Acórdão nº 04P4204 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução06 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A foi julgado na 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, no âmbito do proc. 231/02.9IDBRG, e por Acórdão de 18 de Junho do corrente ano foi decidido, no que respeita à parte criminal, julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público procedente e, em consequência: - condenar o arguido, pela prática em autoria material de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 105.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5/06, e 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; - condenar o arguido, pela prática em autoria material e em concurso real de infracções de um crime continuado de fraude fiscal, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 15/2001, de 5/06, e 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; - em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, sob a condição de o mesmo, no prazo de 3 (três) anos, comprovar no processo o pagamento ao Estado do montante de € 118.629,51 (cento e dezoito mil seiscentos e vinte e nove euros e cinquenta e um cêntimos), acrescido dos juros compensatórios e moratórios legais, correspondente à quantia em que foi condenado no âmbito do pedido de indemnização civil.

  1. Da parte criminal desse acórdão condenatório recorre agora o arguido directamente para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: Primeira: Em face da matéria de facto que considerou provada e de todo o circunstancialismo que a mesma evidencia, a Douta Sentença recorrida poderia e deveria ter optado por uma pena de multa, mais adequada e ajustável às necessidades de punição, principalmente por poder ser graduada pelo Tribunal em função dos condicionalismos específicos relacionados com o recorrente.

    Segunda: Ao optar pela aplicação de uma pena de prisão, apesar de suspensa, a Douta Sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 103.º n.º 1 e 105.°, n.º 1, da Lei 15/2001, 70.° e 40.° do Código Penal, preceitos que, na medida do alegado, violou.

    Terceira: Sem prescindir, se é certo que o artigo 51.°, n.º 1, al. a) do Código Penal autoriza a subordinação da suspensão de execução de pena ao cumprimento de deveres impostos ao condenado, nomeadamente, a "pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribuna/ considerar possível, a indemnização devida ao lesado... "; também é certo que, o n.º 2 do citado preceito dispõe que os "...deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir".

    Quarta: Ora, é manifesto que, em face dos rendimentos auferidos pelo recorrente, € 500,00 mensais e o facto de ter uma filha ao seu cargo, nunca este virá a conseguir reunir os meios necessários para pagar o montante a que se encontra subordinada a condição de suspensão da execução da pena privativa de liberdade a que foi condenado.

    Quinta: Assim, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, constantes dos artigos 13.° e 18.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, será inconstitucional a norma do artigo 14.°, n.º 1 do RGIT, ou a interpretação que dela se faça no sentido de considerar admissível a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão a que o recorrente foi condenado ao cumprimento de um dever manifestamente impossível para ele e fora do condicionalismo previsto no artigo 51.°, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal, preceitos estes que a Douta Sentença recorrida, na medida do alegado, violou.

    Termos em que, pelo Douto Suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a Sentença condenatória recorrida, proferindo-se Acórdão em conformidade com o alegado, assim se fazendo Justiça! 3. O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso, pronunciando-se pela manutenção da decisão recorrida.

    A Excm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal teve vista no processo.

  2. Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.

    São essencialmente três as questões principais em debate: 1ª- Se em face da matéria de facto que considerou provada e de todo o circunstancialismo que a mesma evidencia, o acórdão recorrido poderia e deveria ter optado por uma pena de multa, mais adequada e ajustável às necessidades de punição? 2ª- Se, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, constantes dos artigos 13.° e 18.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, será inconstitucional a norma do artigo 14.°, n.º 1 do RGIT, ou a interpretação que dela se faça no sentido de considerar obrigatória a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das quantias fiscais em dívida e seus acréscimos legais, mesmo fora do condicionalismo previsto no artigo 51.°, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal? 3ª- Em caso de resposta afirmativa, se perante os rendimentos auferidos pelo recorrente, nunca este virá a conseguir reunir os meios necessários para pagar o montante a que se encontra subordinada a condição de suspensão da execução da pena privativa de liberdade a que foi condenado? A matéria de facto ficou assim estabelecida: 1. Factos provados: Provou-se a seguinte matéria de facto: 1) O arguido dedica-se à actividade de construção civil, a que corresponde o CAE 45211, possuindo o NIPC 817.563.288, enquadrando-se, para efeitos de Imposto sobre Valor Acrescentado - I.V.A. -, no regime normal com periodicidade trimestral.

    2) No exercício normal da sua referida actividade, o arguido liquidou I.V.A. aos seus clientes nos períodos e montantes a seguir discriminados e não procedeu ao seu apuramento e ao envio das declarações periódicas acompanhadas dos respectivos meios de pagamento: - 1º trimestre de 1999, no valor de € 12.281,80, que estava obrigado a entregar até 15/05/1999; - 2º trimestre de 1999, no valor de € 14.108,67, que estava obrigado a entregar até 15/08/1999; - 3º trimestre de 1999, no valor de € 13.110,68, que estava obrigado a entregar até 15/11/1999; - 4º trimestre de 1999, no valor de € 10.081,23, que estava obrigado a entregar até 15/02/2000; - 1º trimestre de 2000, no valor de € 12.242,90, que estava obrigado a entregar até 15/05/2000; - 2º trimestre de 2000, no valor de € 12.326,23, que estava obrigado a entregar até 15/08/2000; - 3º trimestre de 2000, no valor de € 8.515,09, que estava obrigado a entregar até 15/11/2000; e - 4º trimestre de 2000, no valor de € 11.404,29, que estava obrigado a entregar até 15/02/2001.

    3) As referidas quantias foram cobradas a clientes do arguido, no âmbito de operações por este efectuadas, e retidas por conta de I.V.A..

    4) Para além disso, o arguido não fez constar das declarações de I.R.S. que entregou relativas aos anos de 1999 e 2000 os proventos que realizou referentes à facturação junta aos autos, ocultando-os, originando um montante em falta nos cofres do Estado de € 14.970,00, relativamente ao ano fiscal de 1999, e de € 9.588,63, relativamente ao ano fiscal de 2000.

    5) Todas as referidas importâncias, no montante global de € 118.629,51, pertenciam ou eram devidas ao Estado Português e o arguido tinha a obrigação legal de as declarar e entregar nos termos e prazos legais, o que era do seu conhecimento.

    6) Não obstante tal conhecimento, o arguido apoderou-se de tais quantias, fazendo-as suas, usando-as na sua actividade de construção civil, designadamente no pagamento de salários aos trabalhadores e fornecedores.

    7) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

    9) O arguido à data dos factos atravessava dificuldades...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
12 temas prácticos
12 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT