Decisões Sumárias nº 276/08 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2008

Data14 Maio 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 276/2008

Processo n.º 1168/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:

    (…) Requer, ao abrigo do disposto nos artigos 69º, 70º n.º 1 al. b), 72º n.º 1 al. b) da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da Constitucionalidade das normas dos artigos 14º e 105º do R.G.I.T., cuja aplicação viola os artigos 8º n.ºs 1 e 2, 18º, 27º n.ºs 1 e 2 e 204º da Constituição da República Portuguesa, bem como os Princípios da Superioridade Ética do Estado, da Igualdade e da Proporcionalidade.

    Questão cuja inconstitucionalidade está suscitada nas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães (e foi apreciado no Douto Acórdão de que ora se recorre).

    Por despacho de fls. 304, foi o recorrente notificado «para indicar, de modo preciso, quais as normas dos artigos 14.º e 105.º do R.G.I.T. que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional».

    O recorrente respondeu nos termos seguintes:

    (…) cumprindo o Douto Despacho ora notificado, vem indicar que pretende submeter à apreciação desse Venerando Tribunal, as normas do n.º 1, primeiro segmento, do artigo 14.º, bem como do n.º 1 do artigo 105.º, ambos do R.G.I.T.

  2. Emergem dos autos as seguintes ocorrências processuais, com relevância para a presente decisão:

    ? Por sentença do Tribunal Judicial de Guimarães, de 22.03.2007, A. foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105,º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de 6 meses de prisão, com suspensão da execução da pena de prisão aplicada pelo período de 4 anos, ficando a suspensão de execução da pena de prisão subordinada, nos termos do artigo 14.º do RGIT, ao pagamento pelos arguidos, no prazo de 4 (quatro) anos, da prestação tributária em falta e acréscimos legais.

    ? Pela mesma sentença foi condenada a arguida “B., Lda.” pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105,º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de 10 €.

    ? Inconformado, o arguido A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, no qual suscitou, além do mais, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 14.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, ambos do RGIT.

    ? Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 01.10.2007, foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

    ? Ainda inconformado, o arguido interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional.

  3. No acórdão recorrido lê-se o seguinte, na parte que agora releva:

    2. (…)

    No caso em apreço, o recurso é limitado à questão da inconstitucionalidade dos artigos 105.°, n.°1 e 2 e 14.°, ambos do RGIT, por violação dos artigos 8.°, n.° l e n.° 2, 18.°, n.°1 e 2 e 27.°, n.°1 e 2, todos da Constituição da República.

    3. A questão da inconstitucionalidade do artigo 105.° do RGIT

    §1. A questão da prisão por dívidas.

    A questão não é nova, já que tem sido frequentemente suscitada perante os tribunais, embora sem sucesso, a questão da inconstitucionalidade das incriminações tributárias por abuso de confiança, em razão da alegada violação do princípio da proibição de prisão por dívidas, consagrado no artigo 1.º do Protocolo n.° 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (aplicável ex vi do n.° 2 do artigo 8.° da Constituição da República), que estabelece que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual.

    Com efeito, pese embora alguma doutrina discordante, o Tribunal Constitucional sempre que foi chamado a pronunciar-se sobre a questão sempre entendeu que se não verifica a alegada inconstitucionalidade tendo em conta, fundamentalmente que o aludido princípio é apenas aplicável aos deveres de boa-fé, que é apenas aplicável às obrigações contratuais e não também às legais (como o dever de pagar impostos que constitui, aliás, um dever fundamental) e aludindo ainda à posição peculiar dos substitutos de imposto que considera próxima da dos fieis depositários (cfr. a propósito a síntese de Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, 2.ª ed., Coimbra, 2007, págs. 170-171, que acompanhámos de muito perto).

    Neste sentido, se pronunciaram v.g. os Acs. do TC n.° 312/00 e n.° 389/01 (a propósito do art. 24.° do RJIFNA), os Acs. do TC n. ° 440/87, n.° 516/00 e n.º 427/02 (a propósito do art. 27.°- B do RJIFNA) e o Ac. do TC n.° 54/04 (a propósito do art. 105.° do RGIT), todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt.

    Porque elucidativos transcrevem-se os seguintes trechos do citado Ac. n.° 54/04:

    As considerações que se contêm na fundamentação dos arestos citados [n.° 312/00, n.° 389/01 e n.° 516/00] mantêm-se aplicáveis mesmo em face da norma do artigo 105.°, n.° 1, do RGIT, que prevê o abuso de confiança fiscal (e parafiscal, que não está agora em causa — cfr. o n.° 3 do citado artigo).

    Designadamente, continuam a ser elementos constitutivos deste crime a existência de uma obrigação de entrega à administração tributária de uma prestação tributária deduzida nos termos da lei e a falta dolosa dessa entrega — embora tenha desaparecido da redacção do tipo legal a exigência de “intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida” —, não se prevendo a punição por negligência.

    Por outro lado, é claro que, como resulta aliás logo da redacção do preceito, a obrigação em causa não tem por fonte qualquer contrato, e antes deriva da lei. Trata-se, aliás, de um dever que, como salienta o Ministério Público, é essencial para a realização dos fins do Estado, quer para prover à satisfação das suas necessidades financeiras, quer também para prosseguir o objectivo de uma repartição justa de rendimentos e riqueza, constitucionalmente consagrado.

    Tem, pois, de tratar-se da falta dolosa de entrega à administração fiscal de uma prestação tributária deduzida nos termos da lei, podendo dizer-se, em casos como o presente (em que está em causa a falta de entrega de Imposto sobre o Valor Acrescentado cobrados) ? tal como, para as contribuições para a segurança social, se disse no citado Acórdão n.° 516/00 ? , que o obrigado se encontra instituído “em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário”. Assim, a mera impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança em relação à administração tributária. O não cumprimento da obrigação de entrega é elemento do tipo, mas o que importa para a punibilidade do comportamento, como se referiu, é a falta dolosa de entrega da prestação, podendo a situação continuar a ser aproximada da do crime de abuso de confiança previsto e punido pelo Código Penal (artigos 205.° a 207.°) - um “crime contra o património, cuja consumação ocorre com a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia entregue por título não translativo de propriedade”.

    Nestes termos, mesmo em face da nova redacção do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal (e da eliminação do elemento subjectivo que se traduzia na “intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida”), cumpre reiterar a fundamentação dos citados arestos — designadamente, a dos citados Acórdãos n.°s 312/00 e 516/00.

    E, uma vez que o recorrente não adianta argumentos novos, susceptíveis de infirmar tal fundamentação — sendo claudicante, designadamente, a tentativa de mostrar que a obrigação de entrega de quantias cobradas a título de IVA tem também por fonte um contrato, e não apenas a lei —, conclui-se no sentido da inexistência de violação, por parte do artigo 105.°, n.°1, do RGIT, do princípio de que ninguém pode ser privado da liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, devendo negar-se provimento ao presente recurso.

    Perante esta corrente jurisprudencial, firme e recente, do Tribunal Constitucional, que sufragamos, e não se vislumbrando argumentos, fundamentos ou circunstâncias que não...

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