Acórdão nº 362/02 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução17 de Setembro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 362/02

Processo nº 403/2002

Plenário

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, no Plenário

do Tribunal Constitucional:

  1. Nos termos do disposto nos artigos 281º, nº 3 da Constituição e 82º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional veio requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da "norma constante do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (e que integra, após a renumeração daquele Código, operada pelo Decreto-Lei nº 198/01, de 3 de Julho, sem qualquer alteração substancial de regime, o artigo 111º) quando interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil".

    Invocou, para o efeito, ter sido a mesma norma julgada inconstitucional, "por violação do artigo 2º da Constituição", pelos acórdãos nº 109/2002 (publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 2002), 128/2002 e 132/2002 (estes dois não publicados), e não implicar qualquer perda de interesse na sua apreciação a circunstância de ter entretanto sido inserida num preceito diverso do mesmo Código.

  2. Notificado para o efeito, nos termos previstos nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei nº 28/82, o Primeiro Ministro veio oferecer o merecimento dos autos e solicitar ao Tribunal Constitucional "que pondere a utilização da competência que lhe assiste, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 282º da Constituição, de limitar os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral".

    Em síntese, o Primeiro Ministro sustenta que a existência do privilégio "decorre da urgência do Estado em garantir e satisfazer necessidades básicas ligadas ao funcionamento e garantia do sistema fiscal (artigo 103º da Constituição); que está em causa "um dever jurídico fundamental", o de cumprir as obrigações fiscais; e que, "de momento", a norma que o prevê contém "a única garantia de que (...) dispõe o Estado de fazer cumprir e garantir os débitos tutelados, e através deles, o próprio equilíbrio e justiça do sistema fiscal".

    Existem portanto, em seu entender, "ponderosas razões de equidade e interesse público, que se prendem não apenas com a garantia do sistema fiscal e sua operacionalidade, mas também com uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza, um objectivo constitucional, que justificam e fundamentam a solicitação do Governo de limitação dos efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação da norma identificada nos autos, com efeitos a partir da data de publicação da decisão do Tribunal, com ressalva das situações litigiosas pendentes".

    Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 63º da Lei nº 28/82, foi apresentado, discutido e aprovado por maioria, em plenário, o memorando do Presidente do Tribunal.

    Cumpre agora decidir.

  3. A norma em apreciação, constante do artigo 104º (primitiva versão) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, e actualmente contida no artigo 111º do mesmo Código, na numeração resultante do Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, tem o seguinte conteúdo:

    "Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente."

    É assim concedido à Fazenda Pública, para garantia dos créditos de imposto em causa (e dos juros de mora relativos aos últimos dois anos, como resulta do disposto no artigo 734º do Código Civil), um direito real de garantia, dotado de sequela e de prevalência nos termos previstos no artigo 751º do Código Civil, que onera todos os imóveis existentes no património do devedor no momento da penhora (ou de acto equivalente).

    Como qualquer privilégio creditório, tal direito não está sujeito a registo (artigo 733º do Código Civil); e, tal como a generalidade dos privilégios creditórios imobiliários, em caso de penhora de imóvel então existente no património do devedor, importa para o beneficiário a faculdade de vir a ser pago com preferência sobre o credor que detenha uma hipoteca (é a interpretação agora relevante) sobre esse bem, ainda que registada anteriormente à constituição do crédito de imposto.

    Diferentemente da mesma generalidade dos privilégios imobiliários, não é um privilégio especial, pois onera todos os imóveis existentes no património do devedor naquele momento; e, também diferentemente...

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