Acórdão nº 299/05 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução07 de Junho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 299/2005

Processo n.º 598/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão da Secção de Contencioso Administrativo daquele Tribunal, de 1 de Abril de 2004, que recusou a aplicação das normas constantes dos artigos 111.º, n.º 1, alínea a), e 118.º, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, por entender que as mesmas padecem de inconstitucionalidade, por violação do artigo 218.º, n.º 3, da CRP.

O acórdão recorrido foi emitido em recurso contencioso, interposto por A., técnica de justiça principal em exercício de funções nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Família e Menores de Lisboa, contra a deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 19 de Fevereiro de 2003, que, em “recurso hierárquico impróprio” para ele interposto pela recorrente contra a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça, de 3 de Outubro de 2002, que lhe atribuíra a classificação de Bom, pelo serviço prestado nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, negou provimento a esse recurso, mantendo esta classificação.

O acórdão recorrido, apoiando-se no decidido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 145/2000, 159/2001, 244/2001 e 73/2002, concluiu:

“Temos, assim, que no domínio do Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril – aprovado em Conselho de Ministros de 28 de Fevereiro de 2002, oito dias após a erradicação dos artigos 95.º, 107.º, alínea a), 98.º e 111.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro [sic; os mencionados artigos 98.º e 111.º, alínea a), respeitam ao Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto], que invadiram a competência exclusiva do CSM, atribuindo-a ao ali criado COJ – os artigos 98.º, 111.º, n.º 1, alínea a), e 118.º, n.ºs 1 e 2, [do EFJ] padecem de desconformidade com o preceituado no artigo 218.º, n.º 3, da Constituição, sendo irrelevante a criação do meio gracioso do «recurso das deliberações do COJ para o CSM» para salvar a reiterada manutenção no COJ da competência em matéria de mérito de carreira e disciplinar dos funcionários judiciais, por afrontar o domínio normativo do artigo 218.º, n.º 3, da CRP que, neste quadro, configura o núcleo de poderes do CSM subtraído ao legislador ordinário em tudo quanto seja contrário ao constitucionalmente garantido.

Consequentemente, no edifício legal do caso concreto, entendemos que não são de aplicar os citados artigos 111.º, n.º 1, alínea a), e 118.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril [recte: do EFJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 96/2002], como suporte dos actos praticados, maxime da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público.”

Na sequência do que viria a declarar a nulidade da deliberação impugnada por padecer do vício de usurpação de poder.

O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

“1.º – A norma constante do artigo 218.°, n.° 3, da Constituição apenas implica que deva estar reservada ao Conselho Superior da Magistratura a «última palavra» sobre a avaliação profissional e disciplinar dos funcionários de justiça que directamente coadjuvam os juízes dos tribunais judiciais, deles dependendo em termos funcionais ou processuais, já que a respectiva actuação poderá influenciar, em termos relevantes, a qualidade e eficácia da administração da justiça feita por tais tribunais e, em última análise, a respectiva independência decisória.

2.° – Face ao figurino constitucional – que institui vários órgãos constitucionais independentes para avaliação profissional e disciplina de várias magistraturas, constituídas como paralelas e autónomas – não há qualquer razão materialmente justificada para «cindir» a avaliação profissional dos magistrados da avaliação e disciplina dos funcionários que processualmente os coadjuvam, influenciando relevantemente o exercício das tarefas que lhes estão constitucionalmente reservadas.

3.° – Colidiria com a qualificação da Procuradoria-Geral da República como «órgão superior do Ministério Público» e com o princípio da autonomia do Ministério Público a «amputação» da competência do respectivo Conselho Superior para proceder à avaliação profissional dos funcionários que coadjuvam directamente os magistrados do Ministério Público e deles dependem processualmente, para a atribuir ao Conselho Superior da Magistratura.

4.° – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas e que integram o objecto do presente recurso.”

A recorrida, por seu turno, contra-alegou, concluindo:

“1. As normas dos artigos declarados feridos de usurpação de poder pela decisão recorrida devem ser declaradas materialmente inconstitucionais por ofensa do artigo 218.°, n.° 3, da CRP.

2 . A competência para avaliar e exercer o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça está constitucionalmente cometida ao CSM, nos termos em que o normativo legal atrás indicado expressamente prevê.

3. Os argumentos expressos nas alegações do recorrente Ministério Público não rebatem as que obtiveram vencimento no Acórdão n.° 145/2000, proferido em 21 de Março de 2000, e apenas se limitam a seguir quase que à risca a que ali está expressa no voto de vencido.”

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

2.1. Apesar de as questões relacionadas com a extensão da intervenção do Conselho Superior da Magistratura (CSM) na apreciação do mérito profissional e no exercício da acção disciplinar sobre os funcionários de justiça terem constituído objecto de diversas decisões do Tribunal Constitucional, esta é a primeira vez que o Tribunal é chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 111.º, n.º 1, alínea a), e 118.º, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, enquanto atribuem competência ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) para apreciar, por via de recurso para ele interposto contra deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), o mérito profissional de funcionários dos serviços do Ministério Público.

Na aludida jurisprudência deste Tribunal, há que distinguir, consoante os diplomas legais em causa, duas fases, sendo a primeira divisível em duas subfases: na primeira subfase da primeira fase (Acórdãos n.ºs 145/2000, 159/2001 e 266/2001) estava em causa o Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro (Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários de Justiça); na segunda subfase da primeira fase (Acórdãos n.ºs 178/2001, 244/2201, 285/2001 e 398/2001) estava em causa o...

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