Acórdão nº 07A981 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução08 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A Freguesia de Macieira e a Junta de Freguesia de Macieira, intentaram acção, com processo ordinário contra a "Fábrica da Igreja Paroquial" de Macieira (ou "Comissão Fabriqueira da Freguesia de Santo Adrião de Macieira pedindo a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial por a Ré não ter quaisquer direitos sobre os prédios aí referidos (edifício escolar e adro da igreja); o cancelamento de quaisquer registos lavrados com base nesse titulo; a condenação da Ré a reconhecer que aqueles prédios integram o domínio público da freguesia de Macieira e a restitui-los à Autora.

No Circulo Judicial de Barcelos a acção foi julgada improcedente; mas foi julgado procedente o pedido reconvencional e os Autores condenados a reconhecerem a ré dona dos dois prédios.

Apelaram as Autoras para a Relação de Guimarães que confirmou o julgado.

Pedem, agora, revista assim concluindo a sua alegação: - O presente recurso de revista circunscreve-se à subsunção da matéria de facto às previsões normativas, isto é às questões de direito.

Mas também, tendo em conta e se necessário usando-se do poder do nº 3 do artigo 729º do CPC, de que, para o direito possessório, "posse imemorial", não quer (nem tem que) dizer que há 200 ou 300 anos…Mas tão só, que excede a memória do depoente e, por ouvir dizer dos seus antepassados.

- Se porventura a decisão recorrida transitasse em julgado - e certamente o seu conteúdo não prevalecerá - cometer-se-ia uma enorme injustiça, ao ponto de o direito ser imposto pela força e não pelo convencimento fundamentado das decisões: o Povo não entenderia!...

- O Acórdão recorrido em análise é clamorosamente injusto.

- Desde logo, a dominialidade pública do adro advêm da posse imemorial do terreno, (com o sentido definido em A)) no uso directo e imediato do público, em satisfação de utilidade pública relevante (conforme Acórdão do STJ uniformizador de 19 de Abril de 1989).

- Bem como, os factos consubstanciam a aquisição da dominialidade pública por usucapião ligada a actos administrativos, que manifestam a intenção em destinar a coisa a uso público, num legitimo apoderamento e administração da autarquia e na utilização directa e imediata do público, por mais de 20 anos.

- Dada a natureza e propriedades públicas da parcela de terreno denominado adro ou largo da Igreja, tem por consequência que eventuais actos materiais praticados pela ré são insusceptíveis de posse e usucapião, na medida em que as coisas públicas estão fora de comércio (artigo 202º do CC).

- E para que o bem em causa (adro da igreja) deixasse de ser coisa pública teria de ter existido acto administrativo de desafectação expressa ou tácita, o que não se verificou nem provou.

- Também não se provou que houvesse inversão do titulo da posse antes de 1999, altura em que a ré procedeu à feitura da escritura pública notarial, o que tem por consequência que, mesmo que o adro fosse usucapivel - e não é como se afirmou - a aquisição originária por usucapião não poderá operar no caso dos autos.

- É tese predominante, que o nosso legislador acolheu a doutrina segundo a qual a posse é composta por "corpus" e "animus", consistindo no "poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade…" e com "animus rem sibi habendi".

- No entanto, no caso dos autos, não se provou nem se extraiu nenhuma conclusão quanto à matéria de facto, da qual resultasse que a ré actuou na convicção de possuidor, como sendo dona, "com animus rem sibi habendi".

- Nesta conformidade, a terem existido actos materiais praticados pela ré em relação ao adro, os mesmos só poderão ser entendidos como actos de mera detenção, insusceptíveis de usucapião (cf. artigo 1253º do CC).

- Ainda em relação ao adro dir-se-á que porventura o STJ confirmar a decisão recorrida - o que se admite por mera hipótese de raciocínio (de remota probabilidade) - verificar-se-ia que os prédios e casas que confrontam directamente com o adro ficarão na situação de encravados!...

- Para sustentar a dominialidade pública do adro, resta ainda referir que, depois de confiscados em 1911, no auto de entrega, através do qual se procedeu à devolução dos bens à igreja no ano de 1937, apenas foi ordenado "a entrega da igreja paroquial, suas dependências, capela e objectos nela existentes" conforme documento junto aos autos.

- A propriedade da (antiga) Escola Pública Feminina, entrou na dominialidade pública, por virtude da doação à freguesia, por volta de 1890, por beneméritos radicados no Brasil, para aí funcionar, como funcionou, uma escola pública.

- Muito embora a Escola Feminina entre 1950 e 1979/80, estivesse encerrada, o certo é que não se provou nenhum acto administrativo de desafectação, pelo que mantém a sua natureza pública, sendo por isso insusceptível de posse e usucapião.

- Mas se porventura a EF tivesse perdido a dominialidade pública por desafectação tácita, sempre se diria que tal implicava o seu ingresso no domínio privado da pessoa colectiva de direito público - neste caso a autarquia.

- E, como tal, sempre se diria que o lapso temporal entre 1979/80 e 1999 não era suficiente para conceder à Ré o direito potestativo da aquisição originária da propriedade, por usucapião.

Pois, - Ainda vigora a Lei nº 54 de 16 de Julho de 1913 (vide Acórdão da Relação de Évora de 11 de Março de 1976, BMJ nº 257, página 159 e ss) segundo a qual a usucapião, pelos particulares, em relação a bens pertencentes ao domínio privado do Estado só se consuma quando tiver decorrido o prazo estabelecido na lei ordinária e mais metade, isto é, 30 anos no exercício da posse.

- De qualquer forma, no caso dos autos, nem o lapso de 20 anos decorreu, conforme supra se descreveu.

- Mas saliente-se que, tal-qualmente se afirmou em relação ao adro, também no que tange à Escola se afirma que a Ré nunca foi possuidora, na medida em que não exerceu actos de posse, "como sendo dona" com animus sibi habendi.

- Não ficou pois, provado que a ré tivesse convicção de possuidora.

- Nem se provou que tivesse havido uma cedência específica da posse por parte da autarquia à ré, com animus sibi habendi. O que nem sequer estaria nas suas atribuições ou competências.

- Apenas se provou que a ré praticou actos em nome e interesse próprio, os quais não se podem confundir com o "animus sibi habendi". Em nome e interesse próprio - também podem actuar o comodatário, ou arrendatário. Daí a equivocidade.

- A factualidade provada neste particular é, pois manifestamente equivoca, não logrando a ré ilidir a presunção a favor da autora - artigo 1257º do CC - subsumindo-se assim nas situações de detentora por mera tolerância.

- Também em relação à Escola Feminina, a ter existido posse, esta só poderia ter visto o seu título invertido a partir de 1999.

- Não tendo existido - como não existiu - a inversão do título da posse, quaisquer eventuais actos materiais praticados pela ré não são susceptíveis de gerar o direito potestativo de usucapir.

- Também a Escola é um bem do domínio público porque: 1) ingressou no domínio público por doação de beneméritos à freguesia; 2) não houve acto administrativo de desafectação, expressa ou tácita, da dominialidade pública; 3) por virtude disso verifica-se a insusceptibilidade de aquisição por usucapião; 4) mesmo que se vislumbrasse a possibilidade de usucapir, não decorreu prazo suficiente para esta aquisição originária potestativa; 5) de qualquer forma, nunca a ré exerceu posse com "corpus e animus" sobre o edifício em questão; 6) verificou-se apenas, mera detenção por inexistência de prova quanto ao "animus"; 7) assim sendo, a presunção de posse do artigo 1257º do CC continua a favor das autoras; 8) de qualquer forma a ré não inverteu o título da posse antes de 1999, nem provou uma posse excludente da...

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