Acórdão nº 06S3956 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho da Covilhã, acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, contra BB e Marido CC e "Companhia de Seguros DD S.A.", de quem reclama, nos termos discriminados na P.I., a reparação pelo acidente que vitimou mortalmente o seu marido EE.

Nesse sentido e em síntese, alega que o sinistrado, ao regressar do trabalho num veículo conduzido pela Ré-mulher que, com o Réu-marido, constituíam a sua entidade patronal, pediu à condutora que lhe deixasse recolher um boné que saltara, com o vento, para a faixa de rodagem, ao que a mesma anuiu, parando a viatura na berma, tendo o sinistrado sido colhido, nesse entretanto, por um veículo pesado de mercadorias, que passava, na altura, pelo local.

Todos os Réus declinam a sua responsabilidade pela reparação do acidente, que imputam a "negligência grosseira" da vítima: entrada intempestiva na faixa de rodagem de uma auto-estrada, no momento em que por ali circulava o veículo atropelante.

1.2.

Instruída e discutida a causa, envio a 1ª instância a julgar a acção totalmente procedente no que respeita à Ré Seguradora, a quem condenou no pedido, e improcedente quanto à entidade patronal do sinistrado.

Esta decisão, sob desatendida apelação daquela Ré, foi integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Em abono dessa solução, ambas as instâncias rejeitaram a descaracterização do acidente, reclamada pela Seguradora, sob o fundamento de que a conduta da vítima, ainda que "grosseiramente negligente", não constitui a causa exclusiva do evento, para o qual também concorreu a paragem da viatura na berma da auto-estrada, sem que algum motivo ponderoso o justificasse.

1.3.

Continuando irresignada, a Ré Seguradora pede a presente revista, formulando as seguintes conclusões: 1- o acórdão recorrido limita-se a apreciar se a causa do acidente é, ou não, apenas o comportamento grosseiramente negligente do sinistrado; 2- e, ao apreciar a sobredita questão, julga improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença; 3- porém, outras três questões foram levantadas nesse recurso, sobre as quais o acórdão não se pronunciou; 4- não apreciou, desde logo, se houve, ou não, violação das condições de segurança sem causa justificativa e consequente descaracterização do acidente - conclusões 1ª a 12ª; 5- também não apreciou se, no caso de culpa da entidade patronal do sinistrado, existiria responsabilidade desta em primeira linha e da recorrente em regime de subsidariedade - conclusão 26ª; 6- igualmente não se pronunciou sobre a não cumulação das pensões de sobrevivência com as pensões devidas pelo acidente de trabalho - conclusões 27ª e 28ª; 7- essa falta de pronúncia constitui nulidade - art.º 668º n.º 1 al. D) do C.P.C.; 8- tal nulidade pode ser alegada na presente revista - art.º 721º n.º 1 do C.P.C.; 9- os factos apurados deveriam levar à descaracterização do acidente, nomeadamente com o fundamento previsto na al. A) do n.º 1 do art.º 7º da Lei n.º 100/97 ou, sem conceder, à condenação da entidade patronal por culpa sua e à responsabilidade meramente subsidiária da recorrente; 10- o acidente provém de um acto do sinistrado que constitui violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei; 11- com efeito, o art.º 72º n.º 1 do C.E. proíbe o trânsito de peões nas auto-estradas e fá-lo por questões de segurança, pois trata-se de vias destinadas a circulação rápida, com limites de velocidade elevados, com duas ou mais faixas de rodagem em cada sentido; 12- esta norma é do conhecimento de toda a gente, sendo certo que o sinistrado passava regularmente pela auto-estrada em causa (A 23), na sua tarefa de criação e venda de aves, o que implicava, nomeadamente, deslocações regulares ao mercado do Fundão e, por isso, conhecimento da regra de segurança em causa que, aliás, é de fácil compreensão para qualquer pessoa; 13- daí que não exista causa justificativa da violação das condições de segurança, pois não ocorrem as circunstâncias previstas no art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99, de 30/4; 14- sendo assim, dá-se a descaracterização do acidente prevista no art.º 7º n.º 1 al. A) da Lei n.º 100/97, de 13/9, norma que não exige que a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei, por parte do sinistrado, seja causa exclusiva do acidente, exigência que apenas consta da descaracterização por negligência grosseira; 15- logo, o acidente dos autos não confere direito a reparação; 16- porém, sem conceder, a concluir-se que o acidente é também imputável a culpa da entidade patronal, seria então de aplicar os art.ºs 18º n.º 1 e 37º n.º 2 da Lei n.º 100/97, recaindo a responsabilidade sobre a entidade patronal, respondendo a recorrente apenas subsidiariamente e pelas prestações normais; 17- ainda sem conceder, não deve a recorrente responder perante o ISSS/CNP pelas pensões de sobrevivência, pois estas não se cumulam com as pensões decorrentes do acidente de trabalho; 18- só será devido o reembolso do ISSS/CNP se o montante a reembolsar for deduzido às pensões vencidas por acidente de trabalho como, aliás, sucedeu no subsídio por morte; 19- por outro lado, o acidente ocorreu devido a negligência grosseira do sinistrado, o que é pacífico; 20- mas esse comportamento foi, a nosso ver, a causa única e exclusiva do acidente; 21- a infracção da R. BB não foi causa adequada do acidente; 22- com efeito, o veículo por ela tripulado nem sequer interferia com o fluxo normal de trânsito, pois não ocupava qualquer parte da faixa de rodagem, sendo que a sua paragem não é causa adequada do comportamento do sinistrado nem do acidente; 23- o conceito de causa adequada não tem a ver com um raciocínio do tipo "depois de …, logo, por causa de …"; 24- assim, verificam-se todas as condições para se concluir pela descracterização do acidente; 25- foram violados os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
6 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT