Acórdão nº 1669/18.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
A (…), por si e na qualidade de representante legal do seu filho menor M (.
instaurou contra O (…), S.A. e B (…), SA., acção declarativa, de condenação, com processo comum.
Alegou: Que assinou, bem como o seu falecido marido, um mútuo com o 2º R., que lhe apresentou uma proposta de seguro de vida associado ao crédito, sem lhes ter entregue as cláusulas do contrato de seguro que estavam a subscrever, nem lhes tendo sido explicadas as cláusulas gerais e especiais do mencionado seguro, nomeadamente as exclusões, sendo a respetiva cláusula nula.
Que o marido contratante faleceu na sequência de acidente de viação, recusando-se a R. O (…) a liquidar ao 2º R. o crédito que o mesmo segurava, sendo o R. Banco responsável por ter sido quem contratou com a A. e marido o contrato referido.
A cláusula que define a situação de invalidez absoluta e definitiva é nula, por falta dos deveres de prévia e adequada comunicação e do dever de informação, ao abrigo do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10.
Pediu.
A condenação da Ré Seguradora: - a cobrir o risco verificado, sendo obrigada a pagar ao Réu banco o capital em dívida à data do sinistro, para amortização integral dos empréstimos concedidos à Autora e seu então marido, e - a devolver à Autora as quantias desta recebidas para amortização das prestações devidas, pagas desde a data do sinistro e até à data de entrada da presente ação, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação, e vincendos até integral pagamento, mantendo o demais decidido.
Os réus contestaram.
- A R. O (…) disse que não foi cumprido o prazo de participação do sinistro, e ainda que do relatório de autópsia do falecido consta que era portador de uma TAS de 2,39 g/l, que preenche uma cláusula de exclusão prevista nas condições gerais da apólice, pois a morte resulta de factos decorrentes de embriaguez, não se encontrando coberta pelas garantias de cobertura do contrato de seguro.
- O R. Banco, alegou que o contrato de seguro foi celebrado num seu balcão, tendo as suas cláusulas sido explicadas à A. e seu falecido marido, nomeadamente as coberturas e exclusões, que a A. e falecido marido aceitaram.
Concluíram pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Respondeu a A., impugnando o nexo de causalidade entre o consumo do álcool e o acidente verificado como causa da morte do falecido marido, concluindo como na petição inicial.
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Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Face ao exposto, julga-se totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo as Rés O (…), S.A., e o Réu B (…) SA, dos pedidos contra eles formulados pela Autora A (…) 3.
Inconformada recorreram os autores.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1º A culpa do sinistrado terá sempre que ser apreciada, não em relação a um tipo abstracto de comportamento, mas em concreto, caso a caso.
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Não resulta dos autos e dos factos provados que o acidente se ficou a dever ou que a razão de ser ou explicação do sinistro, a uma conduta negligentemente grosseira por parte do sinistrado.
3º Desconhece-se, nomeadamente, se e em que medida a taxa de álcool que o Autor apresentava contribuiu para o sinistro.
4º E se assim é, a sentença enferma pela falta do segundo elemento essencialmente constitutivo da descaracterização, ou seja a exclusividade.
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É necessário e indispensável provar a existência de um nexo de causalidade entre esse grau de alcoolemia e o acidente.
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Com toda a certeza e clareza que destes factos não se pode concluir que o acidente se ficou a dever e como causa exclusiva, à TAS de que a vítima era portadora.
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Ficou-se sem saber qual ou quais os motivos que levaram o sinistrado a perder o controlo do seu veículo, até porque ninguém assistiu ao acidente que poderá ter sido provocado por um sem número de causas totalmente alheias à TAS de que era portador.
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Desconhece-se se o acidente terá sido provocado por outro veículo, por um animal ou até mesmo por uma causa mecânica que o tivesse provocado.
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Estes factos não se presumem e era aos Réus/Recorridos que incumbia o respectivo ónus da prova.
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Não logrou a sua prova, pelo que não pode concluir-se pela descaracterização do acidente com base na existência de negligência grosseira da vítima que fosse causa exclusiva da produção do acidente.
11º Na verdade, dos factos provados, não é possível concluir que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira da vítima.
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E muito embora da matéria provada resulte o estado de alcoolemia em que se encontrava o sinistrado, bem como as eventuais repercussões que o mesmo tinha nas suas capacidades sensoriais, certo é que não foi dado como provado que essa repercussão se postasse como a única e exclusiva causa da perda do domínio do veículo conduzido pelo A. e do consequente despiste.
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Não resulta dos autos e da sua matéria assente que a verificação do despiste e acidente em causa, se haja ficado a dever a culpa exclusiva da TAS do sinistrado.
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Não se sabe, por não provado, se o despiste do veículo conduzido pela vítima, se ocorreria na mesma, mesmo que o sinistrado não fosse portador daquela TAS.
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Como é óbvio, o comportamento do sinistrado, não deixa de ser temerário e negligente.
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Mas daí a concluir-se que esse comportamento foi causa ou causa exclusiva do acidente, não é legítimo nem resulta dos factos provados.
Ao decidir tal como o fez, a Mª Juíza fez uma incorrecta interpretação dos factos dados como provados e uma incorrecta aplicação do direito aplicável.
Contra alegou a ré ocidental, pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: 17. Conforme resulta do MANUAL DO ENSINO DA CONDUÇÃO emitido pelo IMTT “Após a ingestão de bebidas alcoólicas, o processo de absorção inicia-se de imediato e o álcool entra directamente no sistema circulatório, atingindo rapidamente o cérebro, afectando as capacidades cognitivas e perceptivas do condutor, em especial a visão e a audição. Reduz o campo visual, a capacidade de exploração visual, a visão dupla e redução da capacidade de readaptação após encadeamento. Também afecta a capacidade de reacção, aumenta a descordenação motora e a capacidade de avaliação das distâncias, promove a tendência para a sobrevalorização das capacidades e, consequentemente aumenta o risco de acidente”.
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Em igual sentido aponta o parecer emitido pelo INML quando ali se salienta que “São múltiplos os estudos comportamentais efetuados que provaram inequivocamente a existência de uma relação entre a Taxa de Álcool no Sangue (TAS) e a degradação da capacidade de conduzir. É perfeitamente conhecido que a degradação das funções nervosas superiores provocada pelos estados de intoxicação alcoólica prejudica a capacidade de condução, aumentando, consequentemente, o risco de acidente”.
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“(…) As perturbações surgem para tarefas que requerem o processamento simultâneo de várias fontes de informação, isto é, o álcool reduz a capacidade para coordenar diversas tarefas. Da deterioração da análise das aferências sensoriais e da organização de respostas motoras resulta pois diminuição do poder de diversificar a atenção, menor capacidade e rapidez de decisão, aumento dos tempos de reação e descoordenação de movimentos (…)”.
20. O referido PARECER salienta que para o nível da TAS de que o sinistrado era portador, as características para o mesmo seriam as seguintes: “Estadio 3 – “Excitabilidade”, com um intervalo de TAS entre 0,9-2,5 g/l: Instabilidade emocional, perda de juízo crítico; Prejuízo da percepção, memória e compreensão; Diminuição da resposta sensitiva; Aumento dos tempos de reação; Redução da acuidade visual e da visão periférica; Diminuição das capacidades cognitivas e motoras com prejuízo no equilíbrio; Fala arrastada, vómitos e sonolência”.
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Há, portanto, um nexo de causalidade entre a morte da Pessoa Segura e a embriaguez pelo que as circunstâncias em que ocorreu o acidente encontram-se no âmbito da exclusão prevista no art.º 6°, n.° 1, alí- nea g) das Condições Gerais da apólice e, como tal, a Ré declinou a responsabilidade pela regularização do sinistro.
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A douta decisão do Tribunal a quo não merece, pois, qualquer tipo de reparo devendo a douta Sentença manter-se in totum.
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Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: Procedência da acção.
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Apreciando.
Liminarmente.
Os autores, no corpo das suas alegações, insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de facto, parecendo querer ver provados os factos dados como não provados Neste campo importa ter presente as exigências legais dimanantes, desde logo, do plasmado no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95, a saber: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º...
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