Acórdão nº 661/08.2TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido J...

, solteiro, trabalhador rural, natural de CH..., Chamusca, nascido em 24 de Agosto de 1965, residente no Bairro …, em Albergaria dos Doze, acusado da prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.

* 2.

Por sentença de 2 de Março de 2009, o tribunal julgou totalmente improcedente a acusação e, em consequência, absolveu o arguido da prática de ambos os crimes.

* 3.

Inconformado com a decisão, na parte relativa à absolvição do arguido pela prática do crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2, do CP, dela recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Na douta sentença proferida, o M.mo Juiz absolveu o arguido do crime de falsidade de declaração quanto aos antecedentes criminais, p. e p. pelo art. 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por entender que o mesmo, quando interrogado em inquérito, nos termos do art. 144.º do CPP, e pese embora prestar falsas declarações sobre os seus antecedentes criminais, não incorre, apesar de devidamente advertido, na prática de um crime de falsidade de declaração.

  1. - Tal questão foi já objecto de apreciação no acórdão de fixação de jurisprudência n.° 9/2007, de 14/03, onde foi firmada jurisprudência no seguinte sentido: “O arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado, nos termos do artigo 144.º do Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais incorre na prática de crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal”.

  2. - Mais recentemente, o STJ reafirmou tal entendimento (Ac. de 13/12/2007, P.º 07P4377).

  3. - Acresce que o Tribunal Constitucional vem igualmente afirmando a constitucionalidade de tal norma e entendimento (Ac. TC n.º 127/07, de 24/02/2007).

  4. - O artigo 445.°, n.º 3, do CPP, estabelece que a decisão que fixar jurisprudência não é obrigatória para os tribunais judiciais, porém, o mesmo preceito estabelece um específico dever de fundamentação quando divergir do entendimento sufragado pelo STJ.

  5. - No caso, na sentença em apreciação não se encontra o menor argumento novo, não apreciado no referido acórdão fixador.

  6. - Diz a lei que recai em especial sobre o arguido o dever de responder com verdade às perguntas feitas pela entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais.

  7. - O crime de falsidade de declaração do arguido, quanto aos seus antecedentes criminais, é um crime contra a realização da justiça, como função do Estado.

  8. - O art.144.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estatui que os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo.

  9. - Face à remissão do n.º 1 do art. 144.°, do Código de Processo Penal, também no interrogatório de arguido em liberdade existe a obrigação deste dizer com verdade se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes.

  10. - Tal interpretação resulta do próprio facto da punição não ser afastada, mesmo que a acção não tenha tido consequências prejudiciais para as decisões interlocutórias ou finais a respeito produzidas e que dela não tenham resultado prejuízos para terceiro, sem a “retractação” formal do respectivo autor, conforme resulta do artigo 362.° do Código Penal.

  11. - É certo que o conhecimento dos antecedentes criminais do arguido detido, preso ou em liberdade durante o interrogatório, pelo menos em fase anterior à do julgamento, apresenta vantagens para a realização da justiça, por conceder informação relevante, necessária para a decisão sobre a aplicação de medidas coactivas. Mas não só.

  12. - Não sendo exacto que a possibilidade actualmente existente (graças às modernas tecnologias) de pronto conhecimento pelos serviços de justiça do conteúdo do certificado do registo criminal de um arguido corresponda (como vem pressuposto na douta decisão recorrida) à de efectiva demonstração dos (de todos) os antecedentes criminais do mesmo, e não apenas à dos no momento já constantes daquele registo criminal, que não é actualizado imediatamente na data da verificação dos factos a ele sujeitos, conforme todos nós operadores da justiça sabemos e constatamos diariamente, face aos atrasos no cumprimento dos processos (é a realidade).

  13. - Por outro lado, o arguido está obrigado a responder não só quanto às condenações sofridas, como também relativamente ao facto de ter já estado preso, incluindo-se a prisão preventiva, a qual não é sujeita a registo, não havendo o acesso a tal informação através das ditas “modernas tecnologias”.

  14. - Por outro lado, não decorre a necessidade processual do conhecimento e análise dos efectivos antecedentes criminais do arguido apenas ou principalmente do facto de os mesmos poderem relevar significativamente para as decisões a tomar relativamente à respectiva situação processual e às medidas de coacção que lhe devam ser aplicadas, designadamente numa situação de detenção (em que a urgência de uma decisão decorre da situação de privação da liberdade do arguido), mas também, nesse aspecto, decorre antes a necessidade do conhecimento e análise dos efectivos antecedentes criminais do arguido com carácter pronto, célere ou urgente pelas autoridades judiciárias a quem em inquérito incumbe suscitar a tomada ou tomar uma decisão a respeito, da urgência (independentemente de qualquer situação de detenção do arguido) com que se façam sentir em qualquer momento processual as exigências processuais de natureza cautelar a que se refere o número 1 dos artigos 191.° e 193.° do Código de Processo Penal, tanto por ocasião dos interrogatórios a que se referem os artigos 141.° e 143.° daquele diploma como em qualquer outra fase processual.

  15. - A sentença em apreciação, ao absolver o arguido do crime de falsidade de declaração quanto aos seus antecedentes criminais, violou as normas previstas nos artigos 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e 61.º, n.º 3, a), 141.°, n.º 3, 143.°, n.º 2, e 144.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

  16. - Deve, pois, ser revogada a sentença proferida e ser substituída por outra que condene o arguido pelo...

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