Acórdão nº 975/10.1T2AGD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada por M (…), por si e como legal representante de sua filha menor, A (…) contra MD (…), PR (…) e SG (…), estes vieram deduzir oposição à execução, alegando, em síntese; - subjacente às “declarações de dívida” e letras dadas à execução está a celebração de um contrato de trespasse, onde as partes não declararam o valor real, com o intuito de os exequentes se furtarem ao pagamento de impostos, tendo o pagamento da diferença de valor sido assumido através daquelas “declarações de dívida”; - os executados tiveram que suportar os custos com as obras de isolamento térmico e acústico do estabelecimento em causa, no valor de € 83 248, a cujo pagamento se obrigaram os exequentes através do referido contrato de trespasse; - para realização das obras tiveram que parar o estabelecimento comercial durante a época balnear, pelo que sofreram um prejuízo no valor de € 66 752.

Pretendem, assim, obter a compensação dos valores referenciados com o da quantia exequenda e concluem que não houve qualquer incumprimento da sua parte, pelo que não são devidos os juros pedidos pelos exequentes.

Os exequentes contestaram pugnando pela improcedência da oposição à execução, dizendo, além do mais, que não existe qualquer ligação entre o “empréstimo” que é base das letras dadas à execução e o trespasse entre duas sociedades invocado pelos oponentes/executados e que não se verificam os requisitos para aplicação do instituto da compensação, porquanto o contrato de trespasse obriga a “O(…), Lda.”, e a “P (…), Lda.”, e não os sócios enquanto pessoas singulares. Pedem ainda a condenação dos oponentes como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e dispensou-se a selecção da matéria de facto.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal julgou a oposição parcialmente procedente, operando a invocada compensação de créditos, com a consequente redução da quantia exequenda no montante de € 83 248 (oitenta e três mil, duzentos e quarenta e oito euros), e, atenta a simulação de preço efectuada em sede de contrato de trespasse – com o intuito de evitar o pagamento de obrigações fiscais –, ordenou o envio de diversos elementos do processo ao DIAP de Aveiro e ao Serviço de Finanças de Ílhavo, para os efeitos tidos por convenientes.

Inconformados com o assim decidido e visando a sua revogação e a improcedência da oposição, os exequentes interpuseram recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - As confissões de dívida e as letras de câmbio, juntas com o requerimento executivo, não foram impugnadas pelos executados, e não foi posta em causa a sua assinatura nesses documentos apesar de expressamente imputada aos executados, pelo que os documentos dados à execução são documentos particulares com força probatória plena, por a respectiva assinatura estar aceite ou pelo menos não impugnada pelos executados.

  1. - Resulta dos documentos executivos, nomeadamente das confissões de dívida, que a exequente M (…) e seu falecido marido “emprestaram a quantia de € 75 000” e que os executados se “comprometem a pagar o aludido montante…”, factos plenamente provados pelo documento particular assinado pelos executados, até porque são contrários aos seus interesses.

  2. - Nos termos do art.º 393º, n.º 2 do Código Civil/CC, não podem provar-se factos contrários às aludidas declarações, nomeadamente, que o referido montante corresponde a um negócio diferente que não o empréstimo e que o empréstimo afinal vence juros, pelo que, admitida a prova testemunhal, os exequentes apresentaram, logo a seguir à produção de prova, requerimento a arguir a nulidade da prova testemunhal produzida pelas testemunhas (…), dado que, nos termos dos art.ºs 393º, n.º 2 e 394º, do CC, é inadmissível essa prova testemunhal, por contrária a documentos autênticos ou pretender a prova de contrato simulado.

  3. - Entendeu o tribunal recorrido que tal não se verificava, por haver um princípio de prova escrito que permitia essa admissibilidade de prova e indeferiu o requerido.

  4. - Esquece esse despacho que o contrato-promessa de trespasse, sendo assinado pela exequente e seu falecido marido, estes fazem-no na qualidade de gerentes de uma sociedade e que o empréstimo é a título pessoal, o mesmo se passando com o contrato de trespasse, em que nem os executados actuam a título pessoal.

  5. - Não existe princípio de prova nenhum quanto à relação de mútuo entre os exequentes e os executados e no que se refere à confissão de dívida substituída, ela refere o normal desenrolar de negociações do pedido de empréstimo, que entretanto foi reduzido.

  6. - Os documentos que se referem ao princípio de prova escrito não têm qualquer conexão com o caso concreto, por serem diferentes as pessoas jurídicas intervenientes nos documentos considerados como princípio de prova, sendo certo que estas soluções doutrinárias não têm consagração jurisprudencial, pela incerteza que acarretavam, nomeadamente quando se verifica, como no caso concreto, o falecimento de um interessado e o aproveitamento pelos devedores desse facto e pretendendo a lei assegurar através da proibição do art.º 394º, do CC, que não seja usada a prova testemunhal, em si mesma muito falível porque adaptável às circunstâncias, para obter um efeito destruidor dos objectivos do declarado no documento, cuja assinatura será a expressão de maior ponderação de quem assina.

  7. - Mostram-se violados pela decisão recorrida os comandos dos art.ºs 374º, 376º e 393º, n.º 2, do CC, pelo que tem de ser revogado o despacho que indeferiu a arguição de nulidade da produção de prova testemunhal contrária aos documentos que foram invocados como títulos executivos.

  8. - Suscitam também os opoentes que os documentos que servem de base à execução são documentos simulados.

  9. - Como não houve qualquer declaração da exequente e de seu falecido marido não se vê onde possa haver simulação, sendo certo que os executados confessam uma dívida aos exequentes, como pessoas físicas e individualmente consideradas e o eventual negócio dissimulado seria entre a sociedade de que a exequente e seu falecido marido eram gerentes e outra sociedade que os executados constituíram.

  10. - As “declarações de dívida” foram subscritas em 15.4.2007 [documentos 1 e 5 juntos como títulos executivos] e o contrato de trespasse celebrado entre as duas sociedades ocorreu em 30.4.2007, sendo certo que se não entende como fossem a exequente M (…) e seu falecido marido assumir como rendimentos pessoais, sujeitos a IRS com taxas progressivas, rendimentos que eram de uma sociedade, sujeita a IRC, a taxa fixa mais baixa aos quais eram descontadas despesas efectuadas, sendo, por isso, por demais evidente a inexistência de qualquer negócio simulado.

  11. - Mesmo que houvesse negócio simulado, não podiam os executados provar a sua existência com recurso a prova testemunhal, pois o art.º 394º, n.º 2, do CC, determina “a proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores”, pelo que não podiam os executados vir demonstrar a existência desse acordo por testemunhas, nem sequer com base em princípios de prova escrita.

  12. - Por isso, os exequentes apresentaram o supra referido requerimento, que foi indeferido, mas sem que seja apresentada nenhuma justificação específica quanto ao caso da simulação e violando o disposto no art.º 394º, n.º 2, do CC, pelo que tem de ser revogado o despacho que indeferiu a arguição de nulidade da produção de prova testemunhal usada pelos executados como simuladores tendente à prova do acordo simulatório do negócio dissimulado.

  13. - A matéria de facto das alíneas O) a S), conforme se alcança da fundamentação respectiva, foi considerada provada “com base nos documentos 45 a 52 dos presentes autos, aliados aos depoimentos das testemunhas (…) que na altura estavam à frente da imobiliária que intermediou a celebração do negócio entre os exequentes e os executados e as respectivas sociedades, merecendo a credibilidade do Tribunal pela forma isenta, clara e objectiva com que os prestaram”.

  14. - Se há situação em que as testemunhas não foram isentas foi a presente, pois declararam ser parentes do executado MD (…), o que devia ter levado o julgador a ser mais cauteloso na apreciação do seu depoimento e, além disso, não foram as referidas testemunhas tão peremptórias na ligação das “confissões de dívida” com o contrato, quando confrontadas com as datas em que as declarações foram emitidas e o contrato celebrado.

  15. - As questões dadas como provadas nas alíneas O) a S) devem ser respondidas como não provadas, com base nos depoimentos das aludidas testemunhas.

  16. - Por estarem em contradição com factos provados por documento com força probatória plena, devem, nos termos do art.º 646º, n.º 4, do CPC, considerarem-se não escritas as respostas à matéria de facto das alíneas O), P), Q), R), S) e T), dado que esses factos são considerados provados mas estão em oposição com os factos plenamente provados, ou seja, que as quantias devidas pelos executados resultam de um empréstimo da exequente M (...) e seu falecido marido 18ª - Foi a sociedade “P (…) Lda.”, quem adquiriu o estabelecimento com o mesmo nome na Barra, como consta da cláusula 1ª do contrato de trespasse.

  17. - A sociedade comercial existia antes deste negócio concreto, geriu como tal um estabelecimento comercial e transmitiu esse estabelecimento à sociedade formada pelos executados, mediante um contrato de trespasse válido e eficaz, tendo personalidade jurídica.

  18. - Nesse contrato, de acordo com o princípio da liberdade contratual, as partes fizeram inserir só no contrato de trespasse definitivo, pois essa cláusula não existia no contrato-promessa de trespasse, uma “cláusula 5”, onde acordaram que “além da responsabilidade referida antes, é ainda a primeira outorgante responsável pelos encargos que venham...

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