Acórdão nº 59/06 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução18 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 59/2006

Processo n.º 199/2005 2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., o Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 17 de Fevereiro de 2005, negou provimento ao recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que havia, por seu turno, negado provimento ao recurso do acórdão do Tribunal Colectivo de Ílhavo que condenou o arguido na pena única de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, de um crime de sequestro e de um crime de detenção de arma ilegal.

    O arguido concluiu as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do seguinte modo:

    1. O presente recurso é admissível, uma vez que os Acórdãos recorrido são susceptíveis de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça.

    2. As normas das alíneas e) e f) do artigo 400º, n.º 1 do Código de Processo Penal são inconstitucionais por violarem o direito ao recurso consagrado pelo artigo 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, se permitirem e forem aplicadas em qualquer das seguintes interpretação:

      a. na interpretação segundo a qual, perante uma situação de “dupla conforme”, em caso de concurso de infracções apenas devem ser atendidas, para aferir da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as penas abstractamente aplicáveis aos singulares crimes em concurso e não a pena abstracta correspondente ao cúmulo jurídico; e

      b. na interpretação segundo a qual, em caso de recurso interposto apenas pelo arguido, a pena aplicável, para esses efeitos, corresponde à pena concretamente aplicada.

    3. O douto Acórdão que recaiu sobre os requerimentos formulados pelo Recorrente após o douto Acórdão que manteve a decisão do Tribunal de Circulo de Aveiro padece de nulidade por omissão de pronúncia, sobre os esclarecimentos e correcções pedidos e sobre a requerida admissão de recurso para o Tribunal Constitucional.

    4. O douto Acórdão que, negando provimento ao recurso da decisão final da primeira Instância, confirmou integralmente tal decisão e condenou o Recorrente em 10 UCs de custas, contém vários erros e lapsos manifestos e diversas obscuridades ou ambiguidades que não permitem a sua cabal compreensão pelos destinatários - desde logo, pelo Recorrente -, fazendo-o padecer da nulidade prevista nas alíneas a) - por referência ao n° 2 do artigo 374° - e c) do artigo 379° do Código de Processo Penal, implicando os vícios de que enferma insuficiência ou, mesmo, parcial falta de fundamentação, e omissão de pronúncia.

    5. Nunca foi pretendido pelo Recorrente que a acta contivesse o resumo da reprodução áudio magnética, mas sim a sua transcrição integral.

    6. O Recorrente fica sem saber se a douta opinião dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores a quo acerca do nosso processo penal vigente é a de que ele informa, neste particular, de nítidas características medievais e ditatoriais, dúvida que, persistindo, naturalmente o prejudica também na escolha dos termos do recurso ou recursos a interpor do douto Acórdão em causa.

    7. Quanto à decisão contida, referida, aflorada nos parágrafos 2° e 3° de página 22 do douto Acórdão, fica o Recorrente sem se perceber qual a decisão de que ali se tratar, se a mesma estará completa, se faltará alguma frase ou, talvez mesmo, alguma pagina, que o esclareça.

    8. O Recorrente também não consegue entender a que alegações os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores se referem.

      I. O afirmado a páginas 22, parágrafo 5°, e a páginas 33, parágrafos 3° e 4°, do Acórdão recorrido parece significar que o recurso foi julgado improcedente, quanto ao ali referido, porque na conclusão K da sua motivação de recurso o Recorrente não teria cumprido os normativos impostos pelo art. 412°, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal e porque a conclusão GG seria deficiente, porque estaria insuficientemente fundamentada a ilação, ali extraída pelo Recorrente, de que, pela interpretação dos artigos 50° e 70° do Código Penal seguida no douto Acórdão da primeira instância, se mostrava violado o princípio da presunção de inocência.

    9. Assim sendo, e tendo o Recurso sido julgado improcedente por essas razões (ou, pelo menos, nessas partes, também por essas razões) sem precedência de convite ao Recorrente para aperfeiçoar o seu Recurso ou as Conclusões da respectiva Motivação, o douto Acórdão mostra-se viciado de nulidade, violando o disposto no artigo 690° do Código de Processo Civil, e também a que decorre dos artigos 414°, n° 2, e 420° do Código de Processo Penal (na interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa que deles deve ser feita), normativos aqui aplicáveis nos termos do artigo 4° do Código de Processo Penal, por integração analógica e por maioria de razão.

    10. As normas do artigo 690° do Código de Processo Civil e dos artigos 414°, n° 2, e 420° do Código de Processo Penal, são aplicáveis não apenas aos casos de não admissão ou de rejeição de recursos, mas também aos casos de julgamento do recurso, impedindo que um recurso possa ser julgado improcedente por falta, deficiência, obscuridade ou complexidade das respectivas conclusões ou por omissão nelas de qualquer outro requisito legal, sem prévio convite ao recorrente para suprir tal falta ou tais vícios.

      L. O regime legal do julgamento dos recursos em processo penal, maxime o que resulta das normas conjugadas dos artigos 412°, 414°, 417°, n.º 3 e n.º 4, 418°, 419°, 420°, 421°, 423°, 424° e 425º do Código de Processo Penal e, bem assim, todas e cada uma dessas mesmas normas, sofreriam de inconstitucionalidade manifesta, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao recurso, consagrado no respectivo artigo 32° n.º 1, na acepção de que, face à nossa lei processual, um recurso penal pode ser julgado improcedente por falta, deficiência ou complexidade das respectivas conclusões ou por omissão de qualquer outro requisito legal, sem prévio convite ao recorrente para suprir tal falta ou reparar tais vícios.

    11. As declarações prestadas oralmente em audiência não poderiam deixar de estar documentadas na acta de audiência de discussão e julgamento, porque o tribunal dispôs efectivamente dos meios técnicos a tanto necessários e porque as mesmas foram efectivamente registadas em suporte áudio magnético.

    12. Tal falta prejudica seriamente a defesa do ora Recorrente, nomeadamente prejudicando o seu direito ao recurso, e constitui nulidade da acta, por violação do disposto nos artigos 363° e 364° n.ºs 1 e 3 e dos artigos 99° n.º 3 e 362° do Código de Processo Penal, e ainda por consubstanciar caso de falsidade da mesma, atento o valor que à acta é conferido pelo artigo 169° do mesmo diploma legal.

    13. A interpretação do disposto nos artigos citados, maxime nos artigos 363° e 364° n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, no sentido de tal documentação ser apenas necessária após a interposição do recurso, coloca tais normas em clara violação do direito ao recurso, consagrado no artigo 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, ferindo consequentemente tais normas de manifesta inconstitucionalidade.

    14. Do mesmo modo, e pelas mesmas razões - violação do direito ao recurso consagrado na norma antes indicada da Constituição da República Portuguesa -, são tais normas inconstitucionais na interpretação que delas é feita no Acórdão agora sob recurso, de que tal documentação não é necessária quando a prova estiver gravada e se mostrar transcrita, ainda que tal transcrição não conste da acta de julgamento (como, no caso em apreço, efectivamente não consta).

    15. A acta de julgamento é nula e a sua nulidade, atento o valor probatório da mesma, implica a nulidade do próprio julgamento e, por consequência, a nulidade da douta sentença final, sendo fundamento de recurso, nos termos do artigo 410° n.º 3 do Código de Processo Penal.

    16. Os factos alegados pelo ora Recorrente na sua Contestação e que se deixaram transcritos em 4.3 da Motivação precedente, demonstrativos do seu arrependimento, de que aquando dos factos pensava em se suicidar, de que havia comprado arma para tal, de que nunca anteriormente tinha agredido fisicamente a ofendida, de que agiu da forma por que o fez devido ao seu estado psicológico, alterado, doente e descontrolado, são factos relevantes para a decisão, nomeadamente, para a determinação da medida da pena, não podendo ser desqualificados como meramente instrumentais.

    17. O arrependimento é relevante para efeitos de determinação em concreto da medida da pena, como resulta das normas gerais do artigo 71° n.º 1 e n.º 2, alínea e) do Código Penal, e é, ainda, relevante para efeitos de atenuação especial da pena, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 72° do Código Penal, exactamente quando, como já se disse e resulta evidente e foi julgado provado neste caso, se verifica a reparação integral pelo agente dos danos causados.

    18. Não se referindo sequer a tais factos, o douto Acórdão da primeira instância padece de nulidade, nos termos das normas das alíneas a) e c) do artigo 379° do Código de Processo Penal, por violação do disposto no artigo 97°, n.º 4, e no artigo 374°, n.º 2, desse diploma, e no artigo 205°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

    19. O artigo 374°, n.º 2 do Código de Processo Penal é inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 205° da Constituição República Portuguesa, em qualquer uma das seguintes interpretações:

      a. na interpretação que permita que na sentença não constem como factos provados ou não provados, factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido alegados defesa na contestação;

      b. na interpretação que permita que se dispense a referência a tais factos reputando os mesmos de meramente...

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