Acórdão nº 658/06 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução28 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 658/2006 Processo n.º 292/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.A., S.A. reclamou para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – LTC), do despacho do Juiz do 7.º Juízo Cível do Tribunal Cível de Lisboa, de 1 de Abril de 2004, de não admissão de recurso de constitucionalidade por ela interposto da sentença de 8 de Setembro de 2004, que julgou improcedentes os embargos de executado deduzidos na acção executiva que lhe foi movida por B., L.da.

    O despacho então recorrido não admitiu o recurso porquanto – determinando o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC que “cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões em que se aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” – “desde o início do processo que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade” e, “ainda que no requerimento em que a embargante requereu a reforma da sentença tenha alegado a violação de uma norma constitucional, o certo é que, atenta a fase processual em que tal questão foi suscitada, a mesma não foi objecto de qualquer discussão”.

    A recorrente viu deferida, pelo Acórdão n.º 669/2005, a reclamação deste despacho do Juiz do 7.º Juízo Cível do Tribunal Cível de Lisboa, considerando este Tribunal que, “no presente caso, a não suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade no pedido de reforma da sentença não teve por efeito a perda do direito que, perante a natureza inesperada da interpretação normativa nela aplicada, assistia à recorrente de recorrer para o Tribunal Constitucional com dispensa desse requisito específico do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC”.

    Ainda de acordo com o decidido no referido aresto, “o critério normativo aplicado na sentença de que se pretendeu interpor recurso foi o de que, na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, direito que se tem por demonstrado”.

    AUTONUM 2.Neste Tribunal, a recorrente produziu alegações em que concluiu pela forma seguinte:

    1. O artigo 20.º da Constituição consagra, nos seus n.ºs 4 e 5, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, inserido na epígrafe do preceito após a Revisão Constitucional de 1997.

    2. O direito contido no n.º 4 do art.º 20.º a que nas causas em que intervenham a decisão seja tomada mediante processo equitativo compreende designadamente o princípio do contraditório, conforme se encontra reconhecido pelo Tribunal Constitucional.

    3. O legislador ordinário consagrou no art.º 815.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (presentemente art.º 816.º) o ditame de que numa execução que não seja baseado em sentença o executado pode usar todos os fundamentos que lhe seria licitar utilizar em processo declarativo.

    4. A sentença de 8 de Setembro de 2004 do Tribunal Judicial de Lisboa não reconheceu ao opositor da execução o direito a usar todos os meios de defesa que podia utilizar em processo declarativo, mas apenas os de invocar factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos alegados pelo exequente.

    5. A mesma sentença foi proferida num processo de execução subsequente a injunção não contestada, e em decorrência da aposição da fórmula executória pelo Secretário do Tribunal.

    6. É manifestamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que esta aposição da fórmula executória não constitui uma sentença judicial.

    7. A sentença de 8 de Setembro de 2004 constituiu uma decisão surpresa, quer devido à falta de jurisprudência anterior sobre a matéria, quer devido ao facto de os embargos terem sido recebidos sem reservas, quer finalmente devido ao facto de na discussão de causa ter sido aceite com toda a amplitude a discussão da matéria de facto em termos de impugnação.

    8. A sentença de 8 de Setembro de 2004 omitiu na sua fundamentação de direito qualquer referência ao citado art.º 815.°, n.º 1 (hoje 816.º), do Código de Processo Civil.

    9. O opositor da execução tem toda a legitimidade, face ao regime consagrado neste preceito do Código de Processo Civil, para concentrar a sua defesa na oposição à execução fundada em título diferente de sentença, sem prejuízo do direito à oposição na providência de injunção.

    10. A sentença recorrida, ao violar, na interpretação restritiva que adoptou, o regime consagrado pelo legislador ordinário (art.º 14.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, e art.º 816.º do Código do Processo Civil) para a oposição na execução de títulos distintos de sentença, veio do mesmo passo violar o artigo 20.º da Constituição que consagra a tutela jurisdicional efectiva, designadamente o princípio do contraditório em toda a sua extensão.

    11. Deve assim a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça ao opositor da execução o exercício de todos os fundamentos passíveis de ser usados em processo declarativo, daí se extraindo as necessárias conclusões face à prova produzida.

    Notificada para, querendo, contra-alegar, a recorrida nada disse.

    Cumpre apreciar e decidir.

  2. Fundamentos

    AUTONUM 3.A questão que vem suscitada nos autos – tal como se encontra delimitada no referido Acórdão n.º 669/2005 (disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt) – é a de saber se a norma do artigo 14.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, interpretada no sentido de que na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, direito que se tem por demonstrado, viola ou não o artigo 20.º da Constituição, que garante aos cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

    É a seguinte a redacção do mencionado artigo 14.º, n.º 1:

    “Artigo 14.º

    Aposição da fórmula executória

    1 – Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: «Este documento tem força executiva.»

    […]”

    AUTONUM 4.Recorde-se o que este Tribunal afirmou, ainda que para concluir pela verificação dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso, no Acórdão n.º 669/2005 sobre a questão que ora se nos coloca:

    “[…]

    O CPC, na redacção vigente à data da instauração da presente execução (2001), diferenciava os fundamentos invocáveis pelo executado para se opor à execução por embargos consoante o título executivo fosse uma sentença (hipótese em que os fundamentos invocáveis eram os elencados nas alíneas a) a g) do artigo 813.º), uma decisão arbitral (em que aos fundamentos anteriores se aditavam os que podiam basear a anulação judicial da decisão arbitral – artigo 814.º, n.º 1) ou outro título (em que aos fundamentos invocáveis na execução fundada em sentença acresciam quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração – artigo 815.º, n.º 1), acrescentando o n.º 2 deste artigo 815.º que a homologação, por sentença judicial, da conciliação, confissão ou transacção das partes, em que a execução se fundasse, não impedia que na oposição se alegasse qualquer das causas que determinam a nulidade ou a anulabilidade desses actos. Este esquema foi mantido na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, com melhorias de sistematização (a regra de que a oposição à execução de sentença homologatória de conciliação, confissão ou transacção se podia também fundar em qualquer causa de nulidade desses actos, que constava do n.º 2 do artigo 815.º, relativo à oposição à execução baseada noutro título, transitou [com eliminação da referência a conciliação] para a alínea h) do actual artigo 814.º, que é o preceito dedicado à enumeração dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, já que, de facto, “a situação aí prevista – atenta a existência de sentença homologatória – se situa no âmbito da execução baseada em decisão judicial” – Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. II, Coimbra, 2004, p. 39).

    A injunção, como providência destinada a conferir força executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, prevendo-se que, na falta de oposição do requerido, o secretário judicial do tribunal aporia fórmula executória no requerimento de execução. Este diploma não continha qualquer disposição específica quanto às execuções fundadas nesse título, mas no respectivo preâmbulo esclareceu-se que:

    “A aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção executiva, com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815.º do Código de Processo Civil.”

    Esse regime foi substituído pelo instituído pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que alargou a aplicabilidade da providência aos contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância (artigo 7.º do Regime anexo), tendo posteriormente o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, estendido essa aplicabilidade às obrigações comerciais abrangidas por esse diploma. No que concerne à execução fundada em requerimento de injunção, o artigo 21.º, n.º 1, do Regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98 limitou-se a determinar que a mesma seguiria, com as necessárias...

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