Acórdão nº 277/07 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 277/2007

Processo n.º 113/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Nos autos de execução pendentes no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, em que são exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de … e executados A. e outros, no acto de abertura das propostas relativas à venda de prédio misto, propriedade de A. e de B., realizado em 21 de Setembro de 2005, após ter sido aceite, por despacho judicial, por ser a de valor mais elevado e superior ao valor anunciado para a venda, a proposta apresentada por C., L.da, no valor de € 481 350,00, foi perguntado às filhas do executado A., presentes ao acto, se pretendiam exercer o direito de remição, ao que D. respondeu afirmativamente, “declarando contudo que não tem condições para efectuar o depósito da totalidade de imediato, vindo preparada com um cheque visado no valor de € 51 840,00” (correspondente a 20% do valor base da venda – € 259 200,00), na sequência do que foi proferido o seguinte despacho:

“Uma vez que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 912.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março (aplicável a estes autos, uma vez que os mesmos deram entrada em juízo no dia 28 de Outubro de 2002), «o preço há-de ser depositado no momento da remição», considera-se, e face ao que foi declarado por D., não validamente exercido o direito de remição.”

A remidora interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, nas respectivas alegações, para além do mais, suscitado a questão da inconstitucionalidade, por violação do artigo 67.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), da redacção do artigo 912.º do Código de Processo Civil (CPC) anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003. Essas alegações terminam com a formulação das seguintes conclusões:

“1 – De acordo com o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, incumbe ao Estado proteger a família, promovendo a independência social e económica dos agregados familiares.

2 – No âmbito desta obrigação, está instituído o regime legal de remição de bens familiares nas vendas judiciais dos mesmos.

3 – O artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na versão anterior à redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, obrigava o remidor a depositar o preço no acto da remição.

4 – Esta obrigação não era exigida de nenhum dos concorrentes à compra do bem, ficando assim o remidor em situação de tal inferioridade que muitas vezes se tornava impossível o exercício dessa remição.

5 – Foi o que aconteceu no presente caso, em que a praça, através da abertura das propostas em carta fechada, marcada para as 14 horas, impossibilitou à remidora a hipótese de conseguir obter um cheque visado do valor do preço num banco e o depositar na Caixa Geral de Depósitos.

6 – Além disso, a dificuldade da remidora, no presente caso, aumentava ainda pela surpresa que foi a apresentação de um preço, que venceu a praça, muito superior ao valor da avaliação do bem, que constava nos autos.

7 – Por tudo isto, considera-se que a redacção do artigo 912.º, n.º 2, do CPC, anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofende o citado artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, já que tira por um lado as oportunidades que, de outro lado, se pretendem dar aos elementos da família.

8 – E na medida em que esse artigo 912.º deveria ter sido considerado inconstitucional pela Meritíssima Juíza, esta deveria considerar a nova redacção dos artigos 912.º e 913.º do CPC dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003 a aplicada ao caso.

9 – Esta nova redacção do CPC, que, no regime da remição, concede ao remidor os mesmos direitos quanto ao depósito do preço que concede aos demais concorrentes à praça é que deveria ter sido aplicada ao caso pela Meritíssima Juíza, pelo regime definido pelo artigo 13.º do Código Civil (leis interpretativas).

10 – Conforme se verifica pela acta respectiva, a ora recorrente apresentou-se na praça com um cheque visado no valor de 20% do valor base do bem como exigido pelo artigo 897.º do CPC (redacção actual), aplicável pelo artigo 913.º, n.º 2 (actual redacção).

11 – A Meritíssima Juíza deveria ter aceitado o depósito do cheque dos 20% e dar à remidora o prazo de 15 dias para fazer o depósito do restante do preço, como ordenam os normativos referidos na conclusão anterior.

12 – Não aceitando a remição oferecida nas condições citadas, a Meritíssima Juíza violou nomeadamente o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.

13 – A recorrente pediu que fosse dado ao recurso efeito suspensivo, uma vez que o prédio vendido é casa de morada de família e a entidade que venceu a praça é uma sociedade de materiais de construção, transportes e máquinas, que pode causar graves prejuízos à habitação se entrar na posse do prédio.

14 – O agravado não se pronunciou sobre esta alegação e pedido da recorrente, pelo que, nos termos do artigo 740.º, n.º 2, alínea d), e n.º 3, do CPC, deveria a Meritíssima Juíza ter atribuído o efeito suspensivo ao recurso e não efeito devolutivo, como ficou determinado.

15 – Deve assim revogar-se o douto despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal de Vila Franca de Xira, de não aceitação da remição, por ter violado o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição e dar-se como válido o exercício do direito de remição do bem vendido nos autos pela recorrente, ordenando-se que esta deposite o preço nos termos do artigo 897.º do CPC (redacção actual) e deve revogar-se também o douto despacho que atribuiu ao presente recurso efeito devolutivo, por ter violado o artigo 740.º, n.º 2, alínea d), e n.º 3, do CPC, devendo dar-se ao recurso o efeito suspensivo.”

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 19 de Outubro de 2006, negou provimento a esse recurso, com a seguinte fundamentação:

“Quanto ao exercício do direito de remição exercido pela recorrente:

A recorrente, Senhora D., com o objectivo de exercer o direito de remição, quanto ao imóvel em venda nos autos, apresentou, no termo da abertura das propostas, um cheque visado no montante de 20% do valor base do bem e informou simultaneamente o Tribunal que não possuía condições para efectuar o depósito imediato da totalidade do preço.

A sua pretensão foi indeferida, por o tribunal a quo não considerar válido o direito de remição exercido pela agravante, visto não ter a requerente cumprido o estipulado no artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que dispunha que o preço tinha de ser depositado no momento da remição.

Não se suscita dúvida de que ao caso sob recurso se aplica a lei na redacção antiga, uma vez que a presente acção deu entrada em juízo em 28 de Outubro de 2002 e, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38/2003, as alterações ao Código de Processo Civil só se aplicam relativamente aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.

De resto, nem a agravante parece colocar em causa este entendimento.

O que a agravante considera é que a redacção do artigo 912.º, n.º 2, do CPC, anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofende o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República, já que, em seu entender, tira por um lado as oportunidades que, de outro lado, se pretendem dar aos elementos da família e, deste modo, esse artigo deveria ter sido considerado inconstitucional e deveria considerar-se a nova redacção do artigo 912.º do CPC a aplicada ao caso, uma vez que esta nova redacção concede ao remidor os mesmos direitos quanto ao depósito do preço que concede aos demais concorrentes à praça.

Assim, diz a recorrente, a meritíssima Juíza deveria ter aceitado o depósito do cheque dos 20% e dar à remidora o prazo de 15 dias para fazer o depósito do restante do preço, como ordenam os normativos referidos, e, não aceitando a remição oferecida nas condições citadas, a meritíssima Juíza violou nomeadamente o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.

Ora, o preceito constitucional citado diz apenas que incumbe, designadamente, ao Estado, para protecção da família, «promover a independência social e económica dos agregados familiares».

Como se vê, trata-se de uma norma de natureza meramente programática dirigida ao Estado, erigindo em dever constitucional o de o mesmo Estado impulsionar a independência, social e económica, da família, obviamente mediante a criação de condições e incentivos que conduzam à realização de tal desiderato.

Contendo a norma tal cariz, não se vislumbra que o artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofenda a mesma norma e, por isso, se possa falar em relação ao mesmo de inconstitucionalidade.

É certo que a nova versão do citado artigo 912.º, n.º 2, do CPC, poderá constituir um aperfeiçoamento da lei, tornando-a mais justa e equitativa em relação à versão anterior, mas isso não é bastante para que não deva continuar a aplicar-se a lei antiga relativamente aos processos instaurados antes de 15 de Setembro de 2003.

Não está em causa no caso vertente o exercício do direito à remição, pois que à agravante estava facultado exercê-lo, exercício que apenas foi indeferido por não dispor aquela de meios necessários para preencher os pressupostos da remição, exigidos pelo artigo 912.º, n.º 2, do CPC, [na...

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