Acórdão nº 545/06 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2006

Data27 Setembro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 545/2006

Processo n.º 414/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra contra o despacho do juiz do Tribunal Judicial de Cantanhede, de 12 de Outubro de 2005, que indeferiu requerimento de suspensão da contagem do prazo de interposição de recurso da sentença condenatória (proferida em 19 de Julho de 2005 e depositada na mesma data), entre 15 de Setembro de 2005 e a data da notificação da disponibilização das cópias das cassetes com a gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento (cópias pelo recorrente requeridas em 12 de Setembro de 2005, o que fora deferido por despacho do subsequente dia 19).

Na motivação desse recurso, o recorrente suscitou, além do mais, a questão da inconstitucionalidade da “norma do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a contagem do prazo de interposição do recurso da data do depósito da sentença, e não da data em que o defensor do arguido é notificado da entrega dos suportes magnéticos da gravação (cassetes) dos depoimentos das testemunhas em sede de julgamento, para efeitos de prova da matéria de facto, mediante a prova gravada, tempestivamente requerida”.

Ao recurso foi negado provimento por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Março de 2006, com a seguinte fundamentação:

“Relativamente a esta questão verifica-se que a norma ínsita no n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal define o prazo para a interposição de recurso e determina o momento a partir do qual se conta este prazo.

Por outro lado, adianta-se já, a ausência de uma disposição que possibilite um acréscimo do prazo resulta de uma opção legislativa, já que não contraria o fim visado pelo legislador.

No preâmbulo da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, refere-se que se procurou uma maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal, reduzindo-se ao mínimo a duração dos processos penais.

Ora, a redacção do artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil foi introduzida pela revisão realizada (anteriormente àquela data) pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, não cuidando o legislador de introduzir uma norma equivalente, pelo simples facto de, intencionalmente, dar possibilidade de maior celeridade à justiça penal.

Assim que o preceituado no artigo 412.º do Código de Processo Penal refere apenas e tão-só os registos efectuados e apontados pelo recorrente para efeito das especificações que tiver concretizado, e ocorrerá sempre após a interposição do recurso, ou seja, o recorrente, nas suas alegações de recurso terá apenas de referir os suportes técnicos, os quais são indicados nas actas das diligências em que tiver sido produzida a prova gravada, tendo, pois, o recorrente a indicação destes suportes nas referidas actas que constam dos autos.

A forma como se processa a documentação e registo da audiência final e a prova nela produzida está regulamentada no Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Setembro, sendo, nos termos do artigo 70.º do referido diploma legal, gravadas durante a audiência simultaneamente uma fita magnética destinada ao tribunal e outra destinada às partes, incumbindo ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de 8 dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou das partes que a requeiram, devendo estes fornecer ao tribunal as fitas magnéticas necessárias.

Por outro lado, o n.º 6 do artigo 107.º do Código de Processo Penal consagra a possibilidade de prorrogação do prazo para a prática de determinados actos, quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade e a requerimento, não se tendo contemplado tal possibilidade para o caso do recurso versar sobre a matéria de facto, aquando de pretendida reapreciação das provas gravadas.

Por sua vez, o n.º 6 do artigo 698.º do Código de Processo Civil prevê o acréscimo de 10 dias nos prazos para alegações e contra-alegações quando o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.

Para se saber se é aplicável ao processo penal o disposto no referido artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil cumpre saber se o facto da não previsão pelo legislador no processo penal de tal acréscimo configura ou não uma lacuna, a qual seria integrada pela forma prevista no artigo 4.º do Código de Processo Penal.

Destarte que a norma do n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal não carece de qualquer integração, uma vez que define o prazo para a interposição de recurso e determina o momento a partir do qual se conta este prazo.

A não ser assim, o simples pedido de acesso a cópia dos suportes técnicos de gravação teria sempre a virtualidade de suspender, indefinida e aleatoriamente, o prazo de interposição do recurso até que a mesma fosse colocada à sua (do recorrente) disposição.

E se sobre a questão – objecto primacial do presente recurso – foram proferidos inúmeros acórdãos pelos tribunais superiores, com decisões em sentido contrário, veio a ser prolatado, pelo Supremo Tribunal de Justiça, um Acórdão de fixação de jurisprudência, no qual se fixou jurisprudência no sentido de «quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil».

Aí se pode ler, no domínio sindicado, que «no caso de impugnação da decisão proferida em matéria de facto, o recorrente deve especificar nas conclusões os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, e as provas que devem ser renovadas – artigo 412.º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do CPP. Quando as provas tenham sido gravadas, dispõe o n.º 4 do artigo 412.º [que] as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. Esta disposição, que descreve um iter procedimental para quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, separa inteiramente dois momentos, partindo do pressuposto e da função da gravação da prova e dos respectivos suportes técnicos e da função e finalidade da transcrição das provas gravadas. A gravação da prova, enquanto meio que permite a constituição de uma base para a reapreciação da decisão em matéria de facto pelo tribunal de recurso, obedece a modos regulamentados de execução constantes dos artigos 3.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro. Deste modo, é a tais suportes técnicos (fitas gravadas ou outros) que a lei se refere no artigo 412.º, n.º 4, do CPP, e não a quaisquer transcrições da prova gravada; a especificação das provas que no entender do recorrente impõem decisão diversa e das provas que devem ser renovadas não é feita por referência à transcrição, mas por referência aos suportes técnicos donde consta a gravação das provas, (...) Com efeito, como dispõe o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, o tribunal facultará cópia das gravações, devendo o mandatário, com a solicitação da cópia, fornecer as fitas magnéticas necessárias: a resposta do tribunal, no prazo máximo que a lei impõe (oito dias), harmoniza-se por modo adequado com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, sendo que, em caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado sempre disporá da faculdade de invocar justo impedimento. No rigor das coisas, os elementos necessários à impugnação da matéria de facto – suportes materiais da prova gravada – podem estar à disposição do recorrente desde o início do prazo para interposição do recurso. (...) o regime estabelecido em processo penal relativo aos procedimentos da impugnação da decisão em matéria de facto revela-se coerente, com inteira autonomia, e não apresenta qualquer espaço vazio; é um sistema que, nos termos descritos, funciona completamente por si, na previsão, nos procedimentos e nos resultados da sua execução. Apresentando-se como regime completo, que funciona com autonomia, e que permite realizar, por inteiro, e de modo razoável e constitucionalmente capaz (sublinhado nosso), a função para que foi concebido, não há espaços não regulados que necessitem de complemento; não deixando espaço de regulamentação em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação.»

Por tudo quanto ficou expresso cai pela base a inconstitucionalidade invocada pelo recorrente da norma do artigo 411.º, n.º...

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