Acórdão nº 127/07 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 127/07

Processo n.º 794/06

  1. Secção

    Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I

    1. A., acusado pelo Ministério Público pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292º, n.º 1, e 294º, n.º 1, e de um crime de falsidade de declaração, previsto e punível pelo artigo 359º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, requereu a abertura da instrução, nos termos do artigo 287º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

      Sustentou então que o artigo 359º, n.º 2, do Código Penal e os artigos 61º, n.º 3, alínea b), 141º, n.º 3, 142º, n.º 2, e 144º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, são inconstitucionais, por violação do artigo 32º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição, “na medida em que postulam, ou se entenda que postulam, que o arguido é obrigado a prestar declarações com verdade sobre os seus antecedentes criminais sob pena de incorrer na prática de um crime” (fls. 3 e seguintes).

    2. Por decisão instrutória de 6 de Fevereiro de 2006 do juiz do Tribunal Judicial de Leiria, foi o arguido pronunciado pelos factos constantes da acusação. Lê-se nessa decisão, entre o mais, que “não se vislumbra que a interpretação conjugada dos art.ºs 141º, n.º 3 e 144º, n.º 1 e n.º 2 [do Código de Processo Penal] viole os preceitos constitucionais referidos nos art.ºs 2º e 29º, 32º, n.º 2 da CRP e no art.º 11º, n.º 2, 1ª parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem” (fls. 10 e seguintes).

    3. Desta decisão instrutória recorreu A. para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 25), tendo na motivação respectiva concluído do seguinte modo (fls. 26 e seguintes):

      “1ª – Vem o presente recurso interposto da parte da decisão instrutória, que desatendeu as questões prévias arguidas no requerimento de abertura da instrução a saber:

      1. Se não é necessário cumprir todos os requisitos do art.º 141º n.º 3 do Código de Processo Penal, quando o arguido preste declarações ao abrigo do art.º 144º do mesmo diploma para que se ache cometido o crime de falsidade de declaração;

      2. Se a interpretação dos art.ºs 141º n.º 3 e 144º n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, no sentido de que é obrigatório para o arguido falar com verdade relativamente aos seus antecedentes criminais é inconstitucional por violação dos princípios da tipicidade da Lei penal e do acusatório;

      3. Se a interpretação que se extraia do art.º 359º n.ºs 1 e 2 do Código Penal e do art.º 144º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal é inconstitucional quando se exija que o arguido fale com verdade sobre os seus antecedentes criminais em qualquer interrogatório efectuado perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal, por violação dos princípios do Estado de Direito da legalidade ou tipicidade da Lei Penal;

      4. Se a interpretação do art.º 359º n.º 2 do Código Penal e os art.s 61º n.º 3 e al. b), 141º n.º 3, 142º n.º 2 e 144º n.º 1 do Código de Processo Penal, no sentido de que o arguido está obrigado a prestar declarações com verdade sobre os seus antecedentes criminais sob pena de incorrer na prática de um crime de falsidade de declaração é inconstitucional.

  2. – As questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução e agora submetidas a apreciação deste Tribunal são prévias, admitindo assim recurso, porquanto, a serem procedentes obstam à apreciação do mérito da causa, e não estão dependentes de produção de qualquer meio de prova que deva ser produzido em audiência de julgamento.

  3. – Entende o recorrente que, para que estejam preenchidos os requisitos legais de que depende a punição pelo crime de falsidade de declaração, o arguido tem de prestar declarações falsas; relativamente a factos sobre os quais deve depor e tem de ser previamente advertido das consequências penais a que se expõe se prestar falsas declarações e quando para tal esteja obrigado.

  4. – Só se poderá exigir ao arguido que fale com verdade sobre os seus antecedentes criminais quando este esteja perante o Juiz de Instrução no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e seguindo o ritualismo desse interrogatório, nos termos do disposto no art.º 141º n.º 3 do Código de Processo Penal, onde se diz que ao arguido é perguntado «(…) se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes (...)», devendo ainda ser advertido que «(...) a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal», razões pelas quais o arguido só poderá ser punido pelo crime de falsas declarações se todas aquelas perguntas previstas nesse artigo lhe foram feitas e também quando a cominação com procedimento criminal lhe haja sido dirigida.

  5. – Ainda que se admitisse o entendimento do Tribunal recorrido no sentido de que ao interrogatório do arguido nos termos do disposto no artº 144º do Código de Processo Penal, se devem aplicar as regras do artº l4lº n.º 3 do mesmo Código, tais regras hão-de ser aplicadas in totum, apesar de o serem com as devidas adaptações, porquanto, apenas se exclui expressamente nos interrogatórios perante o MP – cfr. artº 143º n.º 2 do Código de Processo Penal – a obrigatoriedade de assistência de defensor, pelo que para que se encontrem preenchidos os requisitos de que depende a punição teriam de ser cumpridos os demais requisitos previstos no artº 141º n.º 3 do Código de Processo Penal.

  6. – Entende o recorrente que ou se defende a aplicabilidade do art.º 141º n.º 3 do Código de Processo Penal, por inteiro no âmbito dos interrogatórios previstos no artº 144º do mesmo Código, à excepção da obrigatoriedade de presença do defensor, ou então, não faz qualquer sentido aplicar-se esse artigo apenas parcialmente, porquanto a tal se opõe o espírito e a letra da norma.

  7. – O interrogatório do arguido nos presentes autos enquadra-se no disposto no art.º 144º do Código de Processo Penal, pelo que não estando aí expressamente prevista a obrigatoriedade de o arguido responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, este não comete qualquer crime se não responder com verdade a tal questão, porquanto esta conduta só poderá ser criminalmente relevante se constar expressamente e de forma clara em Lei anterior, sem que exista a possibilidade de recurso à analogia e tendo em conta que existem fortíssimas restrições à interpretação extensiva para que se possa censurar alguém criminalmente de acordo com os princípios da legalidade e tipicidade.

  8. – O entendimento do recorrente encontra acolhimento no art.º 1º do Código Penal, onde se encontram plasmados os princípios Constitucionais insítos no art.º 29º n.º 1 da Constituição, não podendo sancionar-se criminalmente alguém sem que o seja com base em Lei anterior que seja clara e precisa quanto à incriminação.

  9. – A conduta do recorrente aquando da prestação de declarações perante a P.S.P. de Guimarães não pode ser punível, porquanto se assim se considerasse estar-se-ia a violar o princípio penal da tipicidade, na medida em que o art.º 144º do Código de Processo Penal, não consagra expressamente que o arguido é obrigado a responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais.

  10. – Como corolário do princípio da legalidade e da tipicidade, a lei penal deve descrever pormenorizadamente todo o seu alcance, exigindo-se ainda, para prevenir as condutas lesivas dos bens juridico-penais e igualmente de garantir o cidadão contra a arbitrariedade judicial, que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime.

  11. – Não pode o recorrente ser condenado por norma que utilize cláusulas gerais na definição do crime, violando-se o imperativo de reduzir ao mínimo possível o recurso a conceitos indeterminados, ou ser condenado por norma penal que remeta para uma outra que utilize tais conceitos.

  12. – Daqui se conclui que na medida em que o artº 144º n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal faz uma remissão geral para o capítulo no qual está inserido, obedecendo os interrogatórios aí previstos, «em tudo quanto for aplicável», às disposições desse mesmo capítulo II, do título II, Livro III do Código de Processo Penal, e na medida em que se entenda que aí se enquadra a obrigatoriedade de responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de se incorrer no crime previsto no artº 359º n.º 2 do Código Penal, tal interpretação é inconstitucional por violação do artº 29º n.º 1 da Constituição, porquanto os preceitos em questão não definem com exactidão quais as regras a que obedecem os interrogatórios aí previstos, não se alcançando sequer o que se quer dizer com o trecho «em tudo quanto for aplicável».

  13. – Assim, a interpretação que se extraia do disposto no art.º 359º n.º 1 e 2 do Código Penal e dos art.ºs 141º n.º 3 e 144º n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal no sentido de que o arguido tem que responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais em qualquer interrogatório efectuado perante o Ministério Público ou perante órgãos de Polícia Criminal ainda que não esteja detido, sob pena de cometer um crime de falsas declarações, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, do Estado de Direito, da tipicidade da lei penal e das garantias de defesa previstos nos art.ºs 2º, 18º n.º 2, 29º n.º 1 e 32º n.º 1 da Constituição e no art.º 11º n.º 2, 1ª parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem (neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Abril de 2005, publicado in col. Jur. Ano XXX, tomo II, pág. 222 […]).

  14. – Estipula o artº 144º n.º 1 do Código de Processo Penal que os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo M.P e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo, mas quer na instrução quer no julgamento o arguido não é obrigado a responder com verdade à matéria dos seus antecedentes...

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