Acórdão nº 06P763 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução07 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 0009/94, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, após contraditório foi proferido acórdão que condenou os arguidos AA e BB, com os sinais dos autos, como co-autores materiais de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código Penal, na pena de 18 anos e prisão (1).

O arguido CC, devidamente identificado, foi condenado na pena de 10 meses de prisão pela prática de um crime de omissão de auxílio, previsto e punível pelo artigo 200º, n.º1, do Código Penal.

Todos os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, visando o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, recursos a que foi negado provimento.

Recorrem agora para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos AA e BB.

Na motivação que apresentou o arguido AA formulou as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão recorrido não conheceu da impugnação da matéria de facto, tendo contudo o recorrente cumprido os ónus previstos no artigo 412º, n.ºs 3 e 4, quer na motivação, quer nas conclusões.

  1. O recorrente especificou concretamente os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, indicou a prova que impunha decisão diversa e fê-lo por referência aos suportes técnicos.

  2. Daí que o douto acórdão recorrido deveria ter conhecido da impugnação da matéria de facto, e não, como o fez, limitar-se a confirmar e concordar com o exame crítico da 1ª instância.

  3. Verifica-se a nulidade prevista nos artigos 425º, n.º 4 e 379º, n.º 1, alínea c), do C.P.P, pois o acórdão recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

  4. Em todo o caso, seria sempre nulo o acórdão recorrido por falta de exame crítico próprio e suficiente - artigo 374º, n.º 2, do CPP.

  5. Sem conceder, sempre se dirá que a conduta do recorrente não integra a alínea d) do artigo 132º, do C.P., e não revela a especial censurabilidade ou perversidade prevista no n.º 1.

  6. Deu-se como provado no ponto 6º, que a conduta dos arguidos se seguiu após o CC ter entrado no carro e ter dito que a vítima se tinha insinuado que eles seriam merda numa atitude provocatória.

  7. Não se trata de um motivo insignificante, sem qualquer valor banal.

  8. Por outro lado, não se apurou o motivo que verdadeiramente fez desencadear o acto de matar.

  9. A factualidade como provada não pode por isso justificar a qualificação do crime de homicídio nos termos em que veio confirmada pelo acórdão recorrido.

  10. A pena aplicada de 18 anos de prisão é elevada.

  11. Face à moldura da pena, que já pune este tipo de comportamentos e à jurisprudência comparativa.

  12. E face às condições pessoais do arguido, que impunham também uma redução da pena. Por sua vez, o arguido BB extraiu da sua motivação as seguintes conclusões: 1. Pretende-se com o presente recurso colocar em crise a medida da pena aplicada ao arguido recorrente BB, de 18 anos de idade, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão; confirmando, assim, o acórdão recorrido, a decisão de 1ª instância.

  13. Podendo limitar-se o recurso, à dosimetria da pena (artigo 403º, n.º 1, do C.P.P.) desde que limitado tacitamente o objecto do mesmo, pois que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

  14. O acórdão recorrido à semelhança da 1ª instância, continua, no entanto, a apoiar-se numa clara insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que integra o vício do artigo 410º, n.º 2, alínea a), do C.P.P.

  15. Daí que, embora este Supremo Tribunal se deva limitar a um reexame da matéria de direito, como tribunal de revista em sede de apreciação e julgamento de recursos penais, 5. pode, no entanto, e deve interferir em meras questões fácticas se, como é o caso, sub judice, quando tiverem sido suscitados ou se dê conta de qualquer dos vícios (de facto) enunciados no artigo 410º, n.º 2, do C.P.P.

  16. Pelo que importa in casu analisar a matéria de facto, tida como adquirida pela Instância, para se dar conta de qualquer daqueles vícios e determinar a solução jurídica para tal factualidade.

  17. Com efeito, o acórdão recorrido, não respeitou, adequadamente, os princípios defendidos, designadamente no normativo dos artigos 40º, n.º 2, 71º, 72º, 73º, do C.P. e DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, claramente violados, quanto à medida da pena aplicada ao recorrente.

  18. Deveria, de facto, o jovem recorrente, com apenas 18 anos de idade, pelas fundadas razões que se deixaram expressas na motivação e para onde se remete, beneficiar da atenuação especial emergente da aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes nos termos do DL 401/82, de 23 de Setembro.

  19. Foi descurado, omitido e bem assim não valorado, o Relatório do IRS, junto aos autos, que aponta na sua letra, para as vantagens na reinserção social do jovem recorrente, na sequência da atenuação especial da pena a aplicar.

  20. Revertendo, essencialmente às condições pessoais e de carácter do jovem condenado - condições de vida, familiares, educação, inserção, apoio da família, predominantemente dos pais, prognose sobre o desempenho da personalidade.

  21. Tal relatório, omitido na douta decisão, associado ao depoimento das testemunhas abonatórias a que alude, especificamente, o acórdão recorrido, faz criar inequivocamente, a convicção sobre a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado.

  22. Isto porque no artigo 4º do referido DL 401/82, a atenuação especial que prevê não aponta para os pressupostos gerais da atenuação especial (artigo 72º, do Código Penal) mas sim para os seus termos; porquanto se fosse aplicável, nos seus pressupostos, o regime geral da atenuação, dispensar-se-iam os termos específicos do regime penal de jovens.

  23. Pois o conceito abrangente do artigo 4º consubstancia, um fundamento autónomo de atenuação especial, que imerge da idade do condenado, sendo seu pressuposto o entendimento que deve ser formulado sobre a existência de «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», neste caso, o recorrente, com apenas 18 anos de idade.

  24. Já que a convicção sobre a existência de tal pressuposto reverte, essencialmente, às condições pessoais e de carácter do jovem condenado e não, ou não primeira e directamente, à gravidade das consequências do facto, como se operou no acórdão recorrido, ignorando-se os demais factores, designadamente o Relatório do IRS, junto aos autos, determinante para fazer uso de tal «faculdade».

  25. Equivale isto a afirmar, que no caso sub judice, a atenuação especial resultante do regime penal dos jovens delinquentes, poderá ser ou não aplicável, mas se não for, será, eventualmente, por razões inteiramente diversas das que foram consideradas e consignadas na decisão da 1ª instância e bem assim no douto acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa.

  26. Existe assim omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre os factos alegados na contestação e resultantes da discussão em julgamento, relevantes para a decisão da causa e que decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados tais factos.

  27. Resultando consequentemente e como se referiu, a insuficiência para a decisão da matéria de fato provada (artigo 410º, n.º 2, alínea a), do C.P.P.), devendo nos termos dos artigos 426º e 436º, do C.P.P., e salvo melhor opinião, ser reenviado o processo para novo julgamento.

  28. No que respeita ao apuramento dos factos necessários à decisão sobre a aplicação do regime penal constante do DL 401/82, de 23 de Setembro, e sobre a fixação da medida concreta da pena.

  29. Na motivação do acórdão recorrido, não foram considerados nem sequer equacionados uma série de factos que se deviam ter como «provados» e constam da contestação, que são efectivamente de interesse, não para efeitos de incriminação mas para os da medida da pena, como a exemplo, 20. O bem comportamento anterior, prisional (dentro das normas do Estabelecimento doc. junto) e as condições pessoais e familiares favoráveis ao arguido, constantes do Relatório do IRS, inserto nos autos, onde pode ler-se: «encontrar-se o arguido integrado no núcleo familiar de origem com uma dinâmica equilibrada, sublinhando-se o empenho dos pais, em apoiá-lo, com vista à sua reintegração para a vida futura».

  30. De facto a pena de prisão de 18 anos, aplicada ao jovem arguido recorrente, com apenas 18 anos de idade, sem antecedentes criminais e bom comportamento «ante e post-delictum», no limiar da idade adulta, é manifestamente exagerada e desadequada, 22. Ultrapassando largamente a culpa do agente e as exigências de prevenção, não atendendo, à personalidade e idade do mesmo, às perspectivas de socialização, ao carácter ressocializador e educativo que a pena deve revestir e bem assim às circunstâncias que depuseram a seu favor e não foram devidamente ponderadas (artigos 71º e 72º, do C.P.).

  31. As quais, caso se não entenda aplicar a atenuação especial, justificariam, à saciedade e de per si, nos termos das disposições enunciadas e tendo subjacente o espírito ressocializador e educativo do Código Penal, a redução da pena de prisão, abaixo do 18 anos, em que foi condenado.

  32. Não se fazendo, de resto, o que não se compreende, até por questões de equidade, qualquer distinção com o co-arguido Ricardo, maior de 21 anos, com mais maturidade e preparação para a vida, que viria a ser condenado em igual pena de prisão.

  33. Pelo que e sem outros considerandos, que seria fastidioso desenvolver, ao perfilhar entendimento diverso, o douto tribunal a quo, que confirmou in totum a decisão de 1ª instância, violou, por igual erro de interpretação e aplicação, pelo menos, o disposto nos artigos 40º, n.º 2, 70º, 71º, 73º, do Código Penal, e DL 401/82, de 23 de Setembro.

  34. Patenteando-se, por outro...

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