Acórdão nº 7815/19.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: A Herança do decesso A. R.

, representada pelos únicos herdeiros R. M.

, e P. T.

, intentou a presente ação contra X, COMPANHIA DE SEGUROS S.

A.

.

Alegam para o efeito que são os únicos herdeiros de A. R., tendo aceite a herança.

O decesso celebrou, com a ré, em 14/11/2016, contrato de seguro de “Seguro Proteção Y Risco Pessoal”, identificado pela apólice n.º .....4, com efeitos a iniciar em 15/11/2016, sendo uma das coberturas morte ou invalidez permanente com um capital de € 30.000,00.

Em 7/10/2018, numa situação em que conduzia o seu veículo e R. M. conduzia o seu em sentido contrário, este desferiu um soco, com força, na face do decesso, fazendo com que este se desequilibrasse e caísse no solo, desamparado, tendo embatido com a parte da nuca no lancil do passeio da via. Foi assistido e veio a falecer em 15/10 em consequência das lesões traumáticas crânio meningo encefálicas que sofreu com a queda.

Comunicaram à R., pretendendo ver acionado o contrato por efeito da verificação do risco morte de A. R.

, risco esse que se achava coberto pelo contrato de seguro celebrado com a ré (artigos 1.

º e 183.

º, do DL n.

º 72/2008, de 16 de Abril), e esta declinou o pagamento visado invocando cláusula de exclusão (cláusulas 5.

ª h) e 6.

ª n.

º 1, al.

  1. e c) -exclusão de acidentes resultantes de tumultos de alterações de ordem pública e sinistros consequentes de ação ou omissão da pessoa segura sob efeito de álcool ou ações que configure crime ou negligência grave da pessoa segura), que a seu ver não se aplica.

    Pedem por isso a condenação da ré a -i. Garantir a cobertura da morte do tomador do seguro A. R., mediante o pagamento do valor correspondente ao capital segurado, ie, €30.000,00; -ii. Reembolsar das despesas com o funeral do tomador do seguro, no valor de €1.565,00; -iii. Pagar os juros à taxa legal vencidos desde a data do óbito do tomador do seguro, até ao efectivo e integral pagamento e que ascendem, na presente data aos €1.418,26.

    Juntaram documentos.

    *Citada, a ré contestou, contextualizando o ocorrido entre os condutores, aludindo à taxa de álcool no sangue, e seus efeitos sobre o falecido e influência no ocorrido. Alude por isso às citadas exclusões.

    Mais invoca a exclusão da cobertura das despesas de funeral. Impugna parte da factualidade alegada e contesta ainda a data de início de contagem de juros.

    Conclui pela verificação das exceções perentórias que invoca e pede a sua absolvição do pedido.

    Juntou documentos.

    *Notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção a A. manteve a sua versão dos factos.

    *Foi dispensada a realização da audiência prévia.

    Foi fixado o valor à ação de € 32.983,26.

    Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio, e enunciados os temas da prova.

    *Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu: “Por tudo o exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: - Condena a ré X, Companhia de Seguros, SA a pagar à herança aberta por óbito de A. R.

    , representada pelos únicos herdeiros, R. M.

    e P. T.

    , a quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros), acrescida de juros à taxa legal supletiva contados desde 25/10/2018 e até efetivo e integral pagamento; - Absolve a ré do demais peticionado.

    Custas por autores e ré, na proporção do decaimento.”*Inconformado a R. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- (que se reproduzem) I. A Recorrente “X – Companhia de Seguros, S.A.” intentou o presente recurso visando, desde logo, a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto do artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, por entender que a resposta negativa aos pontos xii), xiii) e xiv) deveriam ter sido dados como provados, impondo-se por essa razão, a sua reanálise e alteração nos termos constantes do presente recurso.

    1. A Recorrente interpõe, ainda, o presente recurso por não concordar com o teor da sentença recorrida, uma vez que a mesma, salvo o devido respeito, não consubstancia a rigorosa aplicação do direito, razão pela qual não concorda com as conclusões retiradas e a decisão proferida, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que faça uma correcta aplicação do direito.

    2. Da análise da prova carreada para os autos, designadamente das declarações do médico Dr. P. L., decorre, desde logo, os efeitos decorrentes da taxa de álcool apresentada pelo falecido A. R., e que, no entendimento da Recorrente, não foram devidamente valoradas e avaliadas, atendendo ao caso concreto nos autos e às circunstâncias que ditaram a morte de A. R., pelo que andou mal o Tribunal a quo quando considerou como não provados os pontos xi), xii), xiii) e xiv) devendo estes serem considerados como provados.

    3. No que concerne às circunstâncias da morte de A. R., podemos tomar por certo, atendendo à matéria de facto dada como provada, que este, desde logo, provocou a altercação com R. M., ao dirigir-se ao veículo onde se encontrava R. M. e agredindo este último.

    4. Atente-se que A. R., com uma taxa de 2,25 g/l de álcool no sangue, encontrava-se, desde logo, a conduzir um veículo automóvel, encontrando-se a praticar, desde logo, um crime.

    5. Atento o depoimento da testemunha P. L., desde logo se percebe, que a reacção, anormal e exagerada, à falta de outra motivação, apenas pode ser atribuída à influência do álcool, bem como o ímpeto de agressão perante o aludido R. M., agressão que levou a cabo, quando este ainda se encontrava dentro do seu veículo.

    6. E no que concerne à queda, o agravamento do resultado apenas pode ser atribuído ao estado de embriaguez em que se encontrava o aludido A. R., dado que nem sequer tem a capacidade e o ímpeto de tentar amparar a queda.

    7. De uma mera queda da altura do próprio corpo da vítima, não é expectável que, sem algum outro factor, decorra as lesões que motivaram a morte de A. R., sendo certo que a queda foi motivada pelo excesso de álcool, dado que a coordenação motora se encontrava severamente afectada.

    8. Atenta a taxa de álcool que o falecido A. R. apresentava aquando da ocorrência das lesões, bem como das concretas circunstâncias em que a mesma ocorreu, da prova produzida, quer a documental (designadamente, certidão do processo crime), quer a produzida em audiência de julgamento, deveria o Tribunal a quo ter concluído que a morte de A. R. ocorreu em virtude da taxa de álcool no sangue de 2,25 g/l, recorrendo às presunções judiciais.

    9. A relação causal entre o excesso de álcool no sangue e o acidente não se directa, perceptivelmente, mas por presunções a partir do conjunto de circunstâncias concretas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.11.2006, disponível em www.dgsi.pt).

    10. Segundo orientação pacífica da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, é legítimo o recurso à utilização pelas instâncias de presunções judiciais em que através delas se obtém a prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, podendo e devendo ser utilizado, nos presentes autos, o mesmo raciocínio.

    11. Nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, o juiz deve extrair “dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

    12. Atentas as circunstâncias que ditaram a morte de A. R. e a prova produzida, é seguro afirmar-se que, não fosse o excesso de álcool (2,25 g/l de sangue, relembremos), o mesmo não teria, desde logo, provocado a altercação nem agredido R. M., nem teria, certamente, caído no solo de forma desamparada, provocando, assim, as lesões de que veio a falecer.

    13. Estando demonstrada a existência de uma taxa de álcool superior à legalmente admitida (facto-base) e sabendo-se que essa quantidade de álcool influência a coordenação motora e alterações comportamentais (máxima da experiência), não existindo qualquer outra razão justificativa para os actos do próprio sinistrado, é legítimo entender-se que a morte se deveu à influência da taxa de alcoolemia.

    14. Deveria ter considerado como provado, atenta a prova produzida e, e bem assim, através de presunções, os factos dados como não provados sob o ponto xii), xiii) e xiv) da matéria de facto dada como não provada.

    15. O âmbito da cobertura prevista nos contratos de seguro, resulta, por um lado, da enunciação dos riscos cobertos pelo contrato e, por outro lado, daqueles que não se encontram cobertos, designadamente as cláusulas de exclusão.

    16. Desde logo, a ora Recorrente invocou, com interesse para o presente recurso, duas exclusões, designadamente as constantes do artigo 6.º (Exclusões), n.º 1, b) e c) das Condições Gerais.

    17. O falecido A. R. ao conduzir um veículo automóvel animado por uma taxa de álcool no sangue de 2,25 g/l, cometeu um acto criminoso contra a sua própria vida (artigo 291.º do Código Penal).

    18. O estado de euforia, agitação, nervosismo e falta de lucidez com que o falecido A. R. motivou a altercação e, bem assim, a agressão física de R. M..

    19. De igual forma, a falta de equilíbrio, de coordenação e de percepção da realidade motivou, igualmente, o desequilíbrio e consequente queda na sequência do soco de R. M..

    20. O falecido A. R., ao ingerir bebida alcoólicas que determinaram que se encontrasse animado com a referida taxa de álcool praticou diversos ilícitos criminais, designadamente, de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez e ofensa à integridade física e colocou-se numa situação de descoordenação e de ausência de noção da realidade, razão pela qual, quando R. M. respondeu à agressão que foi vítima, desequilibrou-se e caiu no solo.

    21. A taxa de álcool de 2,25 g/l (taxa constitutiva de crime para quem, desde logo, conduza veículos, como o falecido A. R. fazia no caso dos presentes autos), a agressão física que provocou a altercação com R. M., e, bem assim, a cláusula de exclusão do artigo 6.º, n.º 1, c) das Condições Gerais, é suficiente, só por si, não assistir aos...

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