Acórdão nº 310/05 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução08 de Junho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 310/2005 Processo n.º 1009/04 1.ª Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

I – A Causa

  1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 280º, nº 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70º., nº. 1, alínea a), da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do Acórdão daquela Relação de 19/10/2004 (fls. 178/181 vº), do qual consta o seguinte pronunciamento decisório:

    “[...] acorda-se em julgar inconstitucional, por violação do princípio do contraditório (em que se integra a proibição de indefesa, ínsita nos artigos 2º e 20º da Constituição), a norma contida na primeira parte do nº 2 do artigo 772º do CPC, assim se julgando procedente a presente apelação, revogando-se a decisão recorrida e em consequência do que se ordena o prosseguimento dos autos, nos termos do artigo 775º do CPC [...]”

    1.1. Esta decisão teve lugar no âmbito de um recurso de revisão interposto na Comarca de Águeda, em 27/05/2002, por A., contra o seu ex-marido B., onde aquela pediu a anulação de uma partilha efectuada num processo de inventário para separação de meações, cuja sentença homologatória transitara em julgado em 11/6/1987. Fundou a requerente tal revisão (através do Acórdão de fls. 87/90 fora entretanto decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que essa era a forma adequada à acção proposta e não a de anulação de partilha) na invocação de ter corrido o inventário em causa à revelia dela, sendo nula a citação edital então efectuada [fundamento previsto no artigo 771º, alínea f) do Código de Processo Civil (CPC)].

    Tal pretensão não foi acolhida na 1ª instância, onde se decidiu (sentença de fls. 124/125 vº) que a possibilidade de revisão da sentença desse inventário, caducara pelo decurso do prazo de cinco anos previsto no artigo 772º, nº 2 do CPC.

    Foi em sede de recurso interposto desta decisão que se proferiu o Acórdão aqui recorrido, contendo a recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma constante do mencionado nº 2 do artigo 772º do CPC. Motivando tal recusa, consignou o Tribunal da Relação de Coimbra o seguinte:

    “[...]

    Para o caso há que ter presente o disposto no artº 772º, nº 2, al. b), do CPC, mais concretamente o disposto na primeira parte de tal norma, onde se preceitua que “o recurso (extraordinário de revisão) não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão...”.

    Aplicando essa referida norma, a decisão recorrida interpretou-a “à letra”, isto é, com o sentido de que esse prazo não se conta desde a data em que a parte teve conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, mas sim desde o trânsito em julgado da decisão a rever. Que no caso de ter decorrido este prazo de cinco anos desde o trânsito em julgado da sentença a rever, o direito a interpor recurso extraordinário de revisão está irremediavelmente perdido.

    Face ao que considerou que em Maio de 2002 já há muito tinha decorrido esse dito prazo, face ao que julgou verificada a caducidade do direito de revisão invocado pela aqui Apelante.

    Acontece, no entanto, que apesar das doutas considerações constantes dessa decisão, já depois da sua publicação o Tribunal Constitucional, em Ac. Publicado no DR, II série, de 12/05/2004 (Ac. Nº 209/2004 – T. Const. – Proc. nº 798/2003), considerou que “... o valor da segurança jurídica não foi erigido com valor absoluto, embora deva constituir a regra, pelo que a norma contida no nº 2 do artº 772º do CPC não se trata de um prazo absolutamente peremptório de cinco anos para a interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença a rever...”.

    Isto porque, no entender desse Tribunal, tal interpretação viola o princípio constitucional do contraditório no âmbito do processo civil, princípio [...] que esse Tribunal considera derivar do princípio do Estado de Direito e da garantia de acesso à justiça e aos tribunais, consagrados, respectivamente, nos artºs 2º e 20º da Constituição.

    Aí se citam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando defendem que no âmbito normativo do artº 20º da Constituição deve integrar-se ainda a proibição da indefesa, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.

    Para nesse aresto se conclui[r] que “a solução normativa consagrada no artigo 772º, nº 2, 1ª parte, do CPC, quando aplicável aos casos em que, tendo corrido à revelia a acção em que foi proferida a decisão cuja revisão é requerida, seja alegado como fundamento da revisão, precisamente, a falta ou nulidade da citação para aquela acção, é efectivamente inconstitucional, por ofensa daquele princípio”.

    É que, como também aí se escreve, “semelhante interpretação normativa retira por completo ao interessado a possibilidade de invocar sequer perante o tribunal a invalidade do acto (citação edital) que, segundo ele, o impediu de apresentar qualquer tipo de defesa, conduzindo a que seja inapelavelmente confrontado com uma decisão judicial cujos fundamentos de facto e de direito não teve e nem tem, por razão que alega não lhe ser imputável e fica impossibilitado de provar, qualquer oportunidade de contraditar”.

    Donde se ter julgado inconstitucional a citada norma do artº 772º, nº 2, 1ª parte, do CPC, embora restringida ao tipo de acção em causa nesse aresto.

    O que é certo é que não vemos diferença entre a acção em análise nesse aresto (acção oficiosa de investigação de paternidade, que ocorreu à revelia) e a acção em causa nestes autos (que também correu à revelia), com vista a poder-se fazer outro possível juízo de inconstitucionalidade sobre a norma em causa.

    Bem pelo contrário, e remetendo-nos para os termos desse Acórdão, afigura-se que o referido princípio constitucional da proibição de indefesa também colhe inteira razão de ser e de aplicação no presente caso, face ao que e pelas mesmas razões importará também julgar inconstitucional a citada norma neste processo, em consequência do que importa revogar a decisão recorrida, face ao que importa que seja proferida nova decisão que ordene o prosseguimento dos autos, nos termos do artº 775º do CPC:

    Com o que resulta a procedência da apelação deduzida.

    [...]”

    1.2. Admitido o presente recurso do Ministério Público (fls. 191), foram os autos remetidos a este Tribunal, tendo o Exmº. Procurador-Geral Adjunto apresentado alegações, rematando-as com as seguintes conclusões:

    “[...]

    1- O estabelecimento de um prazo máximo peremptório, que condiciona a admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, contado do trânsito em julgado da sentença a rever, representa o balanceamento possível entre dois valores constitucionalmente tutelados: o de não deixar subsistir sentenças intoleravelmente “injustas”, nomeadamente por violação do contraditório, e a autoridade e intangibilidade do caso julgado material, impeditivo de que a sentença definitiva possa ser revista (e eventualmente revogada) a todo o tempo, indefinidamente ao longo dos anos, impedindo a estabilização das relações jurídicas judicialmente apreciadas e afectando, em termos desproporcionados, a certeza e segurança do direito – não afrontando, deste modo, tal regime-regra os princípios da igualdade e do acesso ao direito.

    2 -Tal regime adjectivo, enquanto aplicável a acções, consumando um juízo divisório, em que a relação material controvertida tem natureza patrimonial, culminando, nomeadamente, na atribuição da propriedade e posse de um imóvel a determinado interessado, não é de considerar, por maioria de razão, inconstitucional, já que a desmedida dilação na interposição do recurso de revisão pelo interessado preterido pressupõe e implica, pela natureza das coisas, uma situação de abandono ou desinteresse objectivo na administração e acompanhamento do seu património, insusceptível de merecer tutela, em termos de afrontamento do valor do caso julgado material.

    3 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.[...]”

    Nenhum outro sujeito processual alegou. Cumpre, assim, decidir.

    II – Fundamentação

  2. Para integral compreensão da presente situação mostra-se útil rememorar as circunstâncias essenciais que originaram este recurso de constitucionalidade.

    O processo iniciou-se com uma acção especial de divórcio litigioso, proposta por B. em Abril de 1984 (proc. nº 2561 da 1ª Secção do 2º Juízo da Comarca de Águeda, que se encontra apenso a este recurso), na qual indicava a ré, então sua mulher, A., como residente em parte incerta da Venezuela. Tal acção, para a qual esta foi citada editalmente, culminou com o decretamento do divórcio, transitando em julgado a decisão em Maio de 1985.

    Então, dissolvido o casamento por divórcio, veio A. requerer, em 18 de Outubro de 1985, processo de inventário para separação de meações, relativamente à sua ex-cônjuge, indicando-a, de novo, como residente em parte incerta da Venezuela, facto que conduziu, também neste último processo, à respectiva citação edital e à nomeação de um curador ad litem para a representar.

    Partilhou-se neste inventário um imóvel (único bem relacionado e descrito), sendo ele adjudicado ao requerente, que o licitou em conferência, sendo o quinhão da referida A. preenchido por tornas.

    A decisão que homologou esta partilha transitou em julgado oito dias após a sua publicação, ou seja, em 11 de Junho de 1987 nos termos da aplicação conjugada dos artigos 677º e 685º, nº 1 ambos do CPC (este último na redacção então em vigor, que era a anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Junho). A este propósito convém sublinhar, aliás, ser indiscutível, desde há muito, o valor de caso julgado da sentença homologatória da partilha, estando a tal respeito...

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