Acórdão nº 04P1266 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução03 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Ministério Público imputou ao arguido HPA, juiz de direito devidamente identificado, factos integradores do crime de desobediência p. e p. nas disposições conjugadas do arts. 158º, nº. 1, al. a), e nº. 3 do Código da Estrada, com referência ao art. 348º, nº. 1, al. a), e art. 69º, nº. 1, al. c), ambos do Cód. Penal, e requereu, nos termos do art. 392º, nº. 1 do C.P.P., e em processo sumaríssimo, aplicação da pena de 90 (noventa) dias de multa à razão de 25 (vinte e cinco) Euros por dia e, na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis por um período de 6 (seis) meses. Foi proferido despacho que declarou admissível o processo sumaríssimo; o requerimento fundado; e, a proposta aceitável no contexto dos factos. Notificado pessoalmente o arguido, veio tempestivamente rejeitar o requerimento do Ministério Público e pugnar pela distribuição dos autos para julgamento na forma normal. Em face de tal posição foi proferido despacho mandando seguir o processo na forma comum nos termos do art. 398º do C.P.P. Procedeu-se então à audiência de discussão e julgamento em 1ª instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com gravação da prova oralmente produzida, tendo a final sido proferido acórdão em que, além do mais, e na procedência da acusação pública, foi decidido condenar o arguido pela prática em autoria material de 1 (um) crime de desobediência p. e p. pelas disposições conjugadas do art. 158º, nº. 1, a), e nº. 3 do Código da Estrada, com referência ao art. 348º, nº. 1, a), e art. 69º, nº. 1, c), ambos do Código Penal: na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de Euros 25, 00 (vinte e cinco Euros) no total global de Euros 1500,00 (mil e quinhentos Euros) e ainda na pena acessória de 5 (cinco) meses de proibição de conduzir veículos automóveis. Inconformado, recorre o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando o objecto do seu recurso: I- Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (artigo 204º da Constituição) II- A punição por crime de desobediência, prevista no artigo 158º do Código da Estrada, na redacção do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 265-A/2001, de 28 de Setembro, foi editada sem a autorização legislativa, exigida na alínea a) do nº. 1 do artigo 198º da Constituição, pelo que se trata de norma organicamente inconstitucional. III- Deve ser recusada a sua aplicação no caso concreto. IV- A republicação do Código da Estrada, em anexo ao Decreto-Lei nº. 265-A/2001, de 28 de Setembro não se limitou a republicar propriamente o Código da Estrada. Alterou o normativo legal que pune como desobediência a conduta de recusa prevista no seu artigo 158º. V- Ainda que se tenha por não inconstitucional a referida norma, a verdade é que a exigência do recorrente em que ficasse consignada a hora da fiscalização e da condução é inteiramente legitima, visto que entre os dois momentos decorreu mais de uma hora. VI- Por outro lado, o recorrente não se recusou a ser fiscalizado. Propôs-se sê-lo com auto elaborado pelos agentes, onde se consignasse a hora da condução e da fiscalização. VII- É facto público e notório que uma bebida alcoólica entra na circulação sanguínea cerca de uma hora depois de ingerida. VIII-A recusa da polícia em proceder desse modo é ilegítima. IX- Os agentes da polícia nunca deram uma ordem sob pena de desobediência. Apenas tentaram influenciar e persuadir o recorrente a fazer o teste, sem referência às horas da condução e do teste. X- Pelo que o Tribunal recorrido não podia concluir como concluiu que um convite corresponde a uma ordem. Há erro de interpretação do estatuído no nº. 1 do artigo 348º do Código Penal Português, que exige uma ordem regularmente comunicada e inequívoca, para que se possa considerar uma conduta contrária a essa ordem como desobediência. XI- Os depoimentos dos agentes RMOS, JMPC e MAC não permitem a conclusão do Tribunal quanto à emissão da autoria de uma ordem para realização do teste. Empurram uns para os outros, nenhum esclarecendo quem deu a ordem, que efectivamente não existiu. XII- A testemunha ATJCD esclareceu de modo inequívoco que o recorrente concordou com o teste desde que fizesse referência à horas de condução e da sua realização. XIII- Não se tratou de uma recusa pura e simples, como concluiu o Tribunal recorrido, recusa que, aliás, equiparou a mero convite. XIV- A matéria de facto é insuficiente. Não foi esclarecida a questão do intervalo de 14 números pedida na contestação, que se destinava aprovar a falta de isenção da actuação policial. XV- Igualmente se omitiu o esclarecimento da situação económica e condição social do recorrente, com vista a uma graduação equilibrada da pena, tendo em conta as despesas do agregado familiar, bem como os seus antecedentes contra-ordenacionais, desse modo se violando o regime da determinação da medida da pena, previsto no artigo 71º do Código Penal Português. XVI- A situação do recorrente e os seus antecedentes, ligados à idade, sem qualquer mácula criminal ou contra-ordenacional não justificam pena superior ao mínimo legal de 10 dias, nem inibição da faculdade de conduzir superior também ao mínimo de 1 mês. XVII- Ao decidir-se de modo diverso foi violado o regime previsto no nº. 1 do artigo 47º e 71º, ambos do Código Penal. XVIII- A inibição da faculdade de conduzir, com base na alínea c) do artigo 69º do Código Penal Português apresenta-se como um efeito automático da pena de desobediência, sem qualquer justificação factual concreta, individualizada no douto acórdão. XIX- Fere a jurisprudência portuguesa sobre o tema dos efeitos automáticos das condenações e viola seguramente o regime do nº. 4 do artigo 30º da Constituição. Dito de modo mais técnico: A dimensão interpretativa da norma da alínea c) do artigo 69º do Código Penal feita pela douta decisão recorrida implica a sua inconstitucionalidade. XX- Ainda que assim não fosse, há igualmente erro de interpretação e aplicação da referida norma, que exige no mínimo «grave violação» das regras de trânsito. Ora, a conduta do recorrente, ainda que não relevante, não constitui «grave violação» dessas regras, mas um ponto de vista, no mínimo, legítimo. Termos em que: 1. Deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma do nº. 3 do artigo 158º do Código da Estrada, na redacção do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 265-A/2001, de 28 de Setembro, por violação da reserva de lei prevista na alínea a) do nº. 1 do artigo 198º da Constituição, com as legais consequências. 2. Igualmente deve ser considerada inconstitucional a norma da alínea c) do artigo 69º do Código Penal Português, na medida em que viola o regime do nº. 4 do artigo 30º da Constituição, que proíbe a atribuição de efeitos automáticos a condenações penais. 3. Deve ser alterada a matéria de facto provada, por contradição da fundamentação, relativamente ao depoimento das testemunhas, assim como por erro notório na apreciação da prova. Caso assim se não entenda, 4. Deve ser o julgamento anulado parcialmente, determinando-se a ampliação da matéria de facto de modo a permitir esclarecer os factos concretos e determinados justificativos da medida da pena, que merece ser reduzida ao mínimo legal e, em qualquer caso, 5. Deve o recorrente ser absolvido do pretenso crime de desobediência, por carência de ordem legal de conduta legítima, ou, formalmente, em caso de condenação, ser a pena reduzida ao mínimo legal, sem condenação acessória de inibição da faculdade de conduzir, ou ser esta também reduzida ao mínimo de um mês. Assim se fará Justiça. Ao que respondeu o MP junto do tribunal recorrido: «I Questão prévia: impugnação da matéria de facto - rejeição do recurso ou convite ao aperfeiçoamento da motivação? 1º Conforme se constata da leitura da motivação do recurso sobre que nos cabe debruçarmo-nos, tendo em vista a resposta, verifica-se que o recorrente estruturou as suas conclusões em numeração romana a que se seguiu a expressão "termos em que", em numeração árabe, que se pode considerar um resumo das anteriores conclusões. 2º Por aí nos guiaremos para estruturar a nossa resposta e, nessa perspectiva, tendo em conta que se deverão abordar em primeiro lugar as questões que possam eventualmente obstaculizar à apreciação do recurso, começaremos por levantar a questão, que posta como o vai ser, será prévia, de saber se a motivação de recurso no que respeita à matéria de facto provada, que pretende pôr em causa, respeita os requisitos do art. 412º, nº. 3 do C.P.P. 3º Refere o recorrente, sem especificar com referência aos suportes magnéticos que existem, que a sentença recorrida está ferida do vício do erro notório na apreciação da prova. 4º Em parte alguma da motivação, das conclusões ou, ainda, do resumo das conclusões, faz o recorrente referência quer aos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, menos ainda, às provas que imporiam decisão diversa, para além das referência genéricas tais como constam da conclusão IX -"Os agentes da polícia nunca deram uma ordem sob pena de desobediência. Apenas tentaram influenciar e persuadir o recorrente a fazer o teste ...". 5º Em parte alguma da sua motivação destaca o recorrente os segmentos dos depoimentos prestados que se pudessem considerar em dissonância com a matéria de facto dada como provada, não fazendo, também, qualquer referência, como lhe é exigido, aos suportes magnéticos onde tais supostas contradições haveriam de fundamentar-se. 6º Mais não faz o arguido/recorrente do que, tentando algo descoordenadamente referir partes (não concretamente especificadas, repetimos, e como tal, impossibilitando sequer a noção clara sobre se foi dito o que o recorrente pretende que foi dito) de depoimentos de testemunhas que, na sua opinião levariam a conclusão diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal Colectivo. 7º O que o recorrente deveria fazer, se para tal tivesse fundamento, o que...

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