Acórdão nº 632/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução05 de Junho de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

*Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1.

RELATÓRIO Nos autos com o nº…., foi em 13.11.2006 proferida pela Exma. Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de …a decisão instrutória, constante de fls.295 e segs., de não pronúncia do arguido A. …, melhor id.a fls.174, pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência p.e p.pelo art.148º, nº.1, do Código Penal (doravante designado por CP).

Inconformada com tal não pronúncia, veio a assistente, B. …, melhor id.a fls.142, interpor recurso, aduzindo como conclusões: 1. A Decisão Instrutória proferido pelo MM.º Juiz de Instrução Criminal contraria a prova produzida e constante dos autos, violando as disposições legais constantes dos artigos 10°, 15° e 148°, n.º 1 e 3 do Código Penal e 410°, n.º 2 al b) do Código de Processo Penal; 2. Errou o Tribunal "a quo" ao considerar como insuficientemente, indiciado o embate entre os veículos intervenientes no acidente de viação dos presentes autos; 3. O MM.ºJuiz de Instrução Criminal não valorou correctamente a prova documental constante dos autos, designadamente a Participação de Acidente de Víação, bem como as declarações prestadas pela ora Recorrente e pela testemunha L…; 4. Mostra-se suficientemente indiciado o embate entre os dois veículos intervenientes no acidente dos presentes autos; 5. O Arguido/Recorriido violou um dever objectivo de cuidado e fê-lo de forma grosseira, ao ponto de ter sido acusado pela prática de um crime de coacção; 6. A Recorrente não violou qualquer norma estradal; 7. É possível no caso dos presentes autos a imputação objectiva do resultado à conduta do Arguido/Recorrido; 8. O Arguido/Recorrido sabendo circular a uma velocidade superior à legalmente permitida, recorrendo de forma incessante aos sinais de luzes no feixe de máximos, aproximando o seu veículo a uma distância não superior a 20 centímetros e ainda simulando que embateria no veículo da frente caso este não desviasse a sua trajectória, podia e devia ter previsto como possível a ocorrência de um acidente de viação, maxime de um despiste; 9. A Decisão Instrutória não é clara na sua conclusão e muito menos o é na sua fundamentação; 10. Não se pronuncia sobre a origem do acidente de viação, limitando-se a concluir pela não imputação do resultado à acção do Arguido/Recorrido, não se pronunciando sobre a causa do resultado.

11. Tanto à luz da Teoria da Adequação, como à luz da Teoria da Conexão do Risco é possível imputar o resultado à conduta do Arguido/Recorrido.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se, em conformidade, a douta Decisão Instrutória proferida pelo MM.o Juiz de Instrução Criminal no sentido de pronunciar o Arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência.

* Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou a resposta, que se alcança de fls.343 e segs., concluindo: 1ª - A prova recolhida em sede de inquérito não permite concluir pela existência de contacto físico entre o veículo conduzido pelo arguido e a viatura conduzida pela recorrente e não permite, igualmente, sustentar a existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta do arguido e as lesões físicas sofridas pela recorrente.

2° - Os elementos probatórios carreados em inquérito não foram infirmados em sede de instrução, pelo que não pode o arguido ser pronunciado pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência (previsto e punido no artigo 148°, n.º 1, alínea b) do Código Penal).

  1. - Dos autos resulta a existência de indícios suficientes da prática pelo arguido do crime de coacção, previsto e punido pelo artigo 154°, n.º 1 do Código Penal, crime pelo qual foi acusado e pronunciado, sendo que um e outro normativo tutela bens jurídicos de diferente natureza e cada um dos preceitos legais consagra elementos objectivos e subjectivos do tipo diversos.

  2. - De harmonia com a Teoria da Adequação ou Causalidade Adequada, só pode imputar-se o resultado à acção quando a mesma, de acordo com as regras da experiência comum e após um juízo de prognose póstumo, possa ser considerada apta a produzir o resultado ocorrido.

  3. - Segundo a Teoria da Conexão do Risco um resultado poderá ser imputado a determinada acção sempre o agente contribua com um risco não permitido ou quando, de alguma forma, tenha potenciado ou aumentado o risco já existente levando à ocorrência do resultado.

6° - A condução de veículos a motor consubstancia uma actividade de risco, existindo normas estradais que impõem aos seus destinatários o cumprimento de determinados deveres específicos e regras de conduta, de que é exemplo o princípio da confiança.

7° - Se ao arguido era exigível uma condução prudente e em obediência às regras do Código da Estrada, também à recorrente era exigível uma destreza e diligência na condução, não se deixando intimidar com a insistência do arguido e a utilização dos sinais luminosos, vulgo "máximos", ao ponto de perder o controlo da sua viatura e entrar em despiste.

8° - A avaliação da exigibilidade deve fazer-se de acordo com a comparação entre o que faria um homem médio (bónus pater famílias) quando colocado na situação do agente e a sua actuação concreta, atendendo, também, aos especiais e concretos conhecimentos do agente.

9° - Na decisão instrutória, mais concretamente no parágrafo 7 de fls. 9, o Tribunal refere não se poder retirar dos presentes autos a existência de "nexo de causalidade adequada entre a adequação do arguido e o despiste da assistente e as consequentes lesões para a sua integridade física." E ainda nesse mesmo parágrafo (final da página), o Tribunal refere que "Não é previsível que da condução imprudente e negligente resultasse um despiste com as consequências que resultaram nos presentes autos." 10° - Entendemos que o Tribunal quis dizer, em ambos os casos que dos autos não se podem extrair conclusões no sentido da existência de um nexo de causalidade entre a actuação do arguido e o despiste da recorrente, fazendo-se menção às consequências daquele despiste, designadamente as lesões corporais sofridas pela recorrente.

11 ° - Embora de forma sucinta a dinâmica do acidente foi evidenciada.

12° - Donde, tendo o Tribunal decidido no sentido ora defendido não violou o disposto nos artigos 10°, 15° e 148°, n.ºs 1 e 3 do Código Penal e 410º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.

Termos em que, se Vossas Excelências julgarem improcedente o recurso, mantendo a decisão instrutória recorrida, farão a habitual JUSTIÇA.

* Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls.361 e segs., em resumo, acompanhando a antecedente resposta e no sentido de que deve o recurso ser julgado improcedente.

* Cumprido o nº.2 do art.417º do Código de Processo Penal (adiante indicado por CPP), não foi apresentada resposta.

* Efectuado o exame preliminar, determinou-se, por despacho de fls.365 verso e atento o disposto nos arts.417º, nºs.3, alínea b), e 4, alíneas a) e b), e 419º, nº.4, alínea c), do CPP, que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

* 2.

FUNDAMENTAÇÃO O presente recurso foi interposto pela assistente no tocante à não pronúncia do arguido, relativamente à parte da decisão instrutória que se reporta à eventual prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, tendo sido admitido por despacho de fls.339, no qual se fixou que deveria "subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo".

Mostram-se incorrectos o regime de subida e o efeito atribuídos ao recurso, pelo que se impõe a sua correcção, ao abrigo do disposto no art.414º, nº.3, do CPP, sendo que, logo no exame preliminar, a incorrecção fora detectada.

Na verdade, tratando-se de recurso de decisão instrutória, sobe imediatamente - v.art.407º, nº.1, alínea i), do CPP -, mas não nos próprios autos, atendendo ao disposto no art.406º do CPP, já que não é decisão que ponha termo à causa, no sentido em que deve esta ser entendida, ou seja, que julgue a final sobre todas as questões de mérito, de fundo, objecto nos autos, que decide sobre o objecto do processo criminal, pondo fim ao litigio de forma substancial - v.acórdão STJ de 13.07.2006, in processo nº.06P2161, acessível em www.dgsi.pt, e Germano Marques da Silva in "Curso de Processo Penal", 2ª.edição, tomo III, , a pág.323.

Sendo a rectificação quanto à forma de subida do recurso da competência do relator, nos termos do art.700º, nº.1, alínea b), do Código de Processo Civil, "ex vi"art.4º do CPP, deixou-se, porém, para tal momento, na medida em que de tal decisão caberia reclamação para a conferência, conforme nº.3 do mesmo art.700º, e segundo o despacho de fls.365 verso, determinou-se que os autos fossem efectivamente julgados em conferência.

Também na vertente do efeito do recurso, incidindo este na não pronúncia do arguido, o mesmo não pode ter efeito suspensivo, mas sim meramente devolutivo, conforme art.408º, nº.1, alínea b), do CPP "a contrario".

Em conformidade com a necessária rectificação, sendo esta questão que deve ser decidida em conferência - v.art.417º, nº.3, alínea b), do CPP -, poderia assim redundar na devolução dos autos à 1ª.instância para que aí se desse cumprimento ao art.310º, nº.1, do CPP - remessa imediata dos autos ao tribunal competente para julgamento na parte relativa à pronúncia do arguido, esta, aliás, irrecorrível, e devidamente instruir-se o recurso em separado, com o efeito ora definido - v.acórdão Rel.Lisboa de 6.06.2000, in CJ ano XXV, tomo III, pág.148.

Todavia, dado que o mérito do recurso será também apreciado em conferência, com condições ora para decidir, e atendendo a que o processo apenas tem o recorrente como arguido e a que não se divisam problemas em sede do atempado julgamento no tocante ao referido âmbito, razões de economia e de celeridade processual...

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