Acórdão nº 3034/07.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução27 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADAS AS REVISTAS Sumário : I - A exigência contida no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – no sentido de a arguição de nulidades da sentença ter que ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso – justifica-se por razões de celeridade e economia processual que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.

II - A mera referência aos textos legais que prevêem as nulidades não é suficiente para permitir que o tribunal recorrido detecte, rápida e claramente, os vícios invocados.

III - Não tendo o recorrente arguido, no requerimento de interposição de recurso, de forma minimamente substanciada, as nulidades de falta de fundamentação e excesso de pronúncia, por forma a satisfazer a finalidade prosseguida pela norma do citado artigo 77.º, n.º 1, é de afirmar a correcção do Acórdão da Relação que decidiu não apreciar a arguição daquelas nulidades.

IV - Afirmando o recorrente, nas conclusões do recurso de revista, que o processo disciplinar é inválido, porquanto a nota da culpa se limita a acusar genericamente o recorrente de causar prejuízos à recorrida, sem identificar quaisquer prejuízos, sem que, todavia, no corpo da alegação, fizesse constar qualquer referência aos motivos que sustentam tal conclusão, é de concluir que incumpriu o ónus de alegar imposto pelo artigo 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil na versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, estando, em consequência, o Supremo Tribunal impedido de conhecer da questão, que não é de conhecimento oficioso.

V - De acordo com o disposto no artigo 396.º, n.º 3, alínea g), do Código do Trabalho de 2003, as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas constituem justa causa de despedimento.

VI - As faltas não justificadas representam o incumprimento do dever de assiduidade, previsto no artigo 212.º, alínea b) do Código do Trabalho de 2003, traduzindo, pois, um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador, um dos requisitos da justa causa de despedimento.

VII - Sempre que o número de faltas interpoladas ou consecutivas não atinja, respectivamente, 10 ou 5 dias, reportadas ao período normal de trabalho, compete à entidade empregadora provar que o incumprimento do dever de assiduidade por parte do trabalhador determinou directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa.

VIII - Resultando provado, apenas, que as ausências do Autor afectaram o normal desenvolvimento da actividade do trabalho realizado na Estação de Miraflores da Ré, obrigando à reorganização e à distribuição pelos demais funcionários das tarefas atribuídas ao Autor, mas sem que se apure que tais perturbações, ou prejuízos, são de imputar, directamente, ao período de faltas injustificadas do trabalhador – que não atingiram 5 seguidas ou 10 interpoladas – é de considerar não estar preenchida a previsão da 1.ª parte da alínea g), do n.º 3, do artigo 396.º, do Código do Trabalho, por forma a poder sustentar-se que as faltas em causa constituem justa causa de despedimento.

IX - De acordo com o disposto no artigo 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho, na decisão final do processo disciplinar não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a sua responsabilidade, daí que, para a formulação do juízo sobre a justa causa, não possa o tribunal atender a factos que não hajam sido imputados ao arguido na nota de culpa.

X - Se, na nota de culpa, a entidade empregadora imputa ao trabalhador o comportamento previsto na alínea g) do n.º 3 do artigo 396.º do Código do Trabalho, retirando-se, dos factos ali descritos, a mera alusão às suas ausências ao trabalho – ali consideradas injustificadas – não pode, na decisão final do procedimento disciplinar, imputar-lhe a violação de outros deveres contratuais, sustentados por outros factos, e, em consequência, também aos mesmos não pode atender o tribunal para efeitos de formulação do juízo sobre a justa causa.

XI - Resultando provado que o despedimento – ilícito – causou ao trabalhador um estado de tristeza, revolta e humilhação perante os colegas, numa situação que se prolongou durante cerca de três anos, justifica-se que lhe seja atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, em acção com processo comum, intentada em 6 de Agosto de 2007, AA demandou BB, S.A.

, alegando, em resumo, que: - Estando ao serviço da Ré desde 9 de Fevereiro de 1978, ultimamente classificado como técnico licenciado, no período de Setembro de 2003 a Junho de 2006 a Ré não lhe atribuiu quaisquer funções, o que lhe frustrou a possibilidade de progressão na carreira e lhe causou uma depressão grave, humilhação e angústia, situação que se agravou com o despedimento de que veio a ser alvo; - A partir de Junho de 2006, o Autor passou a tratar da resolução das irregularidades no funcionamento dos identificadores da via verde, tarefa que podia ser desempenhada por qualquer trabalhador indiferenciado, e, em Outubro do mesmo ano, a Ré atribuiu-lhe funções administrativas, tendo o Autor informado que as não podia aceitar na sua qualidade de técnico licenciado; - A Ré considerou injustificadas ausências do Autor para tratamentos de fisioterapia e despediu-o na sequência de procedimento disciplinar instaurado com esse fundamento.

- O procedimento disciplinar caducou porque, de acordo com o regulamento das faltas ao serviço, a natureza das faltas tem de ser comunicada ao trabalhador no prazo de sete dias, o que a Ré não fez; porque não foi necessário efectuar diligências de inquérito prévio; e porque a Ré não tinha que aguardar pelo final do ano civil em curso para verificar todas as ausências do Autor, dado que este ficou, entretanto, na situação de baixa médica; - O processo disciplinar é nulo porque a Ré invocou ter realizado diligências informais que não deu a conhecer ao Autor, privando-o do exercício do contraditório, e porque, na sua decisão, a Ré valorou factos que não constam da nota de culpa; - Não existe justa causa para o despedimento, que foi abusivo, dado que a Ré só injustificou as faltas do Autor 90 dias após o início das ausências, e após ele se ter dirigido ao Conselho de Administração a solicitar a confirmação das funções que lhe foram atribuídas em Outubro de 2006, e a Ré nunca injustificou faltas a quadros técnicos para tratamentos médicos, nem nunca os obrigou a demonstrar que os tratamentos só podiam ser feitos no horário de trabalho, e, por outro lado, o despedimento aconteceu após um longo período de inactividade, sendo que a Ré podia, como é sua prática usual, ter substituído as faltas injustificadas por perda de dias de férias; - A Ré não pagou ao Autor as férias vencidas em Janeiro de 2007, o correspondente subsídio, nem os proporcionais devidos pela cessação do contrato, e não comunicou o despedimento à Segurança Social, pelo que ao Autor está vedado requerer o subsídio de desemprego, por se manter na situação de baixa por doença; - o Autor despendeu € 112,22, em juros de empréstimos bancários e despesas inerentes a corte e ligação de água na sua residência, prejuízos pelos quais a Ré é responsável.

Pediu que fosse declarado ilícito o despedimento e se condenasse a Ré a reintegrá-lo e a atribuir-lhe funções cujo desempenho exija formação técnico-científica de nível superior e adequadas à sua licenciatura, bem como a indemnizá-lo pelos danos patrimoniais que lhe causou com a falta de pagamento de créditos salariais e a falta de comunicação à Segurança Social da sua situação perante a empresa, a pagar-lhe as retribuições vincendas até efectiva reintegração e uma indemnização, por danos não patrimoniais, de valor não inferior a € 70.000,00, fixando-se a sanção pecuniária compulsória de € 200,00, por cada dia de incumprimento da decisão de reintegração e de ocupação efectiva em funções técnicas de acordo com a definição de quadro técnico da Convenção Colectiva de Trabalho aplicável.

Na contestação, a Ré, para concluir pela improcedência da acção, alegou, em síntese, que : - No início de 2005, foram atribuídas ao Autor funções de acompanhamento do sistema “via verde” e de controlo da respectiva facturação e, em Maio de 2006, foram-lhe atribuídas funções de análise e tratamento da informação contida nos tacógrafos dos veículos da Ré, sendo que tais funções não são administrativas; - O Autor não prestou trabalho no período da tarde nos dias úteis entre 21 de Setembro e 9 de Novembro de 2006, num total de 14 dias e meio, e a Ré, depois de lhe fixar um prazo para apresentar documentos idóneos à justificação de tais faltas, considerou as mesmas injustificadas por decisão de 21 de Novembro de 2006; - Essas faltas causaram prejuízos à Ré, pois teve de reorganizar o serviço e distribuir pelos demais funcionários as tarefas atribuídas ao Autor; - O Autor não solicitou à Ré a substituição dessas faltas pela perda de dias de férias; - Em 24 de Maio de 2007, a Ré enviou ao Autor declaração de situação de desemprego, que este recebeu, e colocou à sua disposição o valor dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, o que lhe reiterou posteriormente, não se tendo o A. deslocado aos serviços da Ré para receber esse valor e dele dar quitação; - A acção disciplinar não caducou porque o prazo para a sua instauração só se inicia terminado o ano civil (dado que a justa causa de despedimento consiste em faltas injustificadas ocorridas em determinado ano civil) e porque houve prévio...

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