Acórdão nº 280/07.0TBGVA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução12 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – No Tribunal Judicial de Gouveia, AA, BB e “CC, Lda” intentaram a presente acção declarativa, que corre termos sob a forma ordinária, contra: DD e EE, e “FF — Sociedade de Restauração, Lda”.

Alegaram, em síntese, que: Eles, autores AA e BB, compraram aos réus DD e EE uma fracção autónoma destinada a comércio, serviços, restauração ou qualquer indústria compatível da classe D, na qual estava em funcionamento um estabelecimento de restauração propriedade da sociedade ré, que foi objecto de trespasse a favor dela, autora.

Em cada um dos negócios, pagaram € 75 000,00, apesar de a ré só ter facturado € 45 000,00 pelo trespasse.

Os réus garantiram que não havia nenhum problema, estava tudo legal e em bom funcionamento.

Porém, a Câmara Municipal de Gouveia exigia que a conduta de fumos existente não afectasse terceiros; Além disso, havia diversas queixas de condóminos, situações que, se fossem do conhecimento deles, autores, os levaria a não celebrar os negócios, como era do conhecimento dos réus.

Posteriormente, foram notificados que teriam de proceder a obras, que não estão na disposição de realizar, sendo certo que anteriormente os réus haviam sido alertados para realizar tais obras, sem o fazerem.

Têm, assim, o direito à anulação do negócio, sem prejuízo da nulidade do trespasse por inobservância da forma legal, além do facto de os bens comprados não estarem em condições de cumprir cabalmente as funções a que se destinam.

Por outro lado, recorreram a financiamento bancário para outorga dos negócios, contratos bancários pelos quais vêm pagando juros e impostos, devendo ainda uma comissão pela amortização dos empréstimos, caso a anulação proceda.

E arcaram ainda com despesas.

Tendo sofrido os danos não patrimoniais que referem.

Pediram, em conformidade, que: 1. Sejam anulados os contratos de compra e venda e trespasse referidos, respectivamente, nos artigos 10 e 2°, e 6° da petição inicial, com as legais consequências, designadamente a da restituição do preço de € 150.000,00, acrescidos de juros à taxa anual de 4% desde a citação; 2. Sejam os réus solidariamente condenados a pagarem-lhes: Uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de € 6 544,94, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento; A quantia que se vier a apurar no decurso deste processo ou em execução ulterior no que concerne aos juros, impostos e despesas bancárias que vierem a ser pagas em virtude dos dois empréstimos contraídos e referenciados na acção.

Contestaram os réus, sustentando que: A sociedade autora comprou à sociedade ré os equipamentos que constam de relação junta com a petição inicial e que o preço da compra e venda da fracção ascendeu a € 105 000,00, sendo dois negócios distintos.

A autora BB teve conhecimento, antes da celebração dos negócios, da questão suscitada pela Câmara Municipal de Gouveia a propósito da exaustão de fumos, entre outras questões.

O estabelecimento comercial que pertencia à sociedade ré estava licenciado, sendo que a condição colocada pela Câmara Municipal de Seja não tem relevância, razão pela qual os réus não omitiram nem deram a conhecer aos autores as condições constantes do auto de vistoria.

Eles, réus DD e EE, sempre assumiram a responsabilidade pela realização das obras necessárias.

As questões respeitantes à exaustão de fumos só não foram ainda resolvidas por obstrução dos autores AA e BB.

II – A acção prosseguiu e, na altura oportuna, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: “Pelo exposto decide o Tribunal: 1. Na procedência da acção, declarar anulados os contratos de compra e venda e trespasse aludidos em 1 e 18 da matéria de facto provada, com as legais consequências, designadamente a da restituição do preço de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa de 4% (quatro por cento), a contar da data da citação e até integral e efectiva restituição.

  1. Condenar ainda os réus a pagar aos autores a quantia de € 3 544,94 (três mil quinhentos quarenta e quatro euros noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% (quatro por cento), a contar da data da citação e até integral e efectivo pagamento.

  2. Condenar ainda os réus a pagar aos autores a quantia que se vier a determinar em sede de incidente de liquidação respeitante aos juros e impostos suportados e a suportar pelos autores no âmbito dos contratos de empréstimo aludidos em 23 da matéria de facto provada.” III – Apelaram os réus, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença.

    IV – Ainda inconformados, pedem revista.

    Concluem as alegações do seguinte modo: 1. Entendido como a transmissão definitiva inter vivos gratuita ou onerosa, da titularidade de estabelecimento comercial, o trespasse importa, em princípio, a transferência, em conjunto, das instalações, mercadorias, utensílios e direitos inerentes à organização empresarial que constitui.

  3. O estabelecimento comercial constitui, segundo a doutrina tradicional, uma universalidade de direito (universitas iuris), um complexo ou unidade económica que integra vários elementos, corpóreos e incorpóreos - bens móveis e imóveis, direito ao uso do nome do estabelecimento, organizados para a produção.

  4. Enquanto universalidade, o estabelecimento comercial não pode ser decomposto, atomizado, nos seus elementos componentes, mas pode existir desde que haja um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros.

  5. Dos factos apurados pelas instâncias, não resulta que tenha havido a transmissão da sociedade R. para a sociedade A., dos elementos que constituem o mínimo que constitui, o âmbito necessário do estabelecimento como matéria disponível, factos que integram a causa de pedir - contrato de trespasse - o que conduz inevitavelmente à improcedência da acção.

  6. O acórdão recorrido ao confirmar a sentença proferida em 1ª instância, e declarar a existência de um contrato de trespasse violou o disposto no artigo artº 1112º nº 2 alínea a) do Código Civil.

  7. Por isso, violou o disposto no artigo 342º nº 1, e aplicou mal os artigos 253 n.º1 e 254º nº 1 todos do Código Civil; mas mesmo quando se não admita este entendimento 7. E mesmo que se considere em face da matéria de facto apurada pelas instâncias que foi celebrado entre a A. "CC, LDA., e a R. "FF - SOCIEDADE DE RESTAURAÇÃO LDA., um contrato de trespasse, o mesmo seria nulo por inobservância da forma legal, prevista no nº 4 do artigo 1 112º do Código Civil, por força do disposto no artigo 220º do mesmo código.

  8. Os A.A. pediram a anulação dos contratos de compra e venda e trespasse referidos, respectivamente, nos art.ºs 1 e 2 e 6 da p.i., com as legais consequências, designadamente a da restituição do preço de 150 000,00 € aos A.A. 75 000,00 € aos primeiros e 75 000 € à segunda, acrescido de frutos civis (juros) à taxa de 4% desde a citação; 9. A destruição do contrato viciado, decorrente da sua anulação por dolo, projecta-se retroactivamente, como determina o artigo 289º nº 1 do C. Civil, através da restituição pelo vendedor do preço recebido e pela (re)afectação jurídica (ao vendedor) do bem vendido, ou do valor correspondente, caso a restituição em espécie não seja possível, dada a natureza recíproca do dever de restituir, decorrente do artigo 290º do C. Civil.

  9. Por aplicação dos preceitos legais atrás mencionados, a decisão a proferir deverá sempre ordenar: a restituição pelos R.R. DD, EE, aos A.A. AA, BB do preço recebido pela venda da fracção - € 75 000,00, acrescido de frutos civis (juros) à taxa de 4% desde a citação, e destes aos R.R. da fracção autónoma adquirida, ou do valor correspondente, caso a restituição em espécie não seja possível; bem como, a restituição pela R. "FF - SOCIEDADE DE RESTAURAÇÃO LDA., à A. "CC, LDA. do preço de € 75 000,00, acrescido de frutos civis (juros) à taxa de 4% desde a citação, e desta à R. dos bens adquiridos, ou do valor correspondente, caso a restituição em espécie não seja...

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