Acórdão nº 380/08.0YXLSB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Junho de 2011
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 07 de Junho de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Pretendendo exercer o direito de regresso que lhe é conferido pela alínea c) do artigo 19º do DL n.º 522/85, de 31/12, “AA - Companhia de Seguros, SA” intentou a presente acção, com processo comum, sob a forma sumária, contra BB.
Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que, no dia 7/01/2006, no circunstancialismo de tempo, lugar e modo que descreve, ocorreu um acidente de trânsito na EN 342, em Condeixa-a-Nova, em que intervieram o veículo de matrícula 00-00-00, cuja responsabilidade civil estava coberta pelo seguro que havia celebrado com o réu, proprietário e condutor, e o ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-00 conduzido por CC, a quem pagou, bem como aos passageiros desta última viatura, o correspondente pecuniário agora pedido, atribuindo a culpa do sinistro ao réu que conduzia com TAS de 0,59 g/l, perturbando-lhe os reflexos, tendo realizado uma manobra de inversão de marcha, sem ter tomado previamente as diligências necessárias, indo embater na viatura 00-00-00.
Conclui, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de 10.171,63 €, acrescida de juros de mora.
Contestou o réu, alegando, em síntese, que não fez, nem pretendeu fazer qualquer inversão de marcha. Acrescenta que a viatura que conduzia apanhou gelo e geada na estrada, despistou-se, perdendo o controle da mesma e nessa altura foi embatido pela viatura 00-00-00, cujo condutor seguia com excesso de velocidade. Mais refere que, a existir taxa de alcoolemia, ela não teve influência na dinâmica do acidente.
Deduziu pedido reconvencional e requereu o chamamento da seguradora da viatura 00-00-00, sendo tais pretensões indeferidas.
Saneado o processo e organizada a base instrutória, teve lugar o julgamento com gravação da prova, na esteira do qual o réu invocou a inconstitucionalidade orgânica do regime dos artigos152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2 do Código da Estrada, e a consequente nulidade do exame de alcoolemia efectuado e constante dos autos.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o réu no pedido.
Inconformado, apelou o réu, tendo a Relação de Coimbra, por Acórdão de 21/12/2010, confirmado na íntegra a sentença apelada.
De novo, inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1ª - A interpretação que o presente acórdão efectua da questão fundamental colocada em apreciação e que se prende com o nexo de causalidade do acidente e a condução do recorrente sob o efeito do álcool viola a jurisprudência uniformizada e fixada pelo Ac. STJ 6/2002.
-
- Não há factos no processo que possam sustentar que haja nexo de causalidade entre a perturbação dos reflexos e capacidade de reacção e a produção do acidente.
-
- Não obstante a taxa de alcoolemia, que no caso concreto era reduzida, e eventual redução de reflexos, não resultaram provados outros factos conducentes a poder-se concluir sem dúvida e inequivocamente que o despiste e consequente embate não teriam ocorrido naquelas circunstâncias se não fosse o dito grau de alcoolemia do recorrente.
-
- A verdade é que o Tribunal a quo e também o Tribunal da Relação fazem uma interpretação contrária à jurisprudência fixada (Ac. STJ 6/2002), uma vez que, não conseguindo ver esclarecida a real causa do acidente, presumem, sem fundamento probatório, que, pelo facto de o recorrente ter acusado uma TAS de 0,59 g/l, a culpa no acidente era sua.
-
- Não ficou provado, que a TAS de alcoolemia tivesse levado o seu portador a ficar com o raciocínio completamente toldado, sem atenção ao trânsito e/ou a perder o domínio do veículo.
-
- Como se refere no Ac. STJ de 06/05/2010, Processo 2148/05.6TBLLE.E1.S1, as presunções judiciais assentam no simples raciocínio de quem julga (351° do CC), sendo certo que o julgador tira uma ilação de um facto conhecido para firmar um desconhecido (349°), estando sempre presente as máximas da experiência, os juízos corrente de probabilidade, os princípios da lógica e os próprios dados da intuição humana.
-
- O tribunal não pode socorrer-se de presunções judiciais para suprir a falta de prova relativamente a factos oportunamente discutidos e apreciados em julgamento (Ac. STJ 09/10/2003, P° 03B2536 -Oliveira Barros), não podendo tais presunções assentar em factos com elas incompatíveis, designadamente se tais factos tiveram sido dados como não provados (Ac. STJ de 14/10/97 - Pereira Graça).
-
- O Supremo Tribunal de Justiça, como de Revista, aplicando definitivamente aos factos o direito, não pode censurar as ilações tiradas pelas instâncias dos factos provados com base em regras de experiência, no entanto, já as pode apreciar e sindicar se elas alterarem os factos provados e não provados.
-
- Deste modo, e não obstante ter ficado provado que o recorrente, no momento do acidente, era portador de uma TAS de 0,59 g/l, e que a mesma lhe determinou a perturbação dos reflexos e a coordenação motora, não resultou, nem pode resultar apurado o nexo causal entre tal estado e o acidente, se, por outro lado, não se deu como provado que a TAS de alcoolemia deu azo ao despiste.
-
- De acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão 6/2002 de 28/07, para que o direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido, tem a mesma, para além de alegar e provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, que alegar e provar factos de onde resulte inequivocamente o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente. O que não aconteceu nos autos.
-
- Por outro lado, o acórdão em crise, encontra-se em clara contradição com outro Acórdão do STJ, no domínio da mesma Legislação sobre a mesma questão fundamental de Direito, nomeadamente o Ac. STJ de 06/05/2010, Processo 2148/05.6TBLLE.E1.S1, cuja cópia aqui se junta e cujo conteúdo se dá integralmente por reproduzido (doc. 1).
-
- Com efeito, também se trata de um acidente de viação, em que o condutor era portador de uma TAS de alcoolemia de 1,47 g/l (bastante mais elevada do que o caso dos autos), e que perdeu o domínio da viatura, entrando em despiste e consequente embate causando danos a terceiros.
-
- Sendo a situação material e juridicamente a mesma, não pode in casu o ora recorrente ser condenado a satisfazer o direito de regresso à recorrida, quando no domínio da mesma legislação, a Relação e o STJ, decidiram pela improcedência do direito de regresso, apesar, de naqueles autos, ter sido considerado provado que o condutor, atento a TAS de alcoolemia de que era portador, tinha os reflexos e sensibilidade alterados.
-
- No caso em apreço, também e apesar de ter sido dado como provado a perturbação dos reflexos e coordenação motora do recorrente, não foi possível provar o circunstancialismo que justificasse a perda de controle do veículo por parte do condutor UT (Recorrente).
-
- Manter-se a decisão recorrida...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 616/15.0T8STS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Abril de 2017
...[10] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 865. [11] Acórdão do STJ de 7.6.2011, proc. 380/08.0YXLSB.C1.S1, in [12] Proc. nº 665/10.5TBVNO.C1, in www.dgsi.pt. [13] Acórdão da Relação de Coimbra de 29.5.2012, proc. nº 273/10.0T2AVR.C1, in www.dgsi.pt......
-
Acórdão nº 1669/18.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2020
...inferir no sentido afirmativo, deitar mão de presunções nos termos dos artºs 349º e 351º do CC – cfr. Ac. do STJ de 07.06.2011, p. 380/08.0YXLSB.C1.S1. As presunções, mais do que meios de prova são um processo mental que, com base em juízos de probabilidade, as regras da experiência e os pr......
-
Acórdão nº 1382/17.0T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2020
...3423/11.6TVLSB.L1-6, de que foi relatora Fátima Galante; e do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2011, proferido no processo 380/08.0YXLSB.C1.S1, de que foi relator Granja da A simples factualidade apurada – estado de alcoolemia de 2,83 g/L e dinâmica do acidente considerada provado em 1 ......
-
Acórdão nº 7815/19.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022
...em apreço; tudo concatenado com as regras da lógica e da experiência comum – nesse sentido vide Ac. do STJ de 07.06.2011, p. 380/08.0YXLSB.C1.S1. Conforme sucedeu. Em jeito de conclusão: a recorrente não logrou provar qualquer circunstancialismo que a pudesse isentar de responsabilidade, nã......
-
Acórdão nº 616/15.0T8STS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Abril de 2017
...[10] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 865. [11] Acórdão do STJ de 7.6.2011, proc. 380/08.0YXLSB.C1.S1, in [12] Proc. nº 665/10.5TBVNO.C1, in www.dgsi.pt. [13] Acórdão da Relação de Coimbra de 29.5.2012, proc. nº 273/10.0T2AVR.C1, in www.dgsi.pt......
-
Acórdão nº 1669/18.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2020
...inferir no sentido afirmativo, deitar mão de presunções nos termos dos artºs 349º e 351º do CC – cfr. Ac. do STJ de 07.06.2011, p. 380/08.0YXLSB.C1.S1. As presunções, mais do que meios de prova são um processo mental que, com base em juízos de probabilidade, as regras da experiência e os pr......
-
Acórdão nº 1382/17.0T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2020
...3423/11.6TVLSB.L1-6, de que foi relatora Fátima Galante; e do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2011, proferido no processo 380/08.0YXLSB.C1.S1, de que foi relator Granja da A simples factualidade apurada – estado de alcoolemia de 2,83 g/L e dinâmica do acidente considerada provado em 1 ......
-
Acórdão nº 7815/19.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022
...em apreço; tudo concatenado com as regras da lógica e da experiência comum – nesse sentido vide Ac. do STJ de 07.06.2011, p. 380/08.0YXLSB.C1.S1. Conforme sucedeu. Em jeito de conclusão: a recorrente não logrou provar qualquer circunstancialismo que a pudesse isentar de responsabilidade, nã......