Acórdão nº 07P3227 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução10 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo de Torres Novas decidiu absolver o arguido AA da prática como autor material de um crime de subtracção de menor do art. 249.º, n.º 1 al. c) do C. Penal, mas condená-lo como autor material de um crime de sequestro do art. 158.º n.ºs 1 e 2 als. a) e e) do C. Penal, na pena de 6 anos de prisão e condená-lo no pagamento ao assistente da quantia de € 30.000 acrescida dos juros moratórios legais vencidos desde a notificação para contestação acrescida ainda da quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença devida por danos não patrimoniais ocorridos até à entrega efectiva da menor; bem como na quantia também a apurar em sede de liquidação de sentença devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais causados à menor CC contados até à sua cessação.

    Dessa decisão recorreram para a Relação de Coimbra, o Ministério Público, sustentando a diminuição da pena para 4 anos de prisão e o arguido impugnando a matéria de facto apurada, a fundamentação da decisão e a condenação pelo crime referido.

    Aquele Tribunal Superior (proc. n.º n.º 317/04.5TATNV.C1) concedeu parcial provimento aos recursos e decidiu manter a decisão recorrida na parte em que condena o arguido como autor material do crime de sequestro dos art.º 158º, n.ºs 1 e 2, als. a) e e)do C. Penal mas reduzindo a pena a 3 anos de prisão, suspensa por 5 anos na sua execução, com as condições de o arguido apresentar a menor aos pedopsiquiatras e aos técnicos do IRS que acompanham o processo, no prazo a fixar por estes, com vista a que estes técnicos promovam a explicação à menor acerca da sua real identidade e a dos seus progenitores, facto a ser certificado pelo IRS, que juntará, ao processo, relatório; apresentar a menor nos tribunais ou noutro local que o juiz competente ordene e sempre que seja exigido a sua presença; cumprir todas as decisões que envolvam a menor que sejam tomadas no tribunal que regula o exercício do poder paternal, tudo isto acompanhado e sob controlo do IRS.

    No mais foi mantida a sentença recorrida, designadamente quanto à condenação em indemnização.

    Inconformados, recorrem o arguido e o Ministério Público.

    O arguido suscita as seguintes questões: (i) erro notório na apreciação da prova (conclusão 1.ª); (ii) oposição entre os factos provados (conclusão 2.ª); (iii) nulidade do acórdão (conclusões 3.ª e 11.ª); (iv) inconstitucionalidade da interpretação feita da norma do n.º 1 do art. 343.º do CPP (conclusão 4.ª); (v) verificação do crime de sequestro (conclusões 5.ª a 20.ª); (vi) conflito de deveres (conclusão 21.ª); (vii) erro sobre a ilicitude (conclusões 22.ª e 23.ª); (viii) dolo (conclusões 24.ª e 25.ª); (ix) atenuação especial da pena (conclusão 26.ª); (x) medida concreta da pena (conclusões 27.ª a 29.ª) e (xi) condenação na indemnização civil (conclusões 30.ª a 32.ª) O assistente BB respondeu concluindo que não ocorreu qualquer nulidade, que foi cometido o crime de sequestro agravado, e que deve manter-se na íntegra o acórdão recorrido.

    Na sua resposta, o Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluiu que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e, sem prejuízo do entendimento assumido no seu recurso e ser confirmado, quanto ao mais, o douto acórdão recorrido.

    Por sua vez, o Ministério Público pôs em causa, na motivação do seu recurso, a questão do objectivo fixado pelo Tribunal a quo para o dever de apresentação da menor imposto ao arguido.

    Distribuídos os autos neste Tribunal, teve vista o Ministério Público que, sem prejuízo de alegações orais, antecipou, no que respeita ao recurso do Ministério Público e pelos fundamentos dele constantes, que entende merecer o mesmo provimento, por não poder subsistir a condição de suspensão da execução da pena por duas razões: ao condicionar a suspensão à actividade de terceiros (pedopsiquiatras e IRS), impõe uma regra de conduta que não está na disponibilidade do condenado; caso se entenda que este segmento é uma ordem dirigida exclusivamente aos pedopsiquiatras e IRS, certo é, como consta da motivação do recurso, que a mesma pode colidir com a actividade que lhes for determinada na sede própria para defesa dos interesses da menor (regulação do poder paternal).

    Quanto ao recurso do arguido, acompanhou a resposta do Ministério Público na Relação (fls. 2299-2306), aditando que o pretendido reexame da matéria de facto, mormente a verificação dos vícios do art.º 410, n.ºs 1 e 2 do CPP, apreciados pela Relação, escapa aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.

    Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP e juntos documentos respeitantes à regulação de poder paternal.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência.

    Cumpre, pois, conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    As primeiras questões suscitadas pelo arguido prendem-se com a crítica da decisão tomada pelas instâncias quanto à questão de facto.

    2.1.1.

    Erro notório na apreciação da prova e oposição entre os factos provados Sustenta o recorrente que se verificou erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal a quo, que considerou não provados os factos alegados nos art.ºs 6°, 9°, 10º, 14°, 17°, 22° e 23° da contestação, que resulta da própria fundamentação do acórdão recorrido, que pressupõe a prova de tais factos e que o art. 410.º 2 c) do CPP permite que este Supremo Tribunal de Justiça conheça desse erro notório (conclusão 1).

    E alega que se verifica oposição entre os factos provados em 3. 2, 5. 68, 69, 70, 72, 76, 77, 78, 79, 80 e 81 e o provado em 34 (conclusão 2).

    É jurisprudência constante e pacífica deste Tribunal (cfr. v.g., o AcSTJ de 08/02/2007, proc. n.º 159/07-5, www.stj.pt) que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação.

    Mesmo em relação às decisões na al. d) do art. 432.º o âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal é fixado na própria alínea e não no art. 434.º do CPP, o que significa, que, mesmo relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.

    Nos recursos interpostos da 1.ª Instância, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, que, nos termos do art. 428.º, n.º 1 conhece de facto e de direito, e o recorrente já se dirigiu à Relação.

    Com efeito, e como este Tribunal tem insistentemente proclamado, em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação» (art. 427.º do CPP). E só excepcionalmente - em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» - é que é possível recorrer directamente para o STJ (art.ºs 432.º, d), e 434.º).

    Ora, como resulta do exposto, o presente recurso - proveniente da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) - visa, no ponto em causa, fundamentalmente, o reexame de matéria de facto e não exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art.º 434.º do CPP) que, no caso do Supremo Tribunal de Justiça exige a prévia definição (pela Relação, se chamada a intervir) dos factos provados.

    E, no caso, a Relação - avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso - manteve-os, definitivamente, no rol dos «factos provados».

    De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do PP, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).

    Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido - em caso de prévio recurso para a Relação - quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.ºs 427.º e 428.º n.º 1).

    Hoje, pretendendo-se impugnar um acórdão final do tribunal colectivo: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º).

    Só que, nesta hipótese, o recurso - agora, puramente, de revista - terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.

    O que significa que está fora do âmbito legal do actual recurso a reapreciação da matéria de facto, mesmo com base em vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi...

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