Acórdão nº 07P1779 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução03 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No processo comum nº 239/04, do 2º Juízo de Águeda, foi aplicada ao arguido AA a medida de segurança de internamento, em consequência de ter praticado factos integráveis nos elementos objectivos do crime de incêndio p. no artigo 272º, nº 1 do Código Penal.

O tribunal decidiu que o internamento seria efectivo «durante a época normal dos fogos», sendo a execução suspensa, com sujeição a tratamento, exames e observações determinadas pelo IRS durante o restante período do ano.

  1. O arguido recorreu para o tribunal da Relação, que confirmou integralmente o acórdão recorrido.

  2. Não se conformando, o arguido recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos na motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões: Primeira O Acórdão proferido pela lª Instância limita-se a elencar os factos provado e não provados (identificando-os pelos números e/ ou letras correspondentes) e, à frente cada um dos grupos, referir quais os meios de prova que permitiram que os mesmos fossem dados como provados.

    Segunda Para decidir da matéria de facto tal como o fez, o Acórdão proferido pela lª Instância limitou-se a identificar quais os meios de prova em que se baseou, não referindo, sequer em resumo (para não dizer telegraficamente), o que disseram os depoentes em sede de audiência de discussão e julgamento.

    Terceira O Acórdão proferido pela lª Instância não toma qualquer tipo de posição relativamente aos depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento (e que foram muitos), e que conduziriam a uma decisão diametralmente oposta no que concerne àqueles factos dados como provados e/ou como não provados.

    Quarta Não há qualquer crítica aos depoimentos e meios de prova fundamentação, nem é referido o porquê de estes terem sido valorados e sede probatória, nem em que medida é que o foram, não referindo o Acórdão proferido pela lª Instância porque é que apenas valorou os depoimentos das testemunhas de acusação exacta medida em que eram desfavoráveis ao arguido, fazendo tábua rasa de todo o demais.

    Quinta Assim sendo, o Acórdão proferido pela lª Instância não realizou um verdadeiro concreto e incisivo exame crítico das provas produzidas em julgamento, violando, assim, o preceituado no artigo 374°, nº 2, do C.P.Penal, encontrando-se, por isso, ferido de nulidade, nos termos do artigo 379°, nº 1, alínea a), do C.P.Penal.

    Sexta Ao julgar improcedente a invocada nulidade do Acórdão proferido pela lª Instância, viola o Acórdão recorrido o já citado artigo 374°, n° 2 do Código de Processo Penal, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituído por outro a emanar de e que decrete a nulidade daquele primeiro Acórdão, por falta de um verdadeiro exame crítico das provas, tal como exige o artigo 374°, n°.2, do Código de Processo Penal, nulidade essa cominada no artigo 379°, nº l, alínea a), do mesmo Código Sétima Incorre o Acórdão proferido pela 1ª Instância nos vícios de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova (vide artigo 410°, nº 2, b) e c), do C.P.Penal), uma vez que (entre outros motivos profusamente dissecados na fundamentação do presente Recurso - que aqui se dá por reproduzida, para os devidos legais efeitos) deu como provados e como não provados exactamente os mesmos factos e/ou deu como provados factos intrinsecamente incompatíveis entre si.

    Oitava O Tribunal a quo confirmou esses mesmos factos.

    Nona Ao decidir pela não verificação no Acórdão proferido em lª Instância dos vícios acima referidos na sétima conclusão, o Tribunal a quo violou igualmente o disposto no artigo 410°, n° 2, alíneas b) e c), do C. P. Penal.

    Décima Tais vícios, a terem-se por verificados, implicam o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426°, do C.P.Penal.

    Décima-Primeira Assim, e nos termos do artigo 4260, do C.P.Penal, deverá o processo ser reeviado para novo julgamento.

    Décima-Segunda Violou, ainda, o Acórdão recorrido o artigo 91º, do Código Penal, assim como os princípios da necessidade, adequação, da proporcional idade e o princípio da menor intervenção possível.

    Décima-Terceira Na verdade, baseou-se o Acórdão recorrido para confirmar a medida de internamento do arguido decretada pela lª Instância em presunções de carácter genérico abstracto e meramente académico, quando todos os elementos concretos apontam no sentido da não perigosidade do arguido.

    Décima-Quarta Ademais, e de acordo com todos os elementos probatórios constantes dos autos, em especial, os depoimentos das testemunhas de acusação, assim como do elenco com dos factos dados como provados, para além de não se poder concluir pela perigosidade do arguido, terá, necessariamente que se concluir que a sua libertação em nada se incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

    Décima-Quinta Destarte, deverá a medida de internamento imposta ao arguido ser revogada com todas as devidas e legais consequências.

    Décima-Sexta Mesmo que assim não se entenda, e em face de tudo o alegado na motivação do presente Recurso, sempre se considerará ter o Acórdão recorrido, ao não suspender, sem mais, a medida de internamento imposta ao arguido, violado o artigo 98°, do Código Penal.

    Décima-Sétima De facto, a pretendida suspensão (ainda que acompanhada de tratamento e de cura ambulatórios e demais regras de conduta tidas por necessárias) realiza de forma cabal as finalidades do internamento e é absolutamente compatível, no caso concreto , com a defesa da ordem jurídica e com a paz social, potenciando, ainda (e ao contrário fará a reclusão do arguido em estabelecimento de segurança), a cura do arguido.

    Décima-Oitava A pretendida suspensão é, assim, perfeitamente adequada e proporcional, respeitando, ainda, os princípios da necessidade e da menor intervenção possível.

    Pede, em consequência, o provimento do recurso.

    O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu á motivação, considerando que o recurso não merece provimento.

  3. No Supremo Tribunal, O Exmº Procurador-Geral Adjunto teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, pronunciando-se no sentido de que a invocação de nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação é manifestamente improcedente, e que as questões suscitadas relativas a vícios das alíneas b) e c) do artigo 410º, nº 2 do CPP estão definitivamente resolvidas pela Relação, não cabendo nos poderes de cognição do Supremo Tribunal.

  4. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo decidir.

  5. As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1) No dia 14/7/2004, pouco antes das 16h, o arguido dirigiu-se à estrada marginal que liga o Vale da Vergada ao Lavadouro do Muro, lugar dos Covos, freguesia de Fermentelos, que é ladeada por uma área arborizada de pinheiros e eucaliptos.

    2) Chegado a esse local, o arguido munido de uma caixa de fósforos acendeu alguns deles e lançou fogo à vegetação aí existente.

    3) Dado que a temperatura do ar se situava entre 250C e 300C, o fogo propagou-se a vários terrenos onde se encontravam plantados pinheiros e eucaliptos, tendo consumido uma área total arborizada de cerca de 7.000 m2 , causado um prejuízo aos proprietários de tais terrenos de cerca de €1600.

    4) Na proximidade da área arborizada encontram-se edificadas diversas habitações, onde residiam várias famílias.

    5) A fim de combater o fogo, os Bombeiros Voluntários de Águeda fizeram deslocar para o local três viaturas e dez elementos desse corpo, tendo logrado circunscrever o fogo cerca das 18h30 e extingui-lo cerca das 19h35.

    6) Não fora tal intervenção por parte dos Bombeiros, o fogo poderia ter-se alastrado a outros terrenos vizinhos, bem como às habitações que ficavam próximas da área atingida.

    7) O arguido bem sabia que ao acender fósforos e ao lançar fogo a uma área coberta de vegetação e localizada próximo de habitações criava perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado e para a vida e integridade física das pessoas que residiam no local, resultado este que o arguido previu como possível e com o qual se conformou.

    8) O arguido agiu de forma livre.

    9) O arguido tem um quociente de inteligência verbal de 50 e um quociente de inteligência de realização de 42 na Escala de Inteligência de Weschler (WAIS) para adultos. Tais valores correspondem a um quociente de inteligência, na escala completa, de 43 ( uma deficiência mental moderada).

    10) Dada a deficiência mental de que padece, o...

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