Acórdão nº 00715/06.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelCarlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “MUNICÍPIO DE BARCELOS” (doravante «MdB»), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 16.03.2012, que julgou totalmente improcedente o pedido pelo mesmo formulado na ação administrativa comum, sob forma ordinária, deduzida contra os RR.

JLAV ... e JF ..., MFD ... e MCGSD ..., MAV..., AFV... e AAV..., RFB..., RAAB..., MHAB..., FSR..., NCLS..., AJLS..., MELS..., MRRS..., AFP..., MLFP..., DFP..., AFP... e MAFP...

[de condenação destes em ver declarado “… que não são donos e legítimos possuidores de tal caminho …” a reconhecerem “… que tal caminho assume natureza e utilidade públicas, por estar afetado ao uso de todos os que dele tenham, necessidade e pretendem lá passar …” e “… por isso, que o mesmo pertence ao Município de Barcelos …”] e que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR.

AVG..., MAV..., JLAV... e JF ...

declarando que os RR. “… são donos e legítimos possuidores da faixa do terreno em apreço nos autos por a haverem adquirido por via da usucapião …”.

Formula o A., aqui recorrente jurisdicional, nas respetivas alegações [cfr. fls. 485 e segs.

- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Como bem sublinha a sentença recorrida, a faixa de terreno, em disputa nos presentes autos, não foi objeto de qualquer negócio translativo do direito de propriedade.

  2. Nos termos do disposto do artigo 1287.º do Código Civil: «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião».

  3. Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 1251.º do mesmo Código: «Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real» e adquire-se, para além do mais «pela prática reiterada com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito», conforme dispõe a alínea a) do artigo 1263.º do Código Civil.

  4. Quando o Tribunal tratou de tentar apurar factos dos quais pudesse concluir que os Réus agiam convictos de se encontrem a exercer um direito próprio, conclui pela negativa, no sentido de que esse elemento psicológico, ou animus da posse não se verificava no caso concreto, 5. Em hipótese alguma se poderia afirmar que o Réu AVG... realizou a expensas suas obras de calcetamento do terreno em paralelo, na convicção de que esse caminho lhe pertence, ou pelo menos, lhe pertence em exclusivo, uma vez que, nessa hipótese, o caminho pertenceria não a esse Réu, mas a todos os Réus e, assim, as regras de experiência comum invocadas pela sentença recorrida seriam contrariadas pelos factos dados como provados, cumprindo, pois, averiguar, em concreto, quais as razões que levaram o Réu AVG... a suportar as despesas de calcetamento de um terreno do qual não é proprietário, mas quando muito (o que se admite como mera hipótese de raciocínio) seu comproprietário.

  5. Ao contrário, resultou provado que os próprios Réus, pela sua atuação, através da construção de um muro delimitaram as parcelas de terreno das quais se consideram proprietários, daquela relativamente à qual consideram não serem detentores desse direito e, dir-se-á, ainda, que nesta matéria é que haverá que apelar às regras da experiência comum para concluir que ninguém delimita dois terrenos distintos, caso se considere proprietário de ambos, exceto perante circunstâncias excecionais não demonstradas nos autos.

  6. Assim, da matéria dada como provada e da matéria dada como não provada, resulta que qualquer que tenha sido a atuação dos Réus, nunca os atos que praticaram correspondem à convicção do exercício de um direito próprio.

  7. Tendo, pois, de concluir-se que não foi apurada nos autos a «prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito» exigida pela alínea a) do artigo 1263.º do Código Civil para a aquisição da posse.

  8. Como tal, tudo quanto se poderá concluir é que os Réus nunca exerceram a posse sobre a faixa de terreno em causa dos autos, pelo que nunca estariam em condições de adquirir essa parcela por usucapião.

  9. No entanto, ainda que assim não fosse, no que se não concede nem prescinde, mas aqui haverá que admitir como mera hipótese de raciocínio, sempre haveria que se averiguar se decorreu o período necessário para a usucapião, que, nos termos do disposto no artigo 1296.º, conjugado com o artigo 1260.º, n.º 2, ambos do Código Civil, no caso em apreço seria de 30 anos (e não 20 anos como se diz na sentença recorrida, posto que a posse não titulada se presume de má fé).

  10. Assim, a sentença recorrida ao declarar que os Réus são donos e legítimos possuidores da faixa de terreno em apreço nos autos, por a haverem adquirido por via da usucapião violou os artigos 1256.º, n.º 1, 1260.º, n.º 2, 1263.º e 1296.º, todos do Código Civil.

  11. Ao contrário, considerando os pontos 10, 11, 12, 13, 14, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26 e 27 dos factos provados, existe nos autos matéria suficiente para se decidir que o caminho em apreço está sujeito ao regime do domínio público, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 202.º e 1304.º do Código Civil.

  12. Uma vez que daquela matéria resulta que a parcela de terreno em causa tem vindo a ser utilização direta e imediata pelo público e mantido pela autarquia Autora pelo que não pode deixar de ser considerado como caminho público …”.

    Os RR., aqui recorridos, devidamente notificados vieram produzir contra-alegações na sequência da apresentação das alegações [cfr. fls. 504 e segs.

    ], onde sustentam a total manutenção do julgado, concluindo como se passa a reproduzir: “...

  13. A Douta sentença recorrida deverá manter-se na íntegra.

  14. Inexiste qualquer violação das normas invocadas pela Recorrente, designadamente as de direito substantivo, no que concerne ao instituto da posse, mais concretamente à aquisição pela via de usucapião dos arts. 1251.º, 1262.º, 1296.º todos do código Civil …”.

    O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia [cfr. fls. 539 e segs.

    ].

    Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  15. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objeto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) [na redação anterior à introduzida quer pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, quer pela Lei n.º 41/013, de 26.06 - cfr. arts. 05.º e 07.º, n.º 1 da referida Lei] “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a pretensão do A./recorrente e parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR. enferma de erro de julgamento de direito, mormente, por infração ao disposto nos arts. 202.º, 1256.º, n.º 1, 1260.º, n.º 2, 1263.º, 1296.º e 1304.º todos do Código Civil [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

  16. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Resulta da discussão da causa como assente \a seguinte factualidade: I) Os RR. são donos e legítimos possuidores de diversos prédios urbanos que, desde há uns 30 anos, se foram construindo ao longo de um caminho existente no lugar do F..., da freguesia de Tamel S. Veríssimo; [al. A) da matéria de facto assente].

    II) Tais prédios urbanos foram construídos em “lotes” de terreno que, inicialmente, foram “destacados” de um prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º... e inscrito na respetiva matriz sob o art.…, que confrontava do norte com caminho público, do sul com JDJ..., do nascente com MGF... e poente com MLD...; [al. B) da matéria de facto assente].

    III) Prédio esse que pertencia a FDB... e mulher MTLS...

    - cfr. doc. n.º 01 junto com a petição inicial; [al. C) da matéria de facto assente].

    IV) O FDB... e mulher MTLS..., venderam aos RR. ou aos antecessores: 4.1 - Por escritura de ...1970, venderam a JLAV ... (1.º R.) uma parcela de terreno com a área de 223 metros quadrados, confrontante a norte com o caminho público (doc. n.º 02 junto com a petição inicial), sendo o 1.º prédio existente em tal caminho, no qual, posteriormente, procederam à construção de uma casa de r/chão e andar.

    4.2 - Por escritura de ...1970 venderam a ECD... uma parcela de terreno com a área de 211 metros quadrados, a confrontar do norte com o anterior, na qual, igualmente, procedeu à construção de uma moradia, e que, atualmente, pertence aos 2.ºs RR. (cfr. doc. n.º 03, junto com a petição inicial).

    4.3 - Por escritura de ...1970, venderam a AVG... (3.º R.) uma parcela de terreno com a área de 397 metros quadrados, a confrontar do norte com o anterior, na qual, igualmente, procedeu à construção de uma moradia (cfr. doc. n.º 04, junto com a petição inicial), que por escritura de partilha foi atribuída a sua mulher.

    4.4 - Por escritura de ...1972, venderam a...

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