Acórdão nº 59/14.3TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo de inquérito 59/14.3TAPBL da Comarca de Leiria, DIAP de Pombal, Secção Única (Instrução Central de Leiria, Secção de Instrução Criminal, J2) findo o inquérito que teve por objecto factos susceptíveis de integrar os tipos de crime dos artigos 359ºe 360º do Código Penal, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos nos termos do artigo 277º, nº 2 do Código de Processo Penal.

A... , que apresentou a queixa que deu origem ao processo, veio requerer a sua constituição como assistente e requerer a abertura de instrução.

O Mmº Juiz de Instrução em 20 de Outubro de 2015 proferiu o seguinte despacho de indeferimento da constituição como assistente e do requerimento de instrução: Notificado do despacho de arquivamento com que o Ministério Público decidiu encerrar o inquérito, veio o denunciante A... requerer a sua constituição como assistente e, nessa qualidade, a abertura da instrução, sustentando deverem B... e C... ser pronunciados pela prática do crime de falsidade de testemunho e D... pela prática de crime de falsidade de declaração agravado (cfr. fls. 330 a 334).

O Ministério Público referiu nada ter a opor à constituição do denunciante como assistente (cfr. fls. 337).

Cumpre apreciar e decidir.

O denunciante antecipa no seu requerimento ser entendimento maioritário da jurisprudência a inadmissibilidade da constituição como assistente do lesado com falsos depoimentos ou declarações.

A questão relativa à admissibilidade de intervenção de assistente em procedimento por crime de falsidade de testemunho é antiga, sendo que, à luz do Código Penal de 1886, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores se manifestou contra tal admissibilidade[1].

A análise da jurisprudência publicada mais recente revela uma significativa divisão entre os que mantém tal posição e os defensores da tese propugnada pelo requerente, no sentido de o ofendido com as declarações ou depoimentos falsos ter legitimidade para se constituir como assistente no processo penal respectivo.

Assim, secundando o entendimento do requerente de que é admissível nesses casos a constituição de assistente, encontraram-se os seguintes arestos nas bases de dados constantes dos sítios www.dgsi.pt e www.pgdlisboa.pt: I – do Supremo Tribunal de Justiça: a) de 12/07/2005 – Relator Conselheiro Simas Santos; II – do Tribunal da Relação de Coimbra: a) de 06/05/2009 – Relator Desembargador Esteves Marques e b) de 24/06/2009 – Relator Calvário Antunes; III – do Tribunal da Relação de Lisboa: a) de 14/12/2005; b) de 18/07/2007, ambos tendo como Relator Desembargador Carlos Almeida e c) de 22/09/2009 – Relator Desembargador Vieira Lamim e IV – do Tribunal da Relação do Porto: a) de 21/11/2012 – Relator Desembargador Ernesto Nascimento.

Sustentando o entendimento contrário, isto é, que não é admissível no procedimento por crime de falsidade de testemunho a constituição como assistente, encontraram-se nos sítios citados as seguintes decisões de Tribunais Superiores: I – do Supremo Tribunal de Justiça: a) de 29/02/1984 – Relator Conselheiro Vasconcelos de Carvalho; b) de 17/06/1987 – Relator Conselheiro José Calejo e c) de 14/11/2002 – Relator Conselheiro Carmona da Mota; II – do Tribunal da Relação de Évora: a) de 04/12/2001 – Relator Desembargador Pires Graça e b) de 10/12/2009 – Relator Desembargador Gilberto Cunha; III – do Tribunal da Relação de Guimarães: a) de 18/12/2006 – Relator Desembargador Cruz Bucho e b) de 23/04/2012 – Relatora Desembargadora Ana Teixeira; IV - do Tribunal da Relação de Lisboa: a) de 03/05/2005 – Relator Desembargador Cabral Amaral e b) de 29/03/2007 – Relator Guilherme Castanheira; III – do Tribunal da Relação do Porto: a) de 09/02/2000 – Relator Desembargador André da Silva; b) de 23/10/2002 – Relator Desembargador Coelho Vieira; c) de 30/06/2004 e d) de 15/06/2005, ambos tendo como Relatora Desembargadora Conceição Gomes e e) de 18/05/2011 – Relatora Desembargadora Ana Paramés.

Tal como sustentei já noutras decisões sobre o tema[2], considero que é este último entendimento aquele que melhor interpreta a letra e espírito da lei. Com vénia, cito a fundamentação expendida no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/12/2006, a que adiro integralmente: «(…) Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal “Podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos".

O texto legal em vigor é idêntico ao artigo 4º do DL n.º 35007 que por seu turno reproduzia o artigo 11º do Código de Processo Penal de 1929, que acolhia os ensinamentos de Beleza dos Santos (“Partes particularmente ofendidas em processo criminal”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 57º, pág. 3).

E a mesma noção transparece claramente no artigo 113º do Código Penal, ao definir os titulares do direito de queixa, quando no seu n.º 1 estatui: “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” Consagra-se deste modo, o conceito estrito, imediato ou típico de assistente.

Não é ofendido, para este efeito, qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime.

O objecto jurídico mediato do crime é sempre de natureza pública.

O imediato, pode ter por titular um particular.

Mas, nem todos os crimes têm ofendido particular; só o têm aqueles cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou um direito de que é titular um particular. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, ofendido/assistente é “a pessoa que, segundo o critério que se retira do tipo preenchido pela conduta criminosa, detém a titularidade do interesse jurídico-penal por aquela violada ou posto em perigo” (Direito Processual Penal, 1, 505).

Já em 1955 Cavaleiro Ferreira sublinhava que “Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a perpetração da infracção; ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato da infracção (…) Nem todos os crimes têm, por isso, ‘ofendido’ particular. Só o têm aqueles em que o objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular” (Curso de Processo Penal, Lisboa, 1955, vol. I, págs. 129-130).

Também Germano Marques da Silva salienta que “Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime: ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto da tutela imediata pela incriminação do comportamento que o afecta. O interesse jurídico mediato é sempre o interesse público, o imediato é que pode ter por titular um particular. Nem todos os crimes têm ofendido particular. Só o têm aqueles em que o objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular (Curso de Processo Penal, vol. I, 4ª ed., Lisboa S/Paulo, 2000, pág. 264, cfr. também, pág. 335).

Esta distinção entre lesado e ofendido é, de resto, claramente perfilhada pelo artigo 74, n.º 1 do Código de Processo Penal ao definir lesado como “a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente” (enfatizando este ponto cfr. Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal, Porto, 1987, págs. 117-118).

(…) Vimos que nem todos os crimes têm «ofendido» particular.

Só o têm aquele cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular.

Saber quais os interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação nem sempre se antolha tarefa fácil. “Por vezes - escrevia Cavaleiro Ferreira - torna-se difícil descobrir qual o ofendido em determinadas espécies; a dificuldade, porém, não respeita à definição, em si, de ofendido, mas à individuação do objecto jurídico do crime” (Curso de Processo Penal, vol. I, cit., pág. 130). É pela norma incriminadora que se vê qual o interesse que a lei quis proteger ao tipificar determinado comportamento humano como criminosos.

Um primeiro indício resultará da própria sistematização da parte especial do Código Penal que está organizada de acordo com um critério que tem a ver com os interesses especialmente protegidos.

Depois de definido o interesse há que determinar o titular desse interesse. Se for um particular individualmente considerado só ele poderá intervir como assistente no processo. Se for...

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