Acórdão nº 323/05 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução15 de Junho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 323/05

Processo n.º 499/04

Plenário

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

  1. O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro (estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas), aditado pelo artigo 27º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro (estabelece regras sobre o regime geral da estruturação de carreiras da Administração Pública), quando conjugado com os Anexos ao referido Decreto-Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas.

    O preceito legal onde se insere esta norma dispõe o seguinte (em itálico a norma impugnada):

    “Artigo 17.º Escalão de promoção

    1 – A promoção a categoria superior da respectiva carreira faz-se da seguinte forma:

    a)Para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a promoção;

    b)Para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponde o índice superior mais aproximado, se o funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1.

    2 – Sempre que do disposto no número anterior resultar um impulso salarial inferior a 10 pontos, a integração na nova categoria faz-se no escalão seguinte da estrutura da categoria.

    3 – Se a remuneração, em caso de progressão, for superior à que resulta da aplicação dos números anteriores, a promoção faz-se para o escalão seguinte àquele que lhe corresponderia por força daquelas regras, excepto se o funcionário tiver mudado de escalão há menos de um ano.”

    O Provedor de Justiça desdobrou expressamente o pedido em duas dimensões normativas:

    - a constante da norma do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, aditada a este diploma pelo artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, na parte em que exclui do seu âmbito de aplicação os funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano, quando conjugada com os Anexos ao referido Decreto-Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas, na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública;

    - a constante da mesma norma, quando conjugada com os Anexos ao Decreto-Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas, igualmente na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública.

  2. Para fundamentar o pedido, desenvolveu o Provedor de Justiça argumentação tendente a demonstrar, através de vários exemplos de aplicação, que a referida norma, nuns casos pelo jogo da regra que o n.º 3 do artigo 17.º estabelece, noutros por efeito da limitação contida na parte final do preceito, conduz a situações em que funcionários com menor antiguidade na categoria e, em algumas hipóteses, com menor antiguidade na categoria e na carreira, fiquem a auferir remuneração superior à de funcionários da mesma categoria, anteriormente a ela promovidos.

    E concluiu nos termos seguintes:

    A solução legal contida no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, aditada ao diploma pelo Decreto-Lei n.º 404-A/89, de 18 de Dezembro, foi concebida pelo legislador tendo em vista a correcção de distorções ao sistema remuneratório dos funcionários da Administração Pública originadas pela aplicação conjugada das regras dos n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, respeitantes à promoção à categoria superior dentro da mesma carreira.

    Sendo certo que a aplicação da norma viria a revelar benefícios no sentido pretendido, a verdade é que a mesma norma – nalguns casos em virtude da aplicação da excepção da mesma constante, que exclui do respectivo âmbito de aplicação alguns funcionários mediante um critério de natureza estritamente temporal, noutros casos em virtude da aplicação do próprio regime que estabeleceu, sem condicionamentos – veio a desenvolver novas distorções ao sistema, originando novas situações de inversões de posições remuneratórias relativas de funcionários (ilustradas pelos exemplos apresentados), sem que se vislumbre fundamento material bastante para a diferenciação de tratamento operada por via da sua aprovação.

    Nessa medida, isto é, na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de posições relativas de funcionários da Administração Pública, a norma constante do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, na sua versão actual, revela-se contrária ao princípio da igualdade na retribuição, ínsito nos artigos 59.º, n.º 1, alínea a), e 13.º da Lei Fundamental.

    3. Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC -aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), o Primeiro-Ministro respondeu, argumentando do seguinte modo:

    Nada no texto da norma cuja constitucionalidade se impugna permite afirmar que o legislador discrimina trabalhadores já que, pelo contrário, aquela norma «aplica-se a todos aqueles que reúnam as condições aí previstas».

    A norma questionada visa unicamente estabelecer regras de reposicionamento de funcionários da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras, tendo em conta não apenas a antiguidade nos seus vários contornos, mas ainda o critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a promoção. O novo sistema retributivo da função pública corresponde a um sistema misto de promoção (mudança de categoria) e progressão (mudança de escalão dentro de cada categoria), que funciona de forma articulada e complementar de modo a que a evolução por progressão se venha a reflectir, directamente, na evolução por promoção.

    Nesse contexto, uma das preocupações fundamentais do Governo foi salvaguardar as expectativas decorrentes da progressão na carreira, garantindo que a promoção se faça para o escalão seguinte àquele que resultaria das normas de promoção sempre que o escalão a obter por progressão seja superior. É esse o motivo pelo qual existem índices sobrepostos e a razão por que se prevêem ainda últimos índices da escala da categoria inferior superiores aos primeiros da categoria imediatamente superior, já que um funcionário que se encontre nos últimos escalões de determinada categoria detém mais tempo e experiência que outro funcionário dessa mesma categoria. A promoção deste funcionário terá que revelar a sua situação de origem, estando ele situado nos primeiros escalões da categoria antecedente, pelo que a promoção não poderá desvirtuar a «proporcionalidade continuada» que o sistema quis imprimir relativamente à antiguidade detida pelo outro na mesma categoria antecedente.

    Assim, o novo sistema retributivo da função pública acautela a posição desigual que os funcionários detinham na origem, dando através das suas normas continuidade à protecção da antiguidade nos seus vários contornos e que não passa unicamente pelo processo de promoção. Deste modo, resulta salvaguardado o comando constitucional da igualdade que impõe que se trate de modo igual situações de facto iguais e de modo desigual situações de facto desiguais, ou seja, aportando em diferentes soluções em função de situações de base com características diversas.

    Assim, a norma impugnada mostra-se materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade. Por outro lado, o tertium comparationis para efeitos de avaliação do princípio da igualdade não resulta apenas do critério da antiguidade na categoria, mas ainda do critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a promoção, assim se salvaguardando a «relação de proporcionalidade» entre as responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim, a harmonia remuneratória entre cargos, que exige que a promoção – e respectiva escala e índice salarial – não seja regulada em termos isolados, sem protecção e garantia da situação de origem e da proporcionalidade aí existente. A norma impugnada, mais do que uma «regra de transição», deverá ser interpretada como uma «cláusula de salvaguarda» do próprio sistema retributivo.

    Por fim, caso o Tribunal conclua pela inconstitucionalidade, deverá ponderar se imperativos de segurança jurídica não justificarão o uso da faculdade de restrição dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.

    4. Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º da LTC, pelo Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, por delegação do Presidente, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da mesma Lei, e fixada a orientação sobre as questões a resolver, cumpre agora formular a decisão.

  3. Impõe-se resolver uma questão preliminar respeitante ao objecto do recurso que resulta de, como se relatou, o Provedor de Justiça colocar à apreciação do Tribunal uma questão de constitucionalidade, que incide sobre dois segmentos normativos aparentemente distintos da norma sub judicio.

    Efectivamente, o Provedor de Justiça impugna a constitucionalidade do inciso da parte final («excepto se o funcionário tiver mudado de escalão há menos de um ano») e, depois, a título autónomo (e não subsidiário ou alternativo), de toda a parte restante do artigo. E fá-lo, num e noutro caso, com o mesmo...

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