a providência de Habeas Corpus, nos termos e com os fundamentos seguintes: «O arguido AA, encontra-se preso preventivamente à ordem destes autos desde o dia 11 de Julho de 2018, por se encontrar indiciado da prática, e co-autoria material e em concurso efectivo de: - associação criminosa previsto e punido pelo art. 299º nº 1 e 2 do Código Penal; - homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º e 132º nº 1 e 2 h) e j) do Código Penal; -roubo, p.p. pelo art. 210 nº 1 e 2, ali. a) e b), com referência ao art. 204º nº 2 f), todos do Código Penal; -ofensas à integridade física graves, p.p. 144º b), c) e d) do Código Penal; -ofensas à integridade física qualificadas p.p. pelo art.º 145º nº 1 b) e c) do Código Penal No caso em apreço, temos que: Por despacho proferido pelo Mmo. JIC, datado de 18-07-2018, foi o arguido sujeito à medida de coação mais gravosa - a prisão preventiva.

Por despacho de fls. 11352 e seguintes foi declarada a especial complexidade dos autos.

Consta do referido despacho que passamos a citar: “ … declaro, como se promove a especial complexidade dos presentes autos, elevando-se assim para um ano o prazo máximo de duração da prisão preventiva e de OPHVE a que os arguidos se encontram sujeitos nos autos, sem ser deduzida acusação, prazo de um ano que se contará desde a data de detenção dos arguidos.” Sucede que, o arguido AA, como supra referido, encontra-se detido à ordem dos presentes autos desde o dia 11/7/2018.

Com efeito, encontramo-nos no dia 12/7/2019 sem que, tenha sido deduzida acusação pública nos presentes autos.

Pelo que, o prazo de um ano (1) para dedução da acusação, conforme determinado no douto despacho do Mmo JIC, encontra-se esgotado.

Nessa conformidade, o arguido AA (SIC) encontra-se preso ilegalmente.

Conforme preceituado no artº 27º da Constituição da Republica Portuguesa, o direito à liberdade é um direito fundamental, pudendo a sua privação ocorrer apenas “pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, nos casos elencados no nº 3 do mesmo preceito legal.

Constituindo a providência de habeas corpus um instrumento reactivo dirigido ao abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal.

A manutenção ilegal da medida de prisão preventiva in casu constitui fundamento da presente providência de habeas corpus e reveste natureza excepcional e urgente para proteger a liberdade individual.

Pelo que, Nos termos do previsto nos artºs 215º do CPP e 27º da CRP, a manutenção da prisão preventiva do arguido Francisco Guia (SIC) é ilegal, em virtude de se encontrar ultrapassado o prazo fixado para a mesma (1 ano), pelo que deverá o mesmo ser restituído de imediato à liberdade.

Requerer-se seja de imediato concedida a Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal do arguido AA Prova Documentos cuja junção se requer: 1. Promoção do MP referente á especial complexidade dos autos 2. Despacho Judicial que responde à promoção que antecede 3. Todas as decisões de prorrogação da prisão preventiva».

(Realces do texto) ***** Os autos foram instruídos de acordo com o despacho da Exma. Juíza de Instrução Criminal em serviço de turno na Comarca de Lisboa, com promoção do Ministério Público referente à especial complexidade dos autos (fls. 10240 a 10250 do processo principal) e despacho judicial que respondeu a tal promoção (fls. 11348 a 11355). ***** A Exma. Juíza de Instrução Criminal em serviço de turno no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, a fls. 6 destes autos, nestes termos: «Venerando Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Tenho a honra de informar V. Exa do seguinte: O arguido AA foi preso preventivamente a 11/7/2018, encontrando-se a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva desde 18/7/2018.

Os autos foram declarados de especial complexidade - fls. 11352 a 11355.

A acusação foi deduzida a 10/7/2019.

Por despacho proferido a 12/7/2019 a medida de coação foi reexaminada, nos termos do art°. 213° n°. 1 b) CPP.

Tendo o arguido sido acusado dentro do prazo legal, mantém-se a medida de prisão preventiva aplicada ao arguido - art°. 215° n°s. 1 a) e 3 CPP.

Conforme o requerido, junte, apenas, promoção do MP referente à especial complexidade dos autos e o despacho judicial que responde à promoção que antecede.

Remetam-se os presentes autos ao Venerando Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça».

*** Convocada a Secção Criminal e notificado o Ministério Público e o Defensor, teve lugar a audiência.

*** Cumpre apreciar e decidir.

*** Constam dos autos – certidão junta e teor da informação prestada – os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida: I – O ora peticionante, arguido no inquérito n.º 12/17.5JBLSB, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Secção Única, encontra-se preso à ordem de tal processo desde o dia 11 de Julho de 2018. II – O peticionante encontrava-se indiciado pela co-autoria material e em concurso efectivo dos seguintes crimes: - Associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal; - Homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas h) e j), do Código Penal; - Roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal; - Ofensas à integridade física graves, p. e p. pelo artigo 144.º, alíneas b), c) e d), do Código Penal; - Ofensas à integridade física qualificadas, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal.

III – Em 4-12-2018, o Ministério Público, tendo em conta o número de arguidos – 66 – dos quais 63 detidos, os crimes indiciados, dimensão e volume do processo com 26 volumes e 74 apensos, novas diligências a realizar, como exames periciais nas áreas da biologia e da balística, e realização de pedidos de cooperação policial e judicial de carácter internacional e ligações da estrutura dos HAMC Portugal com a restante organização a nível mundial, requereu a declaração de especial complexidade dos autos.

IV – Após cumprimento do disposto no artigo 215.º, n.º 4, do CPP, por despacho do Juiz de Instrução Criminal de Lisboa-7.ª Secção, de 8-01-2019, foi declarada a especial complexidade dos autos, dizendo a finalizar: «Assim sendo, pese embora o referido pelos arguidos que se pronunciaram nos autos na sequência do cumprimento do disposto no n°4 do artº 215° do CPP, tendo em conta o exposto e pelas razões referidas na douta promoção que faz fls. 10243 a 10249 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais e ao abrigo do disposto no artº 215° n° l al. a), n° 2, n°3 e n° 4 e 218° n°3 todos do CPP, declaro, como se promove a especial complexidade dos presentes autos, elevando-se assim para um ano o prazo máximo de duração da prisão preventiva e de OPHVE a que os arguidos se encontram sujeitos nos autos, sem ser deduzida acusação, prazo de um ano que se contará desde a data de detenção dos arguidos. (Sublinhado do texto).

V – O Ministério Público, no dia 10 de Julho de 2019, deduziu acusação.

VI – Por despacho de 12 de Julho de 2019 foi reexaminada a medida de coacção, nos termos do artigo 213.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Apreciando.

A providência de habeas corpus constitui uma garantia do direito à liberdade com assento na Lei Fundamental que nos rege.

Incluída no Capítulo I «Direitos, liberdades e garantias pessoais», do Título II “Direitos, liberdades e garantias”, da Parte I “Direitos e deveres fundamentais”, a providência de habeas corpus está prevista no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece: 1 – Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2 – A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3 – O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.

O texto do n.º 1 foi alterado/revisto pela Lei Constitucional n.º 1/97, que introduziu a Quarta revisão constitucional (Diário da República I-A Série, n.º 218/97, de 20 de Setembro de 1997) e que pelo artigo 14.º alterou a redacção do n.º 1 do artigo 31.º da Constituição, de modo a que nesse preceito a expressão “a interpor perante o tribunal judicial ou militar consoante os casos” fosse substituída pela expressão “a requerer perante o tribunal competente”, assim afastando a referência a tribunais militares.

Mas como assinala Faria Costa em Habeas Corpus: ou a análise de um longo e ininterrupto “diálogo” entre o poder e a liberdade, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume 75, Coimbra, 1999, pág. 549, a revisão constitucional de 1997 não veio, nem de longe nem de perto, restringir o âmbito de aplicação da norma. Por isso, o habeas corpus vale também e em toda a linha perante a jurisdição militar.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, a págs. 509, o n.º 2 do artigo 31.º reconhece uma espécie de acção popular de habeas corpus (cfr. art. 52.º -1), pois, além do interessado, qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos tem o direito de recorrer a providência em favor do detido ou preso. Além de corporizar o objectivo de dar sentido útil ao habeas corpus, quando o detido não possa pessoalmente desencadeá-lo, essa acção popular sublinha o valor constitucional objectivo do direito...

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