Acórdão nº 4954/18.2T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Março de 2019

Data21 Março 2019

RECLAMAÇÃO (Reclamação para a Conferência) * *Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO 1.1.

Despacho reclamado 1.1.1.

Nos autos de insolvência pertinentes a (…), residente na Avenida (…) em Ribeirão, foi proferida decisão onde - nomeadamente - se admitiu o incidente de exoneração do passivo restante, se fixou em € 900,00 o valor do seu rendimento indisponível para a cessão aos seus credores, se declarou encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente, se qualificou a insolvência como fortuita, e se dispensou o Administrador da Insolvência da prestação de contas previstas no art. 64º do C.I.R.E., lendo-se a propósito na mesma: «(…) O presente processo foi encerrado nos termos do artigo 232º. do CIRE - ou seja, porque se constatou a insuficiência da massa insolvente para sequer satisfazer as custas do processo e as restante dívidas da massa insolvente.

Desta forma, entendo que não se justifica a adopção do processualismo inerente à apresentação de contas por parte do AI previsto no artigo 64.º do CIRE, pois inexistem quaisquer interesses dos credores e do insolvente a assegurar, assim se evitando dispêndios monetários e de tempo que nenhuma utilidade traria aos presentes autos.

Com efeito, por um lado, a presente insolvência não apresenta quaisquer receitas, mas tão-somente despesas.

Por outro, tais despesas - designadamente, a remuneração e a provisão para despesas do Exmo. Sr. AI - serão suportadas pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra Estruturas da Justiça (cf. Artigo 30.º da Lei n.º 22/2013).

Deste modo, não sendo caso de criação do apenso de prestação de contras, pague-se € 2000,00 ao Sr. AI, a título de remuneração fixa, nos termos do artigo 29.º, n.º do Estatuto dos Administradores de Insolvência.

Dado que foi paga a primeira provisão para despesa, notifique o Sr. AI para apresentar, apenas, no prazo de 10 dias, nota de despesas concretamente havidas nestes autos, caso as suas despesas tenham suplantado o aludido valor.

Se assim não foi, está expressamente dispensado de apresentar as contas.

(…)» 1.1.2.

O Administrador da Insolvência veio requerer o pagamento da segunda prestação da provisão a que entendeu ter direito, lendo-se nomeadamente no seu requerimento: «(…) António (…), nomeado Administrador da Insolvência no processo em referência, vem (…) requerer o pagamento, pelo IGFEJ, da 2ª prestação da provisão para despesas a que tem direito, no montante de 250 €, dado estamos perante um processo de insolvência de carácter pleno e não de carácter limitado, único caso previsto na Lei em que a provisão para despesas se reduz a 250 €. (…) Mais informa que inexistem despesas em que o AI tenha incorrido em montante que ultrapasse os 500 € da provisão a que tem direito, requerendo, por isso, sempre mui respeitosamente, ao abrigo da presunção legal de despesas, dispensa de apresentação de contas.

(…)» 1.1.3.

Foi proferido despacho, indeferindo a pretensão do Administrador da Insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) A provisão para despesas é mesmo isso. Uma provisão. Não havendo despesas que ultrapassem o valor de € 250,00, nada deve ser pago, sob pena de se tornar um acréscimo à remuneração, o que o legislador não pretendeu.

(…)» 1.1.4.

Inconformado com este despacho, o Administrador da Insolvência interpôs recurso de apelação do mesmo, «para o Tribunal da Relação de Guimarães (…), de apelação com efeito devolutivo, a subir imediatamente em separado».

1.1.5.

Foi então proferido despacho pelo Tribunal de 1ª Instância, que indeferiu o recurso apresentado, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) No mais, o despacho posto em crise não é recorrível, tal qual decorre do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do CPC. Assim, decide-se não admitir o recurso. Notifique.

1.1.6.

Foi proferida decisão singular, indeferindo a reclamação do Administrador da Insolvência.

Ponderou-se na mesma, em síntese: existir uma efectiva sucumbência (prejuízo) por parte do Reclamante, correspondente ao valor (de € 250,00) da segunda prestação de provisão para despesas, cuja atribuição lhe foi negada (no despacho de que pretendia recorrer); continuar o titular de um direito (no caso, de provisão para despesas) sujeito a invocá-lo em juízo, podendo por isso ver negado o seu reconhecimento (total ou parcialmente), tendo em conta as circunstâncias concretas do seu exercício; e inexistir qualquer violação de preceitos ou princípios constitucionais, podendo o legislador ordinário, na margem de discricionariedade que lhe compete, deixar sem tutela (face ao montante em causa) o direito do administrador de insolvência, quando lhe seja negada a provisão para despesas legalmente prevista, ou parte do seu valor máximo.

*1.2. Reclamação para a Conferência (fundamentos) 1.2.1. Fundamentos Foi precisamente inconformado com esta decisão que o Administrador da Insolvência (… ) veio reclamar para a Conferência, pedindo que se admitisse o recurso interposto.

Alegou para o efeito, e em síntese: 1 - Não dependendo o pagamento da provisão para despesas (de valor fixo determinado por lei, de € 500,00) de qualquer pedido e em que possa haver decaimento, não se pode aplicar o critério de sucumbência, previsto no art. 629º do C.P.C.

2 - Uma outra interpretação permitira que se estivesse perante um direito sem tutela, estando assim violado o art. 20º, n.º 1 e n.º 4 da C.R.P. (acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva).

*1.2.2. Resposta Não foi apresentada qualquer resposta.

*II - VALIDADE E REGULARIDADE DA INSTÂNCIA O tribunal é o competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia.

O processo é o próprio, e não enferma de outras nulidades que o invalidem na sua totalidade.

As partes dispõem de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente patrocinadas.

Inexistem outras excepções dilatórias, nulidades parciais ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

*III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade relevante para a decisão da reclamação apresentada para a conferência coincide com a descrição feita em «I - RELATÓRIO» da mesma (que reproduz, de forma fiel, o processamento dos autos), que aqui se dá por integralmente reproduzida.

*IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Determinação e interpretação do Direito aplicável 4.1.1.

Limitação da faculdade de recurso - Valor da causa e valor da sucumbência Lê-se no art. 629º, n.º 1 do C.P.C. (expressamente citado pelo Tribunal a quo, para fundar a não admissão do recurso interposto), que o «recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».

Logo, a admissibilidade de recurso está dependente da verificação cumulativa destes dois pressupostos jurídico-processuais (cada um deles necessário, mas só por si não suficiente): · o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre; · e a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou decisão que se impugna.

Precisando, a alçada é o limite (definido em regra pelo valor da causa) dentro do qual um tribunal julga sem possibilidade de recurso ordinário.

Em matéria cível, e actualmente, a alçada dos tribunais de 1ª Instância é de € 5.000,00, enquanto que a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000,00, sendo que, para se aferir a admissibilidade do recurso, a alçada é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (art. 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Já a sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida (a que teve/regista o insucesso da lide).

Há, assim, que confrontar a decisão de que se pretende recorrer com o resultado do processo para a parte recorrente, sendo que esta sofrerá prejuízo se aquela: lhe tiver sido desfavorável; apenas parcialmente favorável; ou - sendo favorável - não for a mais favorável possível em face das circunstâncias (neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 63, e Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, p. 162).

Logo, e actualmente, o valor mínimo da sucumbência para efeito de recurso, de decisão proferida por tribunal de 1ª Instância para tribunal da Relação, é de € 2.500,01.

*4.1.2. Limitação da faculdade de recurso - Ratio e conformidade com a CRP A ratio do art...

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