Acórdão nº 07P514 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2007
Magistrado Responsável | SIMAS SANTOS |
Data da Resolução | 15 de Março de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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O Tribunal Colectivo do 1.º Juízo de Águeda (proc. n.º 1483/02.0TACBR), por acórdão de 7.12.2005, decidiu: - Julgar parcialmente procedente a pronúncia deduzida contra o arguido AA, e condená-lo, como autor material de um crime de infracção de regras de construção, na forma agravada e consumada dos art.ºs 277.º, n.º 1, al.ª a), e 285.º, do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, com as obrigações de pagar, e comprovar nos autos em 90 dias, a reparação ao demandante cível (ISSS/CNP), mediante a entrega da indemnização fixada em sede de pedido indemnizatório cível, na parte já líquida, de 3.048,96 euros e seus juros moratórios; 500,00 euros a instituição, que o IRS indicar, ligada à prevenção da sinistralidade laboral (mormente quanto a regras de construção), com posterior homologação do Tribunal; e o dever de frequentar/completar, com início nos 90 (noventa) dias seguintes ao trânsito em julgado do acórdão, curso(s) de formação de prevenção de acidentes de trabalho (mormente na área da construção civil), segundo plano a elaborar pelo IRS, com subsequente homologação do Tribunal.
- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante ISSS/CNP e condenar o aludido arguido/demandado AA a pagar àquele demandante, a título de indemnização/reembolso, por direito de sub-rogação, a quantia já líquida de 3.048,96 euros (três mil e quarenta e oito euros e noventa e seis cêntimos), a que acrescem os respectivos juros de mora peticionados, à taxa supletiva legal de 4% ao ano (nos termos da Portaria n.º 291/03, de 08-04), ou outra taxa supletiva legal que entretanto venha a vigorar em substituição desta, desde a data da notificação do aqui arguido / demandado AA para contestar o pedido indemnizatório cível e até integral e efectivo pagamento; acrescida ainda dos também peticionados valores pagos por tal demandante ISSS/CNP na pendência destes autos/enxerto cível (à viúva e aos filhos do aqui sinistrado, BB), estes a liquidar em execução de sentença, pois que o não foram ainda.
Inconformado o arguido AA recorreu para a Relação de Coimbra que, por acórdão de 25.10.2006 (proc. n.º 1735/06-5), julgou o recurso improcedente e manteve a decisão impugnada.
Ainda inconformado, recorre agora o mesmo arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o absolva da prática do crime por que vinha pronunciado, bem como do pedido de indemnização civil, suscitando as seguintes questões: - Verificação do elemento objectivo do crime: violação de regras legais, regulamentares ou técnicas de construção (conclusões A a M); - Qualificação jurídica da conduta (conclusões M a P); - Condenação no pedido cível (conclusões Q a S).
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou uma declaração de concordância com a decisão recorrida.
Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça a 7.2.2007, teve vista o Ministério Público.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência. No seu decurso, o Ministério Público, quanto ao elemento objectivo do tipo legal, que o recorrente diz faltar, referiu que bastaria que ele atentasse nos preceitos legais, na matéria de facto assente e na bem elaborada sentença, confirmada pela Relação, para ver que estava efectivamente obrigado a fornecer aos trabalhadores equipamento individual de protecção, o que não fez. Daí o seu refugio no alegado desconhecimento do movimento concreto do trabalhador e na motivação deste, sugerindo que este se teria suicidado, que se não revê na factualidade apurada. Quanto à qualificação jurídica da conduta, a pretensão de que deveria ter lugar ao abrigo do n.º 3 do art. 277.º do C. Penal, não atentou igualmente o recorrente na clara exposição da sentença da 1.ª Instância e nos preceitos legais, sendo inoperativa a pretendida transposição da negligência do resultado, para o dolo de conduta ou de perigo. A defesa manteve a pretensão constante da motivação do recurso.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
2.1 E conhecendo Antes de entrar na apreciação das questões suscitadas pelo recorrente, importa considerar a matéria de facto dada como assente pelas instâncias e que é a seguinte: 1. - No dia 23/01/2001, o arguido CC e DD, na qualidade de representantes, respectivamente, das sociedades "EE, Ld.ª" e "FF, Ld.ª", celebraram um contrato de empreitada, do qual emergiram, para aquela sociedade "EE, Ld.ª", de que o arguido CC é sócio-gerente e representante, entre outras, as obrigações de executar a obra de ampliação das instalações da "FF, Ld.ª", zelando, no âmbito da mesma, pelo cumprimento das normas de segurança, de responsabilidade civil perante terceiros e ainda das relativas a seguros de acidentes de trabalho.
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- Posteriormente, a sociedade "EE, Ld.ª", representada pelo arguido CC, celebrou com a sociedade "AA, Ld.ª", representada pelo arguido AA, um contrato de subempreitada, nos termos do qual esta última sociedade ficava responsável pela execução das referidas obras de ampliação da "FF, Ld.ª".
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- Não estava afixado na obra qualquer Plano de Segurança e Saúde, mas apenas a sinalética das obras.
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- No dia 21/10/2002, na sede da "FF, Ld.ª", em execução do contrato de subempreitada acima mencionado, estavam em curso os trabalhos de construção de um pavilhão industrial.
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- Os trabalhadores da sociedade "AA, Ld.ª", acompanhados no local pelo arguido AA, e sob as instruções deste, colocavam, então, vigotas para construção das lajes, não dispondo de cintos de protecção/segurança.
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- Nem dispondo de redes de protecção, estas, porém, de inviável colocação no local, atentas as características e estado dos trabalhos que estavam a ser executados, sendo que os andaimes e o material de escoramento da obra tornavam exíguo o espaço sobrante para colocação ali de tais redes em posição de eficácia para prevenir a queda em altura dos respectivos trabalhadores em operação de colocação de vigotas.
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- Nessa mesma data, cerca das 09.45 horas, BB, um dos trabalhadores (ao serviço daquela sociedade "AA, Ld.ª") que se encontravam em cima de um andaime a colocar vigotas para execução da laje do primeiro piso, caiu para o solo, de uma altura de cerca de seis metros.
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- Ainda nesse dia, transferido pelo Hospital de Águeda, o sinistrado, BB, recebeu tratamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde veio a falecer no dia 23/10/2002, pelas 23.00 horas.
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- Da referida queda, resultaram para BB traumatismo crânio-encefálico, contusão cerebral, hemorragia subaracnóide, hemorragia intraventricular e fracturas dos ossos do crânio e da face, tendo a primeira das lesões mencionadas - traumatismo crânio-encefálico - causado directamente a sua morte.
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- A descrita situação em que se encontrava o sinistrado BB implicava um perigo acrescido de queda no tipo de trabalho efectuado por esse sinistrado, sendo que adequado para evitar tal perigo era o uso de cinto de protecção/segurança, já que não havia possibilidades de instalar redes de protecção.
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- O arguido AA tinha conhecimento desta situação de perigo e da obrigação de providenciar pela sua eliminação, através do fornecimento aos trabalhadores de cintos de protecção/segurança, não o tendo, porém, feito, assim se conformando com tal situação, e tendo, ao assim proceder, agido de forma livre e consciente, admitindo como possível a queda de BB.
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- Representou o arguido AA como possível a morte do aludido BB, tendo, ainda assim, actuado da forma descrita, embora sem se conformar com tal resultado.
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- Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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- O demandante "Instituto de Solidariedade E Segurança Social" (doravante ISSS/CNP), com sede no Campo Grande, 6 - 1700 Lisboa (cfr. fls. 582 e segs.), pagou pensões de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo e filhos do sinistrado e beneficiário BB, após a morte deste, na quantia de 3.048,96 euros, no período de Janeiro de 2004 a Fevereiro de 2005, continuando a efectuar outras prestações posteriores.
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- O arguido CC tem 40 anos de idade e é casado.
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- Dedica-se ao trabalho na construção civil desde há 30 anos, fazendo-o por sua conta desde há 25 anos.
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- É genericamente considerado pessoa honesta, séria e competente na sua profissão.
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- A sociedade aludida "EE, Ld.ª" atravessa um período de dificuldades económicas.
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- O arguido AA tem 52 anos de idade e é casado.
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- Dedica-se ao trabalho no sector da construção civil, o que vem fazendo desde há anos, designadamente no âmbito da dita sociedade "AA, Ld.ª" e com trabalhadores ao serviço desta.
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- É genericamente considerado pessoa honesta, séria e dedicada à sua profissão.
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- Do CRC de cada um dos arguidos nada consta.
Factos não provados.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, dentre os alegados, que tenham interesse para a decisão da causa e que estejam em contradição com os mencionados supra na factualidade dada como provada.
Designadamente, não resultou provado que: - O arguido CC, enquanto representante da sociedade "CC, Ld.ª"...
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