Acórdão nº 00518/12.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | Margarida Reis |
Data da Resolução | 17 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório J., com os demais sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 2016-05-18 que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2682201201000… e apensos que o Serviço de Finanças de (...) move contra si por reversão de dívidas referentes a Retenção na Fonte de IRS dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, no valor de EUR 568.523,05 e juros compensatórios no valor de EUR 48.421,45 de que é devedora originária F(...), Lda., vem dela interpor o presente recurso.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: F) Conclusões 1. A Sentença é nula (art. 615.º, n.º 1, a]. e) e n.º 4 do CPC) e/ou ilegal (por violação do art. 23.º da LGT), porque o juiz a quo não se pronunciou sobre questão que teria de apreciar - a suficiência dos bens do primitivo executado - quer pela sua relevância (é um dos requisitos da reversão), quer porque foi devidamente suscitada na PI.
-
Não existe a fundada insuficiência de bens penhoráveis do primitivo executado, que possui créditos sobre terceiros, de valor superior à dívida exequenda e de reconhecida consistência e valor económico.
-
No Despacho de reversão já se conhecia este ativo.
-
O recorrente não era um gerente de facto da Sociedade primitivamente executada. A sentença é ilegal, por errada perceção dos factos (e o ónus da prova é da AT) e violação do direito (art. 23.º e 24.º da LGT).
-
Um procurador como o recorrente não é um gerente de direito e/ou de facto da Sociedade: os atos do representante produzem os seus efeitos na esfera jurídica da Sociedade representada (art. 258.º e 1178.º do Código Civil).
-
As procurações concediam poderes limitados ao procurador, que atuou sempre nos seus limites - para coordenar a parte financeira e diligenciar o trespasse.
-
Está provado no processo, por testemunhas e confissão das partes (quer do devedor [o recorrente], quer do credor [o atual gerente da Sociedade]), que o recorrente negociou o trespasse (nos termos previstos na procuração) e que recebeu as quantias do trespasse, de forma precária e provisória, a título de fiel depositário, por acordo com a Sociedade, apenas para assegurar que a Sociedade mantinha os valores necessários para honrar eventuais compromissos futuros perante fornecedores e Finanças.
-
Os depoimentos do Dr. M. (sócio gerente da Sociedade) nada provam contra o recorrente. Ele era o principal interessado na “incriminação” fiscal do recorrente, para com isso se esquivar da sua responsabilidade subsidiária fiscal, como gerente da Sociedade.
-
O testemunho indireto (J. afirma que a Dr. I. lhe disse ... e que o recorrente lhe assegurou ... ) não possui qualquer valor probatório.
-
Quanto se diz que o recorrente não procedeu ao pagamento destas dívidas fiscais por as considerar indevidas e ilegais - não se está a referir à sua qualidade de gerente de facto da Sociedade, mas de revertido a título pessoal. Não está a representar a Sociedade; mas a falar de um ato privado da sua própria esfera jurídica (enquanto devedor pessoal destas dívidas, por efeito da reversão).
-
A falta de prova sobre o conhecimento e pronunciamento dos outros gerentes (a sociedade devia ou não pagar estas liquidações) é irrelevante para a prova de gerência de facto do recorrente: essa prova compete à AT; e a gerência da Sociedade (via J.) pronunciou-se sobre o tema, optando por não pagar as liquidações, por falta de liquidez da Sociedade.
-
O recorrente não interferiu nem se imiscuiu em inúmeras áreas da Sociedade (não indo para lá dos limites dos poderes outorgados nas procurações que detinha): na parte comercial; na ligação com os fornecedores; no relacionamento com o pessoal...
-
O recorrente não recebia salário da Sociedade; não dava ordens; não lidava com fornecedores e clientes; não contratava o pessoal nem decidia a vida da empresa - e sem essa prova, é ilegal assumir a gerência de facto, como faz a Sentença recorrida.
-
O recorrente estava totalmente empenhado noutros negócios (e não tinha tempo físico e mental para ser gerente de facto da Sociedade) e os seus colaboradores nem conheciam esta sua atividade na Sociedade.
-
A sentença é nula (art. 615.º, n.º 1, al. d) e e) do CPC) e ou ilegal (por ilegal fundamentação a posteriori), pois estriba a sua argumentação no art. 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, quando a reversão se sustenta noutros regime legais e claramente distintos: no art. 28.º, n° 3, da LGT (imposto) e no art. 24.º, n.º 1, al. a), da LGT (juros).
-
A diferença não é de somenos: a Sentença indica que o ónus da prova da (não) culpa é do recorrente quando a AT, no despacho de reversão está preocupada com coisas diversas: a prova pela AT da gerência culposa (juros) - art. 24.º, n.º 1, al. a), da LGT; e a qualificação do rendimento (lucro) e sua apropriação a i00% pelo recorrente - para assim funcionar o art. 28.º, n.º 3, da LGT.
-
O despacho de reversão, na responsabilização subsidiária do recorrente, assume que o mesmo já não era gerente de facto da Sociedade em Janeiro de 2012 (data limite de pagamento voluntário das liquidações contra a Sociedade). A Sentença assume este facto que não consta do objeto do processo; e perante isso procede a um claro erro de julgamento colocando o ónus da prova da culpa no recorrente, quando o mesmo compete ao recorrido.
-
A Sentença não se debruça sobre o objeto central do processo (na interpretação e aplicação do art. 28.º, n.º 3, da LGT): se o recorrente se apropriou a loa% dessas quantias (lucros anuais e valor do trespasse) e se o fez como distribuição de lucros ou a título de fiel depositário (numa relação de crédito).
-
Não estão provados os factos em que assenta a aplicação do art. 28.º, n.º 3, da LGT: nem a falta de património do devedor principal; 20. Nem a natureza dos pagamentos em causa: o recorrente não os assume como distribuição oculta de lucros, mas na sua qualidade de fiel depositário (criando-se assim uma relação de crédito - débito entre si e a Sociedade).
-
A Sentença nunca prova que o recorrente era o sócio de facto da Sociedade. Não se pode advogar a distribuição de lucros a quem como o recorrente não é sócio da Sociedade (nominal ou de facto). E essa prova competia à AT.
-
Mesmo que o recorrente fosse gerente de facto da Sociedade (que não é) - tal facto nunca permite presumir que é também automaticamente sócio de facto da Sociedade (ou que a quantia recebida o foi a título de distribuição de dividendos ou lucros).
-
Mesmo que se acaso se aplicasse o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, a verdade é que o recorrente efetuou prova da sua ausência de culpa no não pagamento das dívidas fiscais e/ou deterioração do património societário.
-
Por sua intervenção, como procurador, conseguiu diligenciar para que a Sociedade fizesse um trespasse de estabelecimento, arrecadando efetivamente mais de 2,4 milhões de euros. A Sociedade tinha assim património mais do que suficiente para cumprir estas obrigações fiscais.
-
A Sentença é ilegal, por violação do art. 23.º da LGT e art. 278.º do CPPT: na pendência de reclamação judicial com efeito suspensivo e subida imediata - como no caso - o processo de execução fiscal está suspenso e aí não podem ser praticados quaisquer atos ou diligência, como a produção do ato de reversão do processo de execução fiscal contra o recorrente, sob pena de ilegalidade (violação do efeito suspensivo).
-
Esse vício não é sanável (ainda que a reclamação venha a improceder no futuro): a ilegalidade é um vício genético, que ocorre aquando da decisão da reversão.
-
Esta solução não cria atrasos injustificados e receios de desproteção do Estado: o prazo para a Reclamação é de 10 dias (art. 276.º do CPPT), a Reclamação é um processo urgente (art. 278.º, n.º 5, do CPPT), e durante a Reclamação suspendem-se os prazos de prescrição (art. 49.º, n.º 4, da LGT).
Termina pedindo: Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente, com a nulidade/ilegalidade da Sentença recorrida, com todas as consequências legais*** A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
*** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
*** Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
***Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, há que apurar se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, ou dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.
-
Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: 3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1.
Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade: 1.
Com data de 10 de Julho de 2012, no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 2682201201000… e apensos em que figura como devedora originária a sociedade “F (...), Lda.”, foi o Oponente citado para a reversão de dívidas de IRS - Retenção na Fonte, referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, no valor total de E 568.523,05 e juros compensatórios no valor de € 48.421,45 - cfr. fls. 44 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, o mesmo se dizendo em relação às demais que seguem.
-
-
A citação para a reversão teve por fundamento o Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de (...), datado de 10 de julho de 2012, nos seguintes termos: “Pela factualidade documentada no processo executivo, constata-se a inexistência de bens pertencentes à executada F (...), Lda., contribuinte n.º (…), com sede na Rua...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO