Acórdão nº 283/11 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 283/2011

Processo n.º 900/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional I – Relatório 1. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), do despacho do Tribunal da Comarca de Mértola “que recusou a aplicação da norma constante do artigo 814.º do Código de Processo Civil, por violação das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a interpretação e aplicação literal e imediata do aludido inciso legal, sem um regime transitório ou de salvaguarda aplicável às injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/2008, permite obstar e fazer precludir o exercício do direito de defesa que até então era, maioritariamente, admitido.”

  1. No despacho recorrido, na parte que agora releva, decidiu-se que:

    “ (…) No entanto, compulsados os autos de execução, constata-se que o título executivo constante do mesmo é uma injunção à qual foi conferida força executiva em 17-12-2008 e bem assim, que a presente execução de que a posição é apenso, foi intentada em 22-09-2009.

    Concluímos assim, que a lei processual a aplicar é a que resultou do Decreto-Lei n.° 226/2008, aplicável a todos os processos iniciados após 31 de Março de 2009.

    Com a alteração à reforma executiva operada pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, de 20 de Novembro, as injunções foram equiparadas às sentenças, pelos que os fundamentos admissíveis na oposição à execução terão necessariamente de se circunscrever aos fundamentos previstos no artigo 814° do Código de Processo Civil, ou seja, para o que no caso releva, factos extintivos ou modificativos, desde que posteriores ao encerramento da discussão no processo em que foi aposta a força executiva (realizando in casu, uma interpretação adaptada da alínea g), do n.° 1, do citado inciso legal. Ora, nos presentes autos de oposição, pretende o executado vir discutir a existência da dívida, invocando, em síntese, factos relativos ao cumprimento do contrato e a eficácia da resolução que realizou por escrito datado de 9-10-2007 dirigido à ora exequente. Impunha-se assim, rejeitar a oposição à execução por inadmissibilidade do fundamento — cfr. artigo 817°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Civil. Contudo, julgamos que a questão não se pode colocar desta forma.

    Não obstante com base em legislação diversa, atenta as sucessivas alterações, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se quanto à admissibilidade dos fundamentos passíveis de sustentar uma oposição quando a execução tenha por base uma injunção (vd. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 658/2006, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Mota Pinto).

    Discutia-se à data a redacção conferida ao artigo 14° do Decreto-Lei n.° 269/89, de 1 de Setembro e concluiu aquele douto tribunal que ‘Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, a norma do artigo 14.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro, na interpretação segundo a qual, na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, o qual se tem por demonstrado’.

    Acontece que, no nosso entender, e não obstante a alteração da redacção ao artigo 814° do Código de Processo Civil, mediante o qual se equiparou a injunção a uma decisão judicial para efeitos dos fundamentos invocados em sede de oposição à execução, os fundamentos utilizados na douta fundamentação do já citado aresto se mantém (ao que acresceremos um outro).

    Com efeito, entendemos que não é a alteração de uma norma processual que altera a natureza substantiva da injunção.

    Quanto a esta e vertendo aqui os ensinamentos explanados no aresto que se tem vindo a citar, a generalidade da doutrina tem considerado que a aposição, pelo secretário judicial, da fórmula executória no requerimento de injunção integra um título executivo distinto das sentenças, sendo admissível que, na oposição à execução nele fundada, o executado invoque, para além dos fundamentos invocáveis na oposição à execução fundada em sentença, ‘quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração’. (…)

    Sobre tal matéria e face às sucessivas alterações legislativas, a doutrina (aqui se incluindo alguns dos citados autores) e a jurisprudência, já com a redacção resultante do Decreto-Lei n.° 38/2003, não eram unânimes na afirmação do tipo de oposição que o executado podia opor à execução baseada em injunção. Uns consideravam que era aplicável o disposto no art. 814° (neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa de 28/10/2004, e de 10/12/2009, ambos disponíveis in www.dqsi.pt e Salvador da Costa, in ‘A Injunção e as Conexas Acção e Execução’, 6.ª ed., 2008, pgs. 324- 326); outros sustentavam que o executado pode fundamentar a sua oposição em qualquer causa permitida pelo art. 816° (assim, Acórdãos da Relação do Porto de 10/01/2006 e de 05/07/2006, da Relação de Coimbra de 05/05/2009, todos disponíveis in www.dqsi.pt, e Prof. Remédio Marques, in ‘Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto’, 1998, pg. 79).

    Pertencíamos, na redacção conferida ao artigo 814° do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, aos que defendiam a segunda tese aqui explanada. Actualmente, julgamos a redacção do artigo 814° do Código de Processo Civil inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do princípio da confiança no estado de direito, uma vez que a interpretação e aplicação literal e imediata do aludido inciso legal, sem um regime transitório ou de salvaguarda aplicável às injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 226/2008, permite obstar e fazer precludir o exercício do direito de defesa que até então era, maioritariamente, admitido.”

  2. Notificado para alegar, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, concluiu do seguinte modo:

    “ (…) 3. Objecto do presente recurso de inconstitucionalidade é a ‘interpretação normativa’ extraída das disposições dos n.°s 1 e 2 do art. 814.°, cit., conjugadamente com o regime transitório do Decreto-Lei n.° 226/2008, cit., na medida em que não salvaguarda a aplicação da lei antiga quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada nas injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma legal.

    1. Protecção da confiança

  3. Por força da dita ‘interpretação normativa’, a aplicação da lei nova, sem mais, aos efeitos jurídicos determinados no âmbito da lei antiga, e ainda subsistentes, lesaria os ‘direitos adquiridos’ do executado, na medida em que, assim, será denegado fazer uso dos fundamentos que lhe teria sido ‘lícito deduzir como defesa no processo de declaração’ (matéria de impugnação), frustrando a confiança legítima que sedimentara à sombra da lei antiga.

  4. E bem assim, a aplicação da lei nova não realiza um interesse constitucionalmente protegido, que deva prevalecer sobre o direito à tutela judicial, plena e sem lacunas, garantida pela lei antiga, ao facultar, ainda, os meios de defesa dedutíveis em processo...

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