Acórdão nº 233/05 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução03 de Maio de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 233/2005 Processo n.º 1040/2004 3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3.ª Secção

do Tribunal Constitucional:

  1. A. instaurou, no Tribunal Cível da Comarca do Barreiro, uma acção de simples apreciação contra a HERANÇA DE B. e contra o INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL (cfr. petição inicial de fls. 26), pedindo que fosse “reconhecido o direito do A. a alimentos da herança da falecida B. nos termos do disposto no artº 2020º do CC, bem como reconhecido que tal direito é de impossível efectivação dada a inexistência de bens daquela herança, pelo que, finalmente, deverá reconhecer-se ao A. a qualidade de titular da prestação de subsídio por morte a que alude o artº 3º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18.01”.

    A acção foi julgada improcedente, por sentença de 27 de Fevereiro de 2003, de fls. 83, com fundamento em não ter o autor “feito prova de não poder obter alimentos do seu ex-cônjuge, dos descendentes, dos ascendentes ou dos irmãos”, prova essa considerada “pressuposto essencial e necessário à procedência da acção”, sentença essa que foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Novembro de 2003, de fls. 115.

    O Supremo Tribunal de Justiça, porém, por acórdão de 13 de Maio de 2004, de fls. 138, veio a conceder provimento ao recurso de revista interposto pelo autor. Consequentemente, revogou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e julgou “procedente, por provada, a acção, reconhecendo-se ao Autor a qualidade de titular da prestação do subsídio por morte a que alude o artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro”.

    Para o efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o acórdão n.º 88/2004 do Tribunal Constitucional (Diário da República, II série, de 16 de Abril de 2004), recusou a aplicação, por inconstitucionalidade, do “disposto no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, segundo o qual se estabelece que o direito às pensões (por morte) previstas no diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no artigo 2020º do Código Civil (união de facto) – seu n.º 1 –, relegando para decreto regulamentar o processo de prova das situações e condições de atribuição dessas prestações – seu n.º 2 – e o preceituado no artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro”.

    Por acórdão de fls. 157, foi negado o pedido de aclaração formulado pelo Instituo de Solidariedade e Segurança Social.

  2. Entretanto, o Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, invocando a recusa de aplicação “das normas contidas nas disposições conjugadas dos arts. 8º do DL 322/90, de 18 de Outubro e 3º do Dreg. 1/94, de 18 de Janeiro”.

    Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, referindo, por um lado, o juízo de inconstitucionalidade constante do referido acórdão n.º 88/04, relativo ao “regime paralelo, vigente no âmbito do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no funcionalismo público” e, por outro, o juízo de não inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, feito no acórdão n.º 195/2003 (Diário da República, II série, de 22 de Maio de 2003).

    Afastando uma eventual violação do princípio da igualdade, o Ministério Público concluiu no sentido da violação do princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:

    “1 – É materialmente inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, segundo o qual o direito à atribuição de subsídio por morte a quem convivia em união de facto, há mais de dois anos, com o beneficiário da segurança social falecido, depende – não apenas da prova dos requisitos de estabilidade da união de facto e da situação de carência económica do interessado sobrevivo – mas também da demonstração, a efectivar no âmbito de acção movida contra a herança, de um estado de absoluta e generalizada carência económica por parte de todo o seu círculo familiar próximo, integrado pelos familiares e parentes enumerados no n.º 1, alíneas a) a d), do artigo 2020º do Código Civil.

    2 – Na verdade – e como se decidiu, a propósito de “lugar paralelo”, no Acórdão n.º 88/04 – tal interpretação viola o princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º, 18º, n.º 2, 36º, n.º 1, e 63º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida”.

    O recorrido não alegou.

    3. É o seguinte o texto da norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, desaplicada pela decisão recorrida:

    “Artigo 8º

    Situação de facto análoga à dos cônjuges

    1 – O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil.

    2 – O processo de prova das situações a que se refere o n.º 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar.”

    Por seu turno, o artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, igualmente desaplicado pela decisão recorrida, a que se refere o artigo 8º, n.º 2, que se acaba de citar, tem o seguinte texto:

    “Artigo 3º

    Condições de atribuição

    1 – A atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020º do Código Civil.

    2 – No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas pensões.”

    Na decisão recorrida invoca-se, como “lugar paralelo”, o decidido no Acórdão nº 88/04 (Diário da República, II série, de 16 de Abril de 2004), através do qual este Tribunal se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade, “por violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º, 18º, n.º 2, 36º, n.º 1, e 63º, n.ºs 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa, [d]a norma que se extrai dos artigos 40º, n.º 1, e 41º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no funcionalismo público, quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos do companheiro falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil”.

    Para chegar a este julgamento, o Tribunal apresentou a seguinte fundamentação:

    10.6. Ora, no caso que nos ocupa (e de outros não há que agora cuidar), as normas questionadas foram interpretadas no sentido de que o companheiro sobrevivo, para que lhe possa vir a ser atribuída a pensão de sobrevivência, devida pela instituição pública para a qual o companheiro falecido foi obrigado a descontar durante a sua vida profissional, terá, além de provar a existência da união de facto e a necessidade de alimentos, de fazer prova, ainda, numa acção intentada directamente contra a herança do falecido, da impossibilidade de obter alimentos dos seus familiares, referidos nas alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil. Isto é, o companheiro sobrevivo terá de fazer prova de um estado de absoluta indigência, para que a Caixa Geral de Aposentações, “pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e com património próprio, que tem por escopo a gestão do regime de segurança social do funcionalismo público em matéria de pensões” e que incorporou o Montepio dos Servidores do Estado (Decreto-Lei n.º 277/93, de 10 de Agosto), lhe pague a pensão de sobrevivência, devida em caso de morte de beneficiário daquela Caixa. A exigência que lhe é feita de que, embora pretenda, única e exclusivamente, que lhe seja atribuída uma pensão de sobrevivência, instaure uma acção...

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