Acórdão nº 257/10 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução29 de Junho de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 257/2010

Processo n.º 732/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

I Relatório

  1. Na sequência de agravo interposto de despacho proferido no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, que indeferiu a penhora de salário ao executado no processo de execução para pagamento de quantia certa que a exequente A. Lda, move ao executado B., a Relação de Guimarães manteve o despacho recorrido, e recusou a aplicação da norma do artigo 824.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96 de 25 de Setembro, com o sentido de permitir a penhora de vencimento quando o respectivo valor é igual ao salário mínimo nacional, dispensando a prova de insuficiência económica por parte do executado, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, resultante da disposição conjugada do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) e 2, alínea a) da Constituição. Disse a Relação:

    (…) No caso dos autos a questão a decidir respeita à viabilidade da penhora de parte de salário cujo valor é igual ao salário mínimo nacional.

    A execução iniciou-se em 2003 pelo que o regime aplicável é o introduzindo pelo DL n.º 180/96 de 25.09, uma vez que o actual regime, introduzido pelo DL n.º 38/2003 de 08.03 só se aplica a processos instaurados a partir de 15.09.2003 – art. 2l.º do DL n.º 38/2003.

    A penhora de vencimentos está prevista no art. 824º que na redacção anterior à reforma de 2003 estipulava (no que interessa à decisão deste litígio) que não podiam ser penhorados dois terços do vencimento ou salários auferidos pelo executado.

    O juiz fixava a penhora entre 1/3 e 1/6 podendo eventualmente isentar os rendimentos de penhora tendo em conta a natureza da dívida e as necessidades do executado e respectivo agregado familiar.

    O salário mínimo nacional para o ano de 2007 foi fixado em 403 € – DL n.º 02/2007 de 03.01.

    O despacho impugnado indeferiu a pretensão de penhora da agravante com fundamento da inconstitucionalidade do art. 824º quando interpretado no sentido de ser possível a penhora de vencimento quando o respectivo valor é igual ao salário mínimo.

    Argumenta a agravante com a constitucionalidade do preceito invocando o Ac. do TC de 16.02.2007.

    Efectivamente neste acórdão decidiu-se pela constitucionalidade do art. 824º do CPC quando interpretado no sentido de permitir a penhora do vencimento do executado mesmo quando o valor deste seja o do salário mínimo nacional.

    O fundamento assenta na diferenciação que o legislador faz quanto à natureza de salários e pensões e na possibilidade de uma eventual isenção decretada pelo Juiz.

    Efectivamente o Ac. de 2002 respeita a pensões e o de 2006 respeita a salários.

    No Ac. de 2002 estipulou-se que é inconstitucional a norma que resulta da conjugação do disposto no art. 824º n.º 2 e n.º 1 al. b) do CPC na parte em que permita a penhora até um terço das prestações periódicas pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do art. 1.º, da al. a) do n.º 2 do art. 59.º e dos n.º 1 e 3 do art. 63º da CRP.

    O Ac de 2006 tem dois votos de vencido e nestes votos os respectivos subscritores (Mário Torres e Maria Fernanda Palma) defendem a aplicação da teoria de 2002 aos salários dizendo que “...o juízo de inconstitucionalidade visa afastar as normas jurídicas que se mostrem desconformes com normas ou princípios constitucionais, tal objectivo não sendo assegurado se permite a existência dessas normas com a mera esperança de que uma intervenção casuística de um juiz mais sensível ou atento venha a evitar a produção do resultado tido como constitucionalmente intolerável: a privação dos rendimentos estritamente necessários a uma vida minimamente condigna do executado e seu agregado familiar...”.

    Ora bem o TC estabeleceu um valor de referência pelo que se entende que o mesmo serve de igual modo para os salários.

    Acresce que também o Ac. n.º 96/2004 in DR II série, 01.04.2004, se decidiu exactamente pelo oposto do Ac. de 2006.

    A inconstitucionalidade dispensa qualquer prova de insuficiência económica por parte do executado.

    As conclusões da agravante improcedem pois na totalidade.(…)

  2. É desta decisão que o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC). Admitido o recurso, o Ministério Público recorrente alegou e concluiu:

    (…)1 – Não é materialmente inconstitucional o regime constante do artigo 824º, n.º 1, alínea a), e nº 2 do Código de Processo Civil (na redacção anterior à emergente do Decreto-Lei nº 38/03) que se traduz em não considerar estabelecida a impenhorabilidade, total e automática, dos rendimentos do trabalho, auferidos pelo executado, e que não excedam o montante do salário mínimo nacional.

    2 – O interesse na sobrevivência condigna do executado é, neste caso, assegurado, em termos bastantes, pela possibilidade, outorgada ao juiz pelo nº 3 de tal preceito legal, de realizar um juízo de ponderação casuístico e prudencial, articulando os interesses do exequente e executado, de acordo com a natureza do débito e as necessidades do devedor e seu agregado familiar.

    3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – quanto a pensões ou regalias sociais de valor não superior ao salário mínimo – vigorar (por imposição da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional) um regime de impenhorabilidade total e “automática”, já que tais rendimentos assentam...

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