Acórdão nº 533/18.2T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Beja, M… impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pela empregadora L...

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Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, concluindo pela ilicitude daquela decisão e, reconvindo, pedindo a reintegração ou pagamento de indemnização de antiguidade se vier a optar por ela até ao final do julgamento em 1.ª instância (não consta dos autos o exercício desta opção), e o pagamento das retribuições devidas desde o despedimento, com as legais deduções.

Realizado o julgamento, a sentença decidiu não declarar a ilicitude do despedimento.

Daí que a trabalhadora introduza a presente instância recursiva, formulando as seguintes conclusões: a) A Apelante tinha direito a 21 de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2017.

b) Dos mapas juntos pela Apelada apenas gozou 19 dias úteis.

c) A Apelada sabia que a Apelante pretendia todas férias a que tinha direito por ir a Cabo Verde.

d) As faltas dadas pela Apelante no período de 9 a 15 de Janeiro de 2018 são faltas justificadas e são atestadas pelo certificado de incapacidade temporária junta.

e) Existindo duas faltas injustificadas não poderia dar origem a despedimento.

f) Assim deve a acção ser julgada procedente e por consequência o despedimento ser declarado ilícito com todas as legais consequências.

g) Nestes termos e requer a V. Exa a reapreciação da prova gravada e neste particular a reapreciação da prova gravada no que concerne aos depoimentos prestados por e com particular incidência no registo abaixo indicado: (Registo Digital Nº 20181010114662_1000075_2870364.wma C…).

A resposta sustenta a manutenção do decidido.

Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.

Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto: Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.” Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].

Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.

Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].

Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], e ainda que cumpre esse ónus a parte que no corpo das alegações procede à transcrição dos excertos dos depoimentos que pretende ver reapreciados[4], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.

Entrando, então, na análise da impugnação da matéria de facto, vejamos cada um dos pontos impugnados, e ainda aqueles que, por necessidade de congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, carecem de reapreciação.

- Ponto n.º 3: Considerou a decisão recorrida provado o seguinte: «A pedido da trabalhadora, aceite pela entidade empregadora, foi marcado o seu período de férias entre o dia 5 de Dezembro de 2017 e o dia 2 de Janeiro de 2018, tendo a trabalhadora que regressar ao trabalho no dia 3 de Janeiro de 2018.» No entanto, esta formulação ignora que a A. já havia gozado um dia de férias a 21.04.2017, sobrando-lhe assim 21 dias úteis de férias para gozar, dos 22 a que tinha direito, nos termos do art. 238.º n.º 1 do Código do Trabalho.

Ponderando que nos autos não está documentada qualquer sanção disciplinar anterior que tenha importado em perda de dias de férias – questão nem sequer aflorada na nota de culpa, sendo que na decisão final refere-se (mas não se documenta) a aplicação de uma sanção disciplinar de perda de 25 dias de retribuição e de antiguidade – e ainda que a trabalhadora solicitou o gozo dos restantes dias de férias a que tinha direito no final do ano de 2017, para poder visitar a família em Cabo Verde, sendo que a empregadora aceitou que as mesmas tivessem o seu início a 05.12.2017, deverá o mencionado ponto fáctico ser alterado nos seguintes termos: «A pedido da trabalhadora, aceite pela empregadora, aquela gozou um dia de férias em 21.04.2017, gozando os restantes 21 dias úteis a partir de 05.12.2017.» - Ponto n.º 4: Considerou a decisão recorrida provado o seguinte: «A referida marcação constava do mapa de férias que se encontrava afixado no corredor do piso 0 da fábrica, na área dos balneários e do refeitório, o qual constitui o ponto de acesso à fábrica de todos os trabalhadores e demais colaboradores da ré, e pelo qual os trabalhadores passam obrigatoriamente todos os dias, várias vezes por dia.» Importa esclarecer que o mapa mencionava o termo do período de férias da trabalhadora a 02.01.2018, embora notando que esse mapa foi lavrado pela empregadora sem o acordo daquela, tanto mais que esta se dirigiu ao sindicato para esclarecer quantos dias de férias lhe sobravam, não estando disposta a prescindir dos restantes dias que lhe assistiam por lei, posição que, de resto, sempre manifestou de forma coerente, logo no telefonema de 12.01.2018 e depois na defesa assumida no procedimento disciplinar.

Será este ponto alterado nos seguintes termos: «A empregadora elaborou um mapa de férias, sem o acordo da trabalhadora, referindo o termo do seu período de férias a 02.01.2018, e afixando-o no corredor do piso 0 da fábrica, na área dos balneários e do refeitório, o qual constitui o ponto de acesso à fábrica de todos os trabalhadores e demais colaboradores da Ré, e pelo qual os trabalhadores passam obrigatoriamente todos os dias, várias vezes por dia.» - Pontos n.ºs 8 a 14 (reapreciados para congruência fáctica e eliminação de afirmações conclusivas): Nestes pontos, a decisão recorrida considerou provado que: «8. A autora deveria regressar ao trabalho, após o seu período de férias, no dia 3 de Janeiro de 2018.

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