Acórdão nº 05P2535 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução12 de Julho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no STJ: 2 Processo n.º 2535/05, 5.ª Secção Relator: Conselheiro Simas Santos 1.1.

O Ministério Público na Relação de Évora ordenou o arquivamento do processo de inquérito e o denunciante, notificado, nos termos do disposto no n° 3 do art. 277° do Código de Processo Penal (CPP) veio requerer a sua constituição de assistente e, simultaneamente, a abertura de instrução.

Cumpridas as exigências fiscais, o Ministério Público junto daquela Relação pronunciou-se pela rejeição dessa pretensão, por carecer de legitimidade para tal.

A arguida, ouvida, de acordo com o disposto no art. 68°, n° 4 do CPP, não deduziu oposição.

1.2.

O Desembargador que serviu de Juiz de Instrução, proferiu sobre esse requerimento o seguinte despacho: «A factualidade descrita na participação e aí imputada à arguida é, segundo da mesma consta, indiciariamente passível de enquadrar um crime de falso testemunho p.p. pelo art. 360 n°s 1 e 3 do Código Penal, já que a aquela, inquirida como testemunha, faltou à verdade conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei, pois estava obrigada a falar verdade, o que não fez.

No requerimento ora em apreço, e já na parte atinente à abertura da instrução, insiste o denunciante ser a conduta da arguida enquadrável no referido tipo legal de crime.

O crime previsto no art. 360 do Código Penal, sob a epígrafe "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução" encontra-se integrado no Capítulo III "Dos crimes contra a realização da justiça", do Título V Dos crimes contra o Estado, do Livro li do Código Penal Parte Especial. Que são crimes públicos, relativamente aos quais ninguém se poderá constituir assistente, uma vez que o interesse protegido pela respectiva incriminação é, exclusiva ou preponderantemente, público.

Com efeito, com tais tipologias legais visa-se o interesse do Estado na boa administração da justiça e, por conseguinte, no exacto e rigoroso cumprimento dos deveres impostos a todos os funcionários ao serviço daquela.

Não pode negar-se que aqueles crimes podem também proteger interesses dos particulares com eles prejudicados, não se lhes negando a qualidade de ofendidos ou lesados, no sentido amplo de que como tal se consideram todas as pessoas que, segundo as normas de direito civil, sejam prejudicadas, com a prática de uma infracção criminal, em interesses seus juridicamente tutelados.

São, todavia, processualmente distintos os conceitos de assistente, de ofendido e de lesado. Assim, citando o Prof. Germano Marques da Silva, "o ofendido não é sujeito processual, salvo se se constituir como assistente; o lesado, enquanto tal, nunca pode constituir-se assistente, mas apenas parte civil para efeitos de deduzir pedido de indemnização civil" - cfr. Curso de Processo Penal, V Ed., vol. 1, pág.301.

O legislador quis restringir a intervenção dos particulares em processo penal e para a determinação do círculo de pessoas legitimadas para intervir no processo penal na qualidade de assistentes partiu, não do supracitado conceito amplo de ofendido, mas de um conceito bem mais estrito. Efectivamente, de harmonia com o princípio geral constante do art. 680, n° 1, a) do Código de Processo Penal, só podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas a quem leis especiais confiram esse direito, "os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos".

Só se considera ofendido, para efeitos do disposto na alínea a) do n° 1 do sobredito art. 68°, como, a propósito, afirma o Prof. Germano Marques da Silva, "o titular do interesse, que constitui objecto jurídico imediato do crime e, por isso, nem todos os crimes têm ofendido particular, só o tendo aqueles em que o objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular" - cfr. ob. cit., pág. 302.

Deste modo, sendo o bem jurídico exclusiva ou especialmente protegido com os tipos legais de crime contra a realização da justiça, sem pôr em causa a eventual qualidade de lesado ou de ofendido do denunciante, não pode o ora requerente ser admitido a intervir como assistente, pela simples razão de que ele não é titular dos interesses especialmente protegidos e que constituem objecto jurídico imediato de tais crimes. O interesse prevalecente, ou seja, o que a lei penal quis especialmente proteger com a tipificação dos mencionados ilícitos é o interesse público do Estado na boa administração da justiça.

Termos em que, por carecer o denunciante de legitimidade para tanto, indefiro a requerida constituição de assistente.

Veio também o denunciante requerer a abertura da instrução.

Veio também o denunciante requerer a abertura da instrução.

A instrução só pode ser requerida pelo arguido ou "pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação" - cfr. art. 28 70, n° 1, a) e b), do Código de Processo Penal.

O requerimento ora em apreço, foi formulado pelo denunciante numa altura em que, não tendo ainda a qualidade de assistente, havia peticionado a sua intervenção no processo nessa qualidade. Pode, efectivamente, ser requerida a abertura da instrução não só pelo assistente como ainda por aquele que, com a faculdade de como tal se constituir, já tenha apresentado requerimento para a constituição como assistente ou o faça ao mesmo tempo que requer a abertura da instrução.

Só que, no caso sub judice, não tem o denunciante, como atrás se deixou dito, legitimidade para se poder constituir assistente, tendo-lhe sido recusada a admissão para nessa qualidade intervir no presente processo, razão porque não lhe é lícito requerer a instrução.

Carecendo, como carece, da qualidade de assistente, não tem também o denunciante legitimidade para requerer a instrução, sendo, consequentemente e nos termos do n.º 3 do art. 287.º do Código de Processo Penal, de rejeitar o respectivo requerimento por inadmissibilidade legal da instrução.

Vai, pois, indeferido in totum o requerimento junto a fls. 79 e seg. dos autos.» 1.3.

Inconformado o participante veio recorrer dessa decisão para este Tribunal, concluindo na sua motivação: 1 O Tribunal" a quo" decidiu mal e ilegalmente quando indeferiu" in totum" o requerido pelo queixoso de se constituir assistente e de se proceder a abertura de instrução. Com efeito, 2 O Tribunal " a quo" ao indeferir o requerido pelo queixoso violou os art: 68° e 287° do C.P.P.

3 O queixoso foi notificado pelo Tribunal da Relação de Évora/Procuradoria Geral Distrital em carta datada de 20/12/2004 de que, querendo, poderia requerer a abertura de instrução.., tendo para o efeito de se constituir assistente. Pelo que, o Tribunal da Relação ao condenar o arguido em 7 UCs - € 623,00, no incidente, além de ter violado os arts 68° e 287° do C.P.P., exacerbou na condenação de 7 UCs já que as custas do incidente jamais poderiam ser de 7 UCs porque tal é manifestamente despropositado.

4 O Queixoso nos presentes autos jamais poderá deixar de ser considerado como ofendido. Pois que, os factos denunciados pelo queixoso e constantes dos autos interferiram directamente na esfera jurídica do queixoso uma vez que este veio a ser acusado e pronunciado por um crime que não cometeu, tendo a testemunha denunciada sido inquirida como testemunha no processo em que o queixoso foi acusado e pronunciado e tendo procedido conforme se faz menção na queixa. Ora, 5 O primeiro e principal ofendido pelo facto da testemunha ter agido conforme consta na participação criminal foi o aqui queixoso, pois que, nos precisos termos constantes na queixa a participada faltou à verdade (conforme explicitado na queixa).

6 Ao M. P. compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar... (ad: 219° CR.P. ). Ora, 7 Sendo o estado representado pelo M.P. e tendo este ordenado o arquivamento dos autos, a decisão do M.P. é definitiva e não pode ser "atacada" judicialmente? È óbvio que não, pois que num estado de direito democrático como é o nosso a Constituição da República Portuguesa e a Lei ordinária não confere ao M. P. o estatuto de poder proceder a decisões que não possam ser" atacadas "judicialmente e por essa via serem objecto de apreciação. Ora, 8 No caso" sub-judice" e atento que é ao M. P. que compete representar o estado, que segundo o Tribunal" a quo" era quem tinha legitimidade para se constituir assistente e requerer a abertura de instrução.

A decisão que se pretendeu" atacar " foi uma decisão do próprio M. P. é óbvio que o Tribunal" a quo" violou a C.R.P. quando não permitiu que uma decisão do M.P. fosse apreciada judicialmente. É assim que, 9 O S.T.J. deverá proferir Douto Acórdão no qual seja determinada a revogação da decisão proferida pelo Tribunal " a quo " e quem indeferiu a pretensão do queixoso de se constituir assistente nestes autos e de se proceder à abertura de instrução. Sendo que, 10 Deverá ser proferido Douto Acórdão pelo S.T.J. no qual se defira a pretensão do queixoso/ofendido de se constituir assistente nestes autos e consequentemente se ordene a abertura de instrução conforme requerido pelo queixoso/ofendido.

Assim se fará, sã, serena e objectiva Justiça.

1.4.

Respondeu o Ministério Público, que concluiu: - Apenas pode ser considerado ofendido, nos termos e para os efeitos do art.° 68.° ai. a) do CPP o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime; - Em relação aos crimes inseridos no capítulo dos crimes contra o Estado, no qual se integra o crime de falso testemunho, os particulares nunca são titulares do interesse especialmente protegido pela norma, embora podendo ser titulares de um interesse mediato ou reflexo; - O interesse protegido pela incriminação do falso testemunho é essencialmente público, visando-se o interesse fim que é a boa administração da justiça como função do Estado; - Assim, o lesado não tem legitimidade para se constituir...

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