Acórdão nº 356/06.1TACNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução06 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I.

Relatório.

1.1. Tramitado competente inquérito, o Ministério Público deduziu acusação, sob a aludida forma de processo comum singular, ut fls. 405 e segs., contra U... –; A...

; B...

e C...

, pessoas singulares estas todas entretanto já melhor identificadas nos autos, imputando-lhes a prática indiciária de factos consubstanciadores da co-autoria material, sob a forma continuada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 6.º e 107.º, n.º 1, por referência ao art.º 105.º, n.º 1, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho [vulgo doravante RGIT], bem como 30.º, n.º 1 e 79.º, n.º 1, estes ambos do Código Penal, advindo a responsabilização da arguida pessoa colectiva ademais do estatuído pelos art.ºs 7.º, do mesmo RGIT, e 11.º, do Código Penal.

1.2. Visando infirmar judicialmente tal acusação, requereram os mencionados arguidos a abertura da fase facultativa de instrução, sendo que no âmbito do respectivo debate invocaram dois deles (A... e António) a nulidade da acusação deduzida pois que não continha um facto essencial à perfeição do ilícito co-assacado, qual fosse a menção da notificação prevista nos art.ºs 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, a título pessoal. Com efeito, aduzem, nessa peça apenas é feita alusão relativamente à sua notificação na qualidade de legais representantes da arguida pessoa colectiva (fls. 608).

Dado sem efeito o RAI ofertado por esta arguida (cfr. despacho de fls. 510), e realizadas as diligências indispensáveis, foi prolatada decisão instrutória (fls. 617 e segs.) determinando a submissão a julgamento de todos os mencionados arguidos enquanto co-agentes do ilícito aludido, e concretamente ponderando daquela arguição nos moldes seguintes: «Compulsados os autos verificamos que todos os arguidos foram pessoalmente notificados para proceder ao pagamento da quantia de € 35.084,35, com a cominação expressa de que, não o fazendo, o respectivo procedimento criminal prosseguiria, tal como a própria sociedade arguida, conforme resulta de fls. 102, 157, 167 e 365 dos autos.

O facto de, na acusação proferida, se fazer (apenas) referência a que os arguidos foram notificados na qualidade de legais representantes da sociedade arguida, omite um facto que, na verdade, resulta já do próprio inquérito, e que é a circunstância de todos os arguidos terem sido notificados pessoalmente, nas suas próprias pessoas, para efectuar o referido pagamento, para além da própria sociedade.

Tal situação configura, em nosso entendimento, um mero e notório lapso omissivo, que, nos termos do disposto nos artigos 666.º, n.º 3, e 667.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, ambos aplicáveis ex vi do artigo 4.º do Código Processo Penal, pode ser rectificado, acrescentando-se à acusação o que já resulta dos próprios autos de inquérito, ou seja, que os arguidos requerentes da abertura de instrução, tal como a própria sociedade arguida, foram notificados nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, nas suas próprias pessoas.

Tal circunstância não fere de nulidade a acusação proferida, na medida em que se encontra perfeitamente explicitada a factualidade imputada aos ora arguidos, quer seja à arguida sociedade U..., quer seja aos arguidos A... B..., C..., representando apenas, e tão-só, um mero e óbvio lapso passível de ser rectificado.

Por todo o exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, julgo improcedente a invocada nulidade da acusação deduzida nos autos e determina-se a rectificação material da mesma nos seguintes termos: no único parágrafo constante de fls. 410, a seguir à enunciação «apesar dos arguidos A... e B..., a 16 de Fevereiro de 2007, bem como o arguido C..., a 7 de Julho de 2009, terem sido notificados», acrescentar a expressão «por si e enquanto legais representantes da sociedade arguida, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT», substituindo, desta forma, a expressão que ali se encontra nesse lugar.» 1.3. Segmento este da decisão instrutória alvo de arguição de irregularidade e nulidade nos termos expressos a fls. 663 e segs., pelo co-arguido A.... Irregularidade já que a “rectificação material” elencada se traduziu, assim, no aditamento à acusação da condição objectiva de punibilidade prevenida no art.º 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, relativamente aos arguidos pessoas singulares, da omissão de pagamento, no prazo de 30 dias, a contar da notificação para o efeito, quando na dita peça apenas se descrevia a notificação dos mesmos na mera qualidade de representantes da arguida. Nulidade porquanto a admitir-se tal “rectificação material” o que emerge então é uma alteração substancial dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 1.º, al. f); 303.º e 309.º, todos do Código de Processo Penal.

1.4. Invocação tida por improcedente através da fundamentação constante do despacho que sobre ela recaiu a fls. 686/9, e cujos termos reproduzimos: «Veio o arguido A... arguir, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal e, subsidiariamente, do artigo 309.º do Código de Processo Penal, a irregularidade e nulidade da decisão instrutória.” Alegou para o efeito, e em síntese, ter o despacho de pronúncia, na parte em que procede à rectificação material daquilo que considerou lapso de escrita, procedido, em seu entender, a uma alteração substancial dos factos descritos na acusação o que levaria, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.º, al. f), 303.º e 309.º do Código de Processo Penal, à sua nulidade. Contudo, acrescentou (de forma aparentemente contraditória) ser “a rectificação da acusação declarada pelo JIC irregular e desprovida de quaisquer efeitos, em conformidade com o artigo 123.º do Código de Processo Penal.” Dada vista para o efeito, considerou a Digna Magistrada do Ministério Público não padecer o despacho de pronúncia de qualquer nulidade. Que, a considerar-se a rectificação operada nos termos do disposto nos artigos 666.º, n.º 3 e 667.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, uma alteração dos factos descritos na acusação tal sempre consubstanciaria mera alteração não substancial dos mesmos, a qual, não sendo comunicada ao arguido nos termos do disposto no artigo 303.º do Código de Processo Penal, importaria uma mera irregularidade (que, ao abrigo do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, carecia de ter sido arguida no próprio acto da leitura da decisão instrutória, o que não foi feito).

Cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que, “Se dos actos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração não substancial dos factos descritas na acusação do Ministério Púbico ou do assistente… o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias”. No n.º 3 do mesmo preceito estatui o legislador que “Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de pronúncia no processo em curso.” Por seu lado, no n.º 1 do artigo 309.º do Código de Processo Penal pode ler-se que “A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritas na acusação do Ministério Público”, devendo, nos termos do seu n.º 2, tal nulidade ser arguida no prazo de oito dias contados da notificação da decisão.

Por último, nos termos do n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal, “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelo interessado no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.” Ora, de acordo com o disposto no artigo 1.º, al. f), do Código de Processo Penal entende-se por “alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”, sendo que o arguido A... entende que a decisão de pronúncia proferida procedeu a uma alteração substancial dos factos descritas na acusação.

Não sufragamos, de todo, tal entendimento.

No caso vertente, mantém-se e reafirma-se, que a rectificação operada no despacho de acusação configurou numa mera correcção de um lapso de escrita.

Com efeito, resulta por demais evidente ser o despacho de acusação perfeitamente claro e cognoscível nas imputações que faz aos arguidos, não padecendo o mesmo, repita-se, de qualquer nulidade. O arguido entendeu (e entendeu o tribunal) quais os concretos factos de que vinha acusado, não havendo, como invoca, qualquer prejuízo para a sua defesa, sendo para mais certo que dos próprios autos resulta evidente que as notificações a que aquele refere tiveram lugar, tendo todos os arguidos sido notificados não apenas na qualidade de legais representantes da sociedade arguida como também nas suas próprias pessoas, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT.

Com total pertinência para o caso vertente, veja-se a jurisprudência vertida no Acórdão da Relação do Porto de 6/10/2010, disponível em www.dgsi.pt, onde pode ler-se que: “A simples precisão, concretização ou esclarecimento de factos constantes da acusação não equivale, como é bom de ver, a uma qualquer alteração dos factos na medida em que nenhum facto se muda ou modifica, como não se introduz nenhum facto estranho.” Mas, mesmo a entender-se que estaríamos perante...

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