Acórdão nº 302/05 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2005

Data08 Junho 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 302/05 Processo n.º 107/05 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório.

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, foi interposto por A., ora recorrida, recurso contencioso tendo por objecto um acto do Conselho de Administração do B., ora recorrente. Tendo sido inicialmente negado provimento ao recurso, a ora recorrida interpôs recurso jurisdicional da sentença para aquele Supremo Tribunal, o qual, por acórdão de 17 de Dezembro de 2003, lhe concedeu provimento, bem como ao recurso contencioso.

  2. Inconformado, veio, então, o ora recorrente arguir a nulidade dessa decisão. Por acórdão de 16 de Junho de 2004, entendeu o STA que improcedia a arguição de nulidade, tendo condenado em multa, por litigância de má fé, o representante do B. que teve intervenção no processo e ordenado que fosse dado conhecimento à Ordem dos Advogados.

  3. De novo inconformado, na parte em que se determinou a condenação como litigante de má fé, o ora recorrente veio interpor recurso para o Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo. Tal requerimento foi indeferido por despacho do Relator, que o considerou inadmissível. Não se conformando com este despacho, o ora recorrente veio reclamar para a conferência, alegando, para o que agora importa, o que aqui se transcreve:

    “[...] 11. Resulta ainda do disposto expressamente no n.º 3 do artigo 456° do Código de Processo Civil, que é “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso em um grau da decisão que condene por litigância de má fé.” (itálico aditado).

  4. Ou seja, conforme claramente resulta da citada disposição, não pode ser cerceada, à parte que foi condenada litigante de má fé, a possibilidade de recorrer, em um grau, dessa decisão, sob pena de tal consubstanciar uma manifesta violação do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20°, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.

  5. Ora, atendendo ao teor da citada disposição legal, outra não pode ser a conclusão a retirar senão a de que a tutela que o legislador atribui à parte condenada por litigância de má fé, consubstanciada no direito ao recurso e à obtenção de uma segunda decisão nessa matéria, não é susceptível de ser limitada por força das disposições relativas à competência dos Tribunais Administrativos consagradas no ETAF.

  6. Aliás, forçoso é que tais disposições sejam compatibilizadas com aquela garantia de tutela jurisdicional, por força da aplicação das regras gerais de em matéria de competência, organização e hierarquização dos Tribunais Administrativos, em especial atendendo ao disposto no artigo 2° do ETAF.

  7. Assim, por aplicação de tais regras, da decisão da Secção de Contencioso Administrativo do STA, pela 3ª subsecção, que condena a ora reclamante por litigância de má fé cabe recurso, ao abrigo do disposto no artigo 456°, n° 3 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1º da LPTA, a interpor para o Pleno da Secção.

  8. A não ser assim, o disposto nos artigos 24° do ETAF, 103°da LPTA, bem como, no artigo 456°, n.º 3 do CPC, na interpretação de que não é admissível recurso de uma decisão que condena uma das partes por litigância de má fé quando a mesma tenha sido proferida pela primeira vez (primeira decisão sobre a matéria) pela Secção de Contencioso Administrativo do STA, em subsecção, no seguimento da arguição de uma nulidade de Acórdão proferido em sede de recurso jurisdicional, será manifestamente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º, n.º1 da CRP.[...]”

    4 – O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 2 de Dezembro de 2004, tirado com um voto de vencido, decidiu indeferir a reclamação. Na fundamentação dessa decisão, ponderou aquele Tribunal:

    “[...] O recurso interposto pelo Conselho de Administração do B. não tem por fundamento oposição de julgados nem foi interposto em processo de recurso directamente interposto para a Secção, pelo que é manifesto que não se enquadra na competência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo prevista neste art. 24º.

    A norma do n.º 3 do art.º 456º do C.P.C. que estabelece que «independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé» não permite uma extensão da competência do Pleno de Secção.

    Com efeito, desde logo, trata-se de uma norma introduzida pelo Decreto-lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e a competência do Pleno foi revista por diploma posterior, que foi o Decreto-lei n.º 229/96, de 29 de Novembro. Na verdade, embora este diploma não tenha alterado a alínea a) do n.º 1 do art. 24.º do E.T.A.F., procedeu a uma revisão global da competência do pleno, como se depreende do facto de ter alterado todas as suas outras alíneas, pelo que não se pode defender que aquela alínea a) esteja tacitamente revogada pelo Decreto-lei n.º 180/96, mesmo nas situações especiais de condenação por litigância de má fé. Por isso, não se pode aceitar o entendimento de que a possibilidade de recurso prevista naquele n.º 3 do art. 456.º do C.P.C. possa prevalecer sobre a posterior fixação da competência do Pleno operada por aquele Decreto-lei n.º 229/96.

    Para além disso, se aquele n.º 3 do art. 456.º introduzido pelo Decreto-Lei n.º 180/96 fosse interpretado como implicando uma alteração da competência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, estendendo-a a recursos de acórdãos da Secção proferidos em recursos contenciosos não interpostos directamente para a Secção, ele enfermaria de inconstitucionalidade orgânica, pois a organização e competência dos tribunais é matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [art. 168.º, n.º 1, alínea q), da C.R.P., na redacção de 1992] e a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o Decreto-lei n.º 180/96, concedida pela lei n.º 28/96, de 2 de Agosto, não lhe permitia alterar a competência do Supremo Tribunal Administrativo.

    Por isso, tem de se concluir pela inadmissibilidade do recurso que foi interposto pelo reclamante para o Pleno de Secção.

    3 - O Reclamante defende que a inadmissibilidade de recurso das decisões de condenação por litigância de má fé proferidas pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo viola o princípio constitucional da tutela judicial efectiva, consagrado no n.º 1 do art. 20.º da C.R.P..

    Esta norma estabelece que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».

    O que esta norma consagra é o direito de os cidadãos verem apreciadas por um Tribunal as suas pretensões.

    Por isso, desde logo, é de afastar a possibilidade de violação desse princípio quando a decisão em causa é proferida por um Tribunal, sem qualquer limitação nos seus poderes de cognição.

    Por outro lado, esse direito à tutela judicial efectiva não implica a possibilidade de recurso jurisdicional de todas as decisões dos tribunais, o que, desde logo, não pode deixar de ser evidente quando se trata de um órgão de cúpula.

    ...

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