Acórdão nº 335/01.5TBTNV-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE SIM
Data da Resolução05 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Por despacho de 20.4.2008 foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida … e determinado, em conformidade o cumprimento efectivo da pena de treze meses de prisão em que foi condenada.

Inconformada, a arguida …, interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A douta decisão judicial ofende o constante no número 1 do artigo 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, dado que ainda não foi proferida sentença judicial respeitante às oposições a correrem termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria; 2. Pelo constante na norma inserta no artigo precedente, só poderia existir julgamento, em sede penal, após o trânsito em julgado das oposições apresentadas no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria; 3. Contudo, devido à inércia ou incúria da Administração Fiscal, a Recorrente apenas foi citada, momento a partir do qual pode exercer os seus direitos de defesa, designadamente a interposição da Oposição, após o trânsito em julgado da sentença judicial, pelo que esta deveria ser objecto de suspensão até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal administrativo; 4. Pelo constante no douto despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não foi tida em consideração a letra e o espírito da norma inserta no número 1 do artigo 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, uma vez que esta suspende o processo penal tributário; 5. Também, no douto despacho de revogação é referido que são autónomas a responsabilidade criminal e as imposições impostas no âmbito do direito penal, não estando dependentes dos processos que correm termos nos tribunais tributários, o que a Recorrente não aceita; 6. Ou seja, a Recorrente não aceita, dado que através da norma contida no número 1 do artigo 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, as disposições penais só têm aplicabilidade após transito em julgado dos processos que correm termos nos tribunais administrativos e fiscais; 7. Até se compreende que assim seja, no sentido de um tribunal de competência específica se tenha de pronunciar se a Recorrente é ou não devedora à Fazenda Nacional de qualquer imposto, pois não sendo responsabilizada, não cometeu nenhum crime fiscal; 8. Aliás, se assim não fosse corria-se o risco de um cidadão ser condenado criminalmente e posteriormente, em sede de tribunal administrativo e fiscal, ser tido como não devedor ao estado de qualquer importância; 9. Também, com o conteúdo da decisão judicial, objecto do presente recurso, foi violada a norma constitucional plasmada no nº 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, dado que as garantias de defesa da Recorrente não foram observadas, fazendo com que em sede criminal fosse condenada, antes dos factos serem julgados em sede judicial administrativa.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e concluindo: 1ª - Na decisão de suspensão da execução da pena deverá estar um juízo de prognose social favorável ao arguido, ou seja a esperança de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

  1. - A arguida não procedeu ao pagamento dos montantes em divida ao Estado no período de 2 anos de suspensão da pena de prisão a que foi condenado, nos presentes autos, nem no período adicional pela pratica de um crime continuado de abuso de confiança fiscal.

  2. - A arguida violou grosseira e reiteradamente a regra de conduta que lhe tinha sido imposta e que visava a sua reintegração na sociedade, revelando-se, deste modo, que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

  3. - Neste sentido, bem procedeu o Mmo. Juiz a quo ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

  4. - A suspensão do processo penal tributário por observância do artigo 47º, nº1 do RGIT não faz qualquer sentido uma vez que a sentença condenatória, segundo a qual a arguida estava obrigada a pagar um certo montante em divida ao Estado, já transitou em julgado.

  5. - A arguida apenas deu conhecimento da interposição dos referidos processos de oposição à execução fiscal em data posterior á da data do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

  6. - Assim ao suspender o processo penal tributário nesta fase, ao abrigo de tal norma, seria desrespeitar a força do caso julgado e, subsequentemente os princípios constitucionais de confiança e segurança jurídica, postulados de um Estado de Direito Democrático.

  7. - O princípio do caso julgado só em determinadas circunstancias é que admite a sua “revogação”, nomeadamente, no âmbito de um recurso de revisão ou de aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, o que não sucede no presente caso.

  8. - A decisão de revogação da suspensão da pena de prisão não colide, nem viola as garantias de defesa da arguida, pretendendo dar apenas cumprimento à sentença condenatória já transitada em julgado.

  9. - Sendo que esta sentença condenatória constitui mera presunção ilidivel nos termos do artigo 674º-A do C.P.C., por remissão do artigo 2º do Código de Procedimento Tributário.

O M.Mº Juiz a quo sustentou liminarmente a sua posição.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder, confirmando-se o despacho recorrido.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº2 do Código de Processo Penal.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO.

Conforme jurisprudência constante e pacífica (por todos, Ac. STJ 24.03.1999, CJ VII-I-247), o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do CPP e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a decidir é apenas uma e que procuramos sintetizar com a fiabilidade possível, da seguinte forma: Se o despacho recorrido ofende o disposto no nº 1 do art. 47º do Regime Geral das Infracções Tributárias que determina a suspensão do processo penal tributário até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal administrativo nas oposições à execução deduzidas pela ora Recorrente.

Porém, prévia e oficiosamente, torna-se necessário analisar a eventual existência da nulidade insanável do art. 119º al. c) do Código de Processo Penal.

Para melhor se compreenderem os contornos da questão importa ter presentes os seguintes actos processuais: Por decisão de 1ª instância proferida em 19.12.2003 foi a ora Recorrente condenada, com outros, nos seguintes termos: A arguida …, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal sob a forma continuada, p.p., à data da prática dos factos, pelos art. 24.º nºs 1, 2 e 5 do Regime Geral das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com referência aos artigos 26°, nº 1, 28.º n.º 1, alínea c) e 40.º n.º 1, alínea b) do Código do IVA e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal e, actualmente, p. e p. pelo art. 105.º nºs 1, 2, 4 e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com referência aos artigos 26°, nº 1, 28.º n.º 1, alínea c), e 40.º n.º 1, alínea b) do Código do IVA e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal, sendo que se lhe aplica este último regime por ser o mais favorável, na pena de 13 (treze) meses de prisão.

Decide-se, contudo, suspender essa pena pelo período de 2 anos. Essa suspensão fica condicionada ao pagamento pela arguida de metade do valor total do IVA que ainda se encontra em dívida, ou seja de 189.149,25 euros, acrescido dos acréscimos legais.

Tal decisão foi confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação datado de 27.10.04 e transitado em julgado.

Decorrido o período de suspensão de execução da pena, em 23.2.07 foi proferido despacho a notificar a ora Recorrente para fazer prova de ter cumprido a condição imposta para a suspensão da execução da pena.

A ora Recorrente, afirma não ter procedido ao pagamento, invocando a pendência de oposições às execuções fiscais para fundamentar o incumprimento da condição.

Por despacho de 4.5.07, afirmando-se que as oposições à execução não interferem com a condição de suspensão da execução, é concedido à ora Recorrente “um novo e último...

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