Acórdão nº 512/06 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2006

Data26 Setembro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 512/2006

Processo nº 568/05

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2005.

    2. Por sentença do 2º Juízo Criminal do Funchal, de 7 de Julho de 2004, o ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 18 meses, com a condição de frequentar o programa “Responsabilidade e Segurança”, e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 15 meses.

      Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando o recorrente, para além do mais, que “a interpretação segundo a qual o artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada permite a recolha de sangue sem consentimento do arguido é inconstitucional por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa”.

      Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, este Tribunal alterou a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 431º, alínea a), do Código de Processo Penal e negou provimento ao recurso. Com relevo para a presente, extrai-se do texto da decisão recorrida o seguinte:

      «(…) Quanto à necessidade de consentimento a questão não se coloca uma vez que a lei – artº 159° do C.E. – não faz depender tal recolha de prévia autorização do arguido o que é diferente da situação de o arguido se negar a submeter-se ao exame de pesquisa do álcool o que acarreta aliás sanções legais.

      A lei prevê a possibilidade de recusa( com consequências penais para o recusante) mas não impõe uma autorização prévia por parte do examinando.

      No caso, a situação verificada é a de impossibilidade de realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado dado o estado inconsciente do arguido pelo que se impôs a submissão à colheita de sangue para análise;

      Mas, poder-se-ia dizer, ainda aqui, que o arguido, se estivesse consciente poderia ter recusado, como admite o n° 7 do artigo 159° C.E. mas se tal tivesse acontecido ( o que não foi o caso dado o estado do arguido) sempre haveria o recurso à realização de exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. –parte final do n° 7 do referido artigo. E aqui sempre seria possível apurar do estado de embriaguês do arguido uma vez que não resulta da lei que lhe seja aqui permitida a recusa a qual só é prevista no que respeita a colheita de sangue para análise.

      De qualquer modo, repete-se, a lei não impõe qualquer autorização prévia para a recolha do sangue para análise.

      Inexiste assim, qualquer ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da obtenção de prova.

      Inexiste portanto qualquer violação do disposto no artº 126 nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artº 32° n° 8 da CRP.

    3. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da inconstitucionalidade:

      1. do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretada no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa; e

      2. da interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 431º do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

    4. Notificado para alegar apenas quanto à questão de constitucionalidade relativa ao artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, por não ter sido admitido o recurso na parte que dizia respeito ao artigo 431º do Código de Processo Penal e desta decisão não ter havido reclamação nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC, o recorrente requereu:

      o provimento do presente recurso, declarando-se inconstitucional a interpretação, do acórdão recorrido, segundo a qual as normas do Código de Processo Penal [Código da Estrada], nomeadamente a do artigo 159° nº7 e a do artigo 163° nº2 (a que correspondem na actual sistematização do Código da Estrada os artigos 153° nº8 e 156°nº2), permitiriam a utilização da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em sinistro, por violação dos artigos 1°, 25°, 32° nºs 1,2,5 e 8 da Constituição da República Portuguesa

      .

      É o seguinte o teor das alegações:

      DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

      1. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação que decidiu inexistir no caso sub judice qualquer violação do disposto no artigo 126° nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artigo 32° nº8 da Constituição da República Portuguesa.

      2. O acórdão recorrido foi suscitado por recurso de sentença proferida em primeira instância em cujo processo havia sido já suscitada a ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual seriam admissíveis as provas obtidas através da recolha de sangue ao arguido sem o consentimento deste.

      3. A sentença de primeira instância decidiu que tal consentimento não era exigível legalmente por entender ser tal o resultado da interpretação que fazia do artigo 159° nº7 do Código da Estrada na anterior sistematização.

      4. Em recurso da decisão proferida em primeira instância o ora recorrente, sustentou a ilegalidade, face ao disposto no artigo 126° do Código de Processo Penal, e a inconstitucionalidade, face ao artigo 32° nº8 da Constituição da República Portuguesa, de tal interpretação.

      5. O acórdão recorrido, analisou tal problema e concluiu “Inexiste portanto qualquer violação do disposto no artigo 126°, nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artigo 32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA”.

      6. Em suma o que está em causa no presente recurso é saber se:

      a) Sendo um qualquer cidadão encontrado inconsciente na via pública, aos comandos de um veículo motorizado imobilizado, que acabou de ser interveniente num sinistro, é admissível, à luz do ordenamento penal, constitucional e infra constitucional, a submissão do mesmo cidadão em estado de inconsciência à recolha de sangue para aferição da taxa de alcoolemia respectiva?

      b) Na afirmativa, poderão os resultados do exame médico assim realizado constituir prova existente, válida e eficaz para sustentar uma acusação e uma condenação pela prática de um crime de condução de veículo a motor em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292° nº1 do Código Penal?

      7. Da resposta a estas perguntas resultará a conclusão sobre se a interpretação constante da decisão recorrida, fere ou não a constituição.

      8. Com efeito, o artigo 159° nº7 do Código da Estrada, bem como uma sua emanação, o artigo 162° nº3 do mesmo Código (a que correspondem na actual sistematização do Código da Estrada os artigos 153° nº8 e 156° nº2) que determina que o médico deve proceder a exame de sangue nos casos em que aos intervenientes em acidente de viação não seja possível o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, não pode ser interpretado no sentido de que a prova assim obtida é válida sem a autorização do examinado, sob pena de inconstitucionalidade.

      9. Essa inconstitucionalidade, é determinada pelo artigo 32° nº8 da nossa Lei Fundamental, como passaremos a demonstrar.

      A proibição processual penal constante do artigo 126° do Código de Processo Penal

      10. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.

      11. Tal nulidade implica a proibição de obtenção de prova pelos meios ali indicados, e implica sempre que a prova presente em juízo tenha sido obtida por aqueles meios, que ela não seja tida em conta.

      A garantia constitucional do processo criminal constante do artigo 32° nº8 da Constituição da República Portuguesa

      12. Mas o nosso ordenamento jurídico, considera, acertadamente em nosso entender, tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova, que consagrou constitucionalmente no artigo 32° a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam, a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados.

      13. E, fê-lo o legislador constitucional acertadamente, porquanto essa é uma das bases fundamentais do estado de direito democrático.

      14. Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios constitucionalmente consagrados.

      15. Da mesma forma não pode admitir-se a abertura de brechas no entendimento constitucionalmente consagrado da nulidade das provas obtidas por meios proibidos.

      16. Nem mesmo em casos de crimes graves ou de especial complexidade, já que abrir a porta a esse tipo de interpretação é deixar margem à arbitrariedade permitindo que nuns casos os meios de obtenção de prova sejam admitidos e noutros não.

      17. O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país.

      A obtenção de prova através da recolha de sangue e a sua caracterização

      18. A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova, implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.

      19. Trata-se de procedimento que embora simples, é intrusivo do corpo do examinado, e implica a ofensa da sua integridade, a sua perfuração...

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