Acórdão nº 473/07 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução25 de Setembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 473/2007 Processo n.º 534/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. foi pronunciado como autor, em concurso real de infracções, de um crime de injúria agravado (através de escrito dirigido ao juiz denunciante, B.), previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, de um crime de denúncia caluniosa (através de participação apresentada ao Conselho Superior da Magistratura – CSM), previsto e punido pelo artigo 365.º, n.ºs 1 e 2, e de dois crimes de difamação agravados (um através da referida participação ao CSM e outro através de exposição dirigida ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados – CDLOA), previstos e punidos, cada um deles, pelos artigos 180.º e 184.º, todos do Código Penal (CP).

Submetido a julgamento, foi, por sentença de 26 de Abril de 2006 do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, absolvido do crime de injúria agravado e de um dos dois crimes de difamação agravado (o cometido através da participação endereçada ao CSM), e condenado, como autor do outro crime de difamação agravado (cometido através da exposição dirigida ao CDLOA), na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, como autor do crime de denúncia caluniosa, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

Apresentou então o arguido, em 27 de Abril de 2006, requerimento em que, além de requerer a confiança do processo a fim de elaborar a motivação do recurso quando à matéria de direito, igualmente solicitou, uma vez que o recurso que intentava interpor incidia também sobre a matéria de facto, que lhe fosse fornecida, nos termos dos artigos 101.º e 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP), “transcrição da gravação da prova testemunhal produzida na audiência final e respectivas actas de audiência de discussão e julgamento, incluindo as da anterior audiência anulada, suspendendo-se o prazo de recurso até fornecimento das mesmas”. Este requerimento foi subscrito por advogado então constituído pelo arguido, mas cuja intervenção como mandatário veio a ser considerada inadmissível, por despacho de 12 de Maio de 2006, uma vez que esse advogado interviera no julgamento na qualidade de testemunha. O arguido veio a constituir novo mandatário, que ratificou o processado.

Por despacho de 23 de Maio de 2006, foi: (i) indeferido o aludido requerimento na parte em que se pedia a suspensão do prazo de recurso até ao fornecimento da transcrição da gravação da prova testemunhal produzida em audiência; (ii) determinado o fornecimento de cópias das actas de audiência, nos termos requeridos; (iii) declarado suspenso o prazo de recurso desde o dia 27 de Abril de 2006 (data da entrada do referido requerimento) até ao dia seguinte ao da notificação ao arguido desse despacho, dia a partir do qual estavam disponíveis, na secretaria do Tribunal, as cassetes contendo a gravação da prova produzida em audiência de julgamento; e (iv) deferido o pedido de confiança do processo, pelo prazo de dez dias.

Em 2 de Junho de 2006, o arguido apresentou a motivação do seu recurso, que termina com a formulação das seguintes conclusões:

“1.ª A transcrição da prova produzida e gravada em audiência de julgamento deve ser fornecida ao arguido para este poder recorrer, sendo que a interpretação contrária dada ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP torna tal norma inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP.

2.ª O arguido não esteve representado de facto na audiência, conforme a própria defensora o referiu e demonstrou, pelo que houve violação dos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, constituindo tal nulidade, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP, sob pena de, ao não considerar-se assim, tornar as referidas normas inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 32.º, n.ºs 1, 2, in fine, e 3, da CRP.

3.ª Ao ser-lhe fornecido ao participante/testemunha factos constantes dos autos de inquérito, maxime de documentos que consubstanciavam a defesa do arguido no CDLOA e apresentados por este, tal viola o artigo 89.º, n.º 2, do CPP e artigo 195.º do CP, e porque, tal tendo sido feito, obriga a guardar segredo o participante, implica nulidade da acusação/pronúncia nessa parte, não podendo tal facto ser considerado até porque o eventual crime não estava consumado se não fosse a violação do segredo e a denúncia seria extemporânea.

4.ª O dispositivo da sentença deveria especificar os crimes reportando-os aos factos que os originaram, até devido à imperceptibilidade da acusação/pronúncia e da fundamentação da sentença, pois só assim se pode dar cabal cumprimento ao estatuído no artigo 374.º, n.º 2, alínea b), do CPP, conjugado com os princípios da clareza e percepção dos actos judiciais, sob pena de, a não ser assim, a sentença ser nula, por violação do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

5.ª A sentença deveria ter julgado os factos alegados nos pontos 3, 5, 6, 14, 16 e 18 da contestação, porque relevantes para a causa, pelo que tal omissão viola o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

6.ª Entre duas sessões da audiência de julgamento mediaram mais de 30 dias, pelo que foi violado o artigo 428.º, n.º 6, do CPP.

7.ª Se o julgamento não for nulo, a prova produzida na primeira sessão perdeu a sua eficácia, até porque incluída nos fundamentos da sentença.

8.ª Como tal prova foi feita no interesse do arguido, a sua perda de eficácia prejudica-o e, porque tal consta da motivação da sentença, implica ilegalidade desta por violação do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPP.

9.ª A não ser assim, haveria que renovar-se a prova, sob pena de interpretação contrária a dar ao artigo 428.º, n.º 6, do CPP, no sentido que a perda de eficácia da prova não conduz à ilegalidade da sentença e/ou à renovação da prova, tornar tal norma inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.

10.ª O despacho judicial não é meio idóneo para apresentar queixa crime e o envio de peças processuais de autos da OTM viola os artigos 168.º do CPC e 12.º do EMJ (até porque não se pediu autorização ao CSM), conforme se vê da conjugação destes normativos com toda a OTM e artigo 113.º e seguintes do CP e artigos 49.º e 242.º do CPP, ex vi artigo 188.º, n.º 1, alínea a), do CP.

11.ª A decisão instrutória é nula, pois não existe clareza na remissão dos factos e dos crimes imputados, pelo que interpretar no sentido contrário as normas dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, as torna inconstitucionais, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1, da CRP.

12.ª A consideração de fls. 14 da sentença, de que o arguido tinha consciência e vontade de cometer os crimes imputados, não tem qualquer suporte legal nos autos nem na prova produzida em audiência, mas antes pelo contrário, pelo que tais factos não se podem considerar provados, sob pena de violar-se o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.

13.ª O testemunho do Dr. B. foi mal apreciado, já que o mesmo foi considerado e provado documentalmente como parcialmente falso, pelo que se violou o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.

14.ª Não foram consideradas partes importantes dos depoimentos das testemunhas de defesa, pelo que se violou o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, com a consequente nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

15.ª Bem como as afirmações gratuitas de fls. 19/20 quanto à actuação do arguido, falsidade dos factos e intenção de prejudicar o participante, sem qualquer prova para tal, extravasa do artigo 127.º do CPP, havendo erro de julgamento e violação do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.

16.ª No que concerne ao crime de denúncia caluniosa, não é verdade e não tem suporte probatório que os factos constantes da participação ao CSM eram falsos e o arguido o sabia, pelo que se verifica novamente o estatuído no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.

17.ª E, sobre tal facto, porque a decisão não se manifestou sobre a alegada exclusão da ilicitude e/ou da culpa, temos pela violação do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

18.ª Quanto à exposição dirigida ao CDLOA, a afirmação de que o arguido teve a intenção de ofender também não tem qualquer suporte probatório, bem como tais factos, ao serem alegados em sede de direito de defesa (e o anterior de participação disciplinar), excluem a ilicitude e a culpa, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alíneas b) e c), 34.º e 36.º do CP e, porque a sentença não se manifestou sobre tal, que foi alegado, viola o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

19.ª A interpretação contrária dada ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP o torna inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH, além da violação do artigo 154.º, n.º 3, do CPC.

20.ª Além disso, o crime nunca poderia ser o de difamação, posto que a exposição dirigida ao CDLOA não foi dirigindo-se a terceiros, pois o CDLOA não pode ser terceiro (até porque não é pessoa singular).

21.ª Não apurou a sentença o dolo genérico, bem como os requisitos do artigo 180.º, n.º 2, do CP, pelo que existe nulidade por violação do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

22.ª Assim, caso não se absolva o arguido e/ou se revogue a decisão ora em crise, é de renovar-se toda a prova produzida em audiência, bem como a não produzida por «falta» da mandatária, ou o reenvio do processo (artigos 412.º, n.ºs 3 e 4, 426.º e 430.º do CPP).

23.ª Por fim, deverão os recursos retidos subir conjuntamente com o presente.”

Por acórdão de 13 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou “extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativamente ao crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º e 184.º do Código Penal, com as necessárias consequências, nomeadamente ao nível...

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