Acórdão nº 284/07 de Tribunal Constitucional, 08 de Maio de 2007

Data08 Maio 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 284/2007

Processo n.º 891/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

  1. A. e outros e B. e outros recorrem, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão proferido em 29 de Junho de 2004 no Supremo Tribunal de Justiça que confirmou, nos termos dos artigos 713º n.º 5 e 726º do Código de Processo Civil, o acórdão da Relação do Porto de 3 de Julho de 2003 que, em suma e na parte que aqui interessa reter, graduou em 2º lugar os créditos dos trabalhadores recorrentes.

    Sustentam a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao art. 751º do C. Civil (na redacção aplicável ao caso) conjugado com os artigos 12° n.º 1 alínea b) da Lei 17/86 de 14 de Junho e 4º da Lei n.º 96/2001 de 20 de Agosto, na interpretação segundo a qual na graduação de créditos, a hipoteca prevalece sobre o privilégio imobiliário geral que assiste aos créditos dos trabalhadores, sendo de excluir do artigo 751º do C. Civil os privilégios imobiliários gerais, ou seja, por considerar que naquela norma apenas se subsumem os privilégios imobiliários especiais (e já não o privilégio imobiliário geral de que gozam os trabalhadores ao abrigo do artigo 12°, n° 1, al. b) da Lei 17/86, de 14 de Junho), por violação, nomeadamente, do princípio da confiança ínsito no Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2° CRP (nomeadamente da confiança que os trabalhadores depositaram na Lei 17/86 e na prevalência do privilégio creditório que ali lhes era concedido ), bem como por violar e esvaziar de qualquer sentido útil – em casos como o dos autos – o direito à retribuição do trabalho, que o Tribunal Constitucional já expressamente considerou como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.

  2. Os recorrentes apresentaram as suas alegações, concluindo a A.

    I - A questão decidendi nestes autos consiste na vexata quaestio de saber se os créditos emergentes de um contrato de trabalho prevalecem (ou não) sobre créditos garantidos por hipoteca.

    II - Em causa está o balanceamento e o encontro do ponto de equilíbrio no conflito que se verifica entre dois direitos e princípios jurídico-constitucionalmente consagrados: o direito à retribuição do trabalho (que – é pacificamente aceite – se trata de um direito constitucionalmente consagrado, incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, essencial à dignificação e realização da pessoa humana, onde de resto, assenta a ideia de Estado de Direito Democrático e que este alto Tribunal já expressamente considerou um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cfr. Ac. n° 379/91 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 20, pp. 111 ss.) - e o princípio da protecção da confiança, da certeza e da segurança jurídicas (que derivam nomeadamente para um qualquer credor da constituição de uma hipoteca e das indicações registrais), ínsito num Estado de Direito Democrático.

    IV - Que aquele primeiro direito merece uma especial tutela é por todos aceite, o que bem se compreende, uma vez que os trabalhadores são essenciais em qualquer estrutura ou organização produtiva, sendo eles que, muitas vezes com abnegado esforço e sacrifício, asseguram o normal funcionamento da empresa.

    V - De resto, foi esta constatação que levou o legislador a consagrar uma especial tutela para os créditos dos trabalhadores, estabelecendo no artigo 12° da Lei n° 17/86, um privilégio geral imobiliário para os créditos laborais.

    VI - Sendo aqui que reside, de facto, a questão que hoje divide a jurisprudência, uma vez que, nos termos do artigo 751° CC – na sua redacção originária – os privilégios imobiliários prevalecem sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido constituída em data anterior.

    VII - Solução que, segundo alguns, poria em causa, de "forma intolerável" a segurança e certeza jurídicas que resultariam para o credor da constituição de uma garantia real como a hipoteca, violando-se, com isso, o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático.

    VIII - Não é, no entanto, assim, uma vez que se é verdade que a situação sub judice tem semelhanças com a situação que foi decidida por este Tribunal em dois acórdãos recentes (Acórdãos 362/2002 e 363/2002, in DR, I Série, de 16/10/2002) – onde se considerou inconstitucionais as normas que consagravam privilégios creditórios gerais imobiliários a favor do Fisco e da Segurança Social, na interpretação segundo a qual tais privilégios preferiam à hipoteca anteriormente registada – é igualmente verdade que a mesma tem também dissemelhanças (como doutamente se assinala no Acórdão deste Tribunal, Ac. n° 498/2003, Processo 317/2002, in DR, II Série, de 03/01/2004) que impõem uma solução diferente para o caso dos autos relativamente à que foi dada naqueles dois outros arestos.

    IX - Desde logo, ao contrário do que sucede com o Fisco e a Segurança Social – que nenhuma relação têm com os imóveis do devedor – os trabalhadores têm já uma ligação, por vezes de décadas, com os imóveis onde prestam o seu trabalho.

    X - Pelo que, como se reconhece no dito Acórdão, "parece poder concluir-se que, no caso, não é tão intensamente atingido o princípio da confiança, especialmente prosseguido pelo registo predial".

    XI - Até porque, como também se salienta no dito aresto, nos casos julgados pelos Acs. TC nºs 362/2002 e 363/2002, estavam em causa dívidas fiscais e à segurança social, o que implica, por força do princípio da confidencialidade tributária, a impossibilidade de os particulares previamente saberem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à segurança social.

    XII - Diferentemente, no que concerne aos créditos dos trabalhadores, trata-se de circunstâncias que são perfeitamente avaliáveis e cognoscíveis por parte credores e que devem ser por eles devidamente ponderadas.

    XIII - Pelo que não se pode dizer que os credores hipotecários são apanhados desprevenidos pelo privilégio creditório dos trabalhadores (não há, in casu, "ónus ocultos"), e que, portanto, com esse privilégio fica abalada – de forma intolerável! – a confiança que depositaram na garantia real que foi constituída a seu favor.

    XIV - Acresce que os trabalhadores não têm ao seu dispor os mesmos meios de que dispõe o Fisco e a Segurança Social para conseguir cobrar os seus créditos.

    XV - Sendo que muitas vezes, sobretudo no caso de falência/insolvência do empregador, a concessão daquele privilégio imobiliário geral é o único meio de assegurar e permitir a cobrança dos créditos laborais.

    XVI - De resto, outra solução que não a de atender ao privilégio imobiliário relativamente aos créditos laborais constituiria um intolerável beneficio concedido aos chamados credores fortes relativamente aos créditos dos trabalhadores (credores fracos) que, muitas vezes, deram o melhor da sua vida, ao longo de muitos anos de trabalho, em prol de uma empresa que ajudaram a construir e a engrandecer e que, depois, a final, não lhes retribuiria minimamente o esforço despendido (já que, como se reconhece no Ac. TC 498/2003, muitas vezes a única garantia dos credores reduz-se ao património imobiliário da empresa).

    XVII - Ou seja, ponderados os dois direitos jurídico-constitucionalmente tutelados, e feita uma análise do ponto de vista de um critério de proporcionalidade, tem inexoravelmente que se concluir - como se concluiu no Ac. TC 498/2003 - que o privilégio geral imobiliário concedido aos créditos laborais é conforme à Constituição,

    XVIII - Uma vez que, como se lê no referido aresto, "parece manifesto que a limitação à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será, eventualmente, o único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a «sobrevivência condigna»".

    XIX - Ou seja, é uma questão da mais elementar Justiça, e uma solução que se impõe em qualquer Estado de Direito...

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