Acórdão nº 723/19.0PAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução25 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 723/19.0PAPTM foi o arguido AJGP submetido a julgamento pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no artº. 152.º, n.ºs 1, al. b), 2, al. a), e 4, do Código Penal, tendo sido absolvido da prática do mesmo

Inconformado com tal absolvição, o Ministério Público recorreu, tento terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos, que absolveu o arguido da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1 al. b) e 2 al. a) e 4 do Código Penal, por que vinha acusado; 2. O Ministério Público não pode conformar-se com o decidido pelo Tribunal a quo na parte em que foram considerados como não provados pontos de facto constantes da acusação e que permitiriam imputar ao arguido a prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, nº1 e 155º, nº1 al. a) do Código Penal; 3. A concreta prova que impõe decisão diversa da sentença recorrida é o depoimento da testemunha JNC, prestado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 19 de Novembro de 2020; 4. Com efeito, referiu a testemunha ter vivido com o filho do arguido A (02:30 a 02:35), acrescentando que veio viver para … no início do ano de 2019 (02:42 a 02:54), não se recordando bem, pois foi um período de adaptação em … ( 03:01 a 03:15 ), não tendo ido logo viver junto, tendo namorado e depois juntaram-se, e depois foi viver com ele para a beira da mãe (03:32 a 04:10 ), ou seja, para casa dos pais do namorado ( 04:16 a 04:24 ); 5. Indagada sobre o relacionamento do casal, a testemunha referiu que o Sr. A começava a beber (06:06 a 06:22), o Sr. A bebia e quando bebia as coisas ficavam mal lá em casa, de resto estavam bem os dois juntos (06:41 a 06:49), acrescentando que o arguido começava a discutir com ela (ofendida), não compreendia a parte dela, ela tinha que fazer tudo o que ele queria, senão ameaçava (06:56 a 07:05); 6. Perguntada sobre se tinha presenciado algum episódio de conflito entre o casal, a testemunha referiu que, pouco tempo depois de ir viver lá para casa, num dia em que a ofendida J tinha acabado de chegar do trabalho e estava a fazer a comida, o jantar, ele (o arguido A) esteve o dia inteiro no café, a beber, e chegou a casa bêbado, e, quando chegou, começou com insultos e a dizer que a mandava para baixo dos torrões (07:35 a 08:03); 7. Ao ser questionada sobre a data em que esses factos ocorreram e que horas seriam, a testemunha respondeu não se recordar, não sabendo precisar as horas, referindo que seriam por volta das 17h30 / 18h 00 (08:30 a 08:54); 8. Insistida sobre o contexto em que foram proferidas tais palavras, declarou que ela (a ofendida J) estava na cozinha a tratar da comida, ele (o arguido A) estava com fome e começou a estar agressivo, como ela lhe respondeu para ter calma, que não podia apressar as coisas ( 10:22 a 10:50), acrescentando que os factos aconteceram na cozinha ( 10:52 a 10:55); 9. Já na parte final do seu depoimento, quando questionada sobre o estado em que ficou a ofendida J ao escutar as expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido A, a testemunha afirmou que a ofendida ficou abalada no momento em que ele disse isso, achando que ficou com medo dele (14:18 a 14:44) 10. Tendo inclusivamente ainda declarado, a instâncias do Memº Juiz a quo, a respeito do significado da expressão mandar para baixo dos torrões, que o arguido está a querer dizer que a matava ( 15:11 a 15:28); 11. A testemunha JN prestou o seu depoimento de forma que consideramos honesta e sincera, e, por essa razão credível, tanto mais que não se vislumbra que tivesse algum interesse no desfecho da causa; 12. Torrão significa pedaço de terra endurecida que não se desagrega por si mesma (vide Dicionário Porto Editora, acessível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/torrao); 13. É da gíria popular e do senso comum que mandar alguém para baixo dos torrões é mandar alguém para debaixo da terra, em alusão a alguém ser enterrada, julgando-se, inclusivamente, que a menção a torrões se refere ao momento de deitar terra sobre a urna (tapar a urna com terra, torrões que caem sobre ela), constituindo uma ameaça de morte, conforme, aliás, foi entendido e explicitado pela testemunha JN, a instâncias do Memº Juiz a quo, sendo ainda certo que não se conhece nem se ouviu que a referida expressão possa ter outro significado que o acima indicado; 14. Entende o Ministério Público que em face ao depoimento produzido, conjugado com as regras da experiência e o senso comum, relativamente aos 7º, 8º e 9º (sétimo, oitavo e nono) parágrafos da acusação, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado: Num dia do mês de Maio de 2019, entre as 17h30 e as 18h00, o arguido chegou a casa, aparentando estar alcoolizado e num tom sério e firme, dirigiu-se à ofendida, que se encontrava na cozinha, a preparar a refeição, dizendo-lhe: mando-te para baixo dos torrões

Ao actuar dessa forma o arguido agiu com o propósito de, no interior da habitação comum a ambos os intervenientes, molestar psicologicamente a ofendida e afectá-la na sua liberdade, propósito que logrou alcançar, porquanto a ofendida ficou com medo

O arguido agiu voluntária e conscientemente, conhecendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e actuou com a liberdade necessária para se determinar segundo essa resolução

15. Quanto ao elemento subjectivo, sempre se dirá que o arguido conhecia o significado da gíria popular da expressão que proferiu, bem sabendo que tais palavras significavam uma ameaça de morte, e eram adequadas a provocar na ofendida receio pela sua vida e integridade física, o que quis e conseguiu, como aliás resulta do depoimento da testemunha JN, que esclareceu que a ofendida J ficou abalada, com medo; 16. A factualidade supra indicada integra a prática pelo arguido de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, nº e 55º, nº al. a) do Código Penal; 17. O ilícito referido é punido com pena de prisão de um mês a dois anos ou com pena de multa de dez a duzentos e quarenta dias, conforme decorre dos arts. 41º, nº, 47º, nº1, 153º, nº e 155º, nº1 do Código Penal; 18. No que toca ao tipo de criminalidade em causa nos autos, entendemos que as exigências de prevenção geral são mediana; 19. Já no que concerne às exigências de prevenção especial, as mesma afiguram-se-nos significativas, sendo que o arguido regista condenações, por crimes de natureza rodoviária, em penas de prisão suspensa na execução e pena de prisão por dias livres, tendo ainda sofrido duas condenações por crime de violência doméstica, por factos praticados na pessoa da ofendida J, nas penas de três anos e seis meses e três anos de prisão, suspensas na sua execução por igual período de tempo, denotando uma personalidade desconforme ao direito e às mais basilares regras de vivência social, em face do que a pena de multa se não se nos afigura já adequada e suficiente para fazer face as exigências que a causa requer, nomeadamente afastá-lo do cometimento de novos ilícitos; 20. Assim, afigura-se-nos que a personalidade do arguido, revelada no seu percurso criminal e nos concretos factos ora em causa nos autos, impõem a...

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