Acórdão nº 08S3846 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - De acordo com o preceituado no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC) – na versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto – a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida.

II - O ónus de especificação imposto pelo artigo 690.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto que indique, além dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos em que se baseia a impugnação, o que se destina a garantir que a parte fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto, o que significa que a recorrente não está dispensada de, em relação a cada um dos pontos de facto, exprimir, através da análise e interpretação do teor dos depoimentos adrede convocados, as razões por que discorda da decisão.

III - A sobredita exigência não se mostra satisfeita pela mera remissão para depoimentos indicados para alicerçar a imputação de erro na apreciação da prova relativa a matéria de facto constante de outros quesitos, quando o recorrente não expressa em que medida os mesmos depoimentos comportam o sentido que se pretende fazer valer em relação a cada ponto factual impugnado, por forma a que o tribunal descortine as razões pelas quais o recorrente discorda do decidido.

IV - Não sendo possível descortinar, nas alegações do recurso de apelação, em relação da cada um dos concretos pontos impugnados, quais as razões, sustentadas na análise e interpretação de concretos depoimentos, a razão por que a decisão haveria de ser modificada, não merece censura o Acórdão da Relação que, com esse fundamento, decidiu não apreciar a respectiva impugnação.

V - De acordo com o disposto no artigo 4.º, alínea b), do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente, verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber.

VI - Resultando provado que o trabalhador possuía a carteira profissional de jornalista, não tem aplicação o disposto no artigo 4.º, n.º 2, da LCT, posto que não resultou provado que a mencionada carteira lhe tenha sido, pelas entidades com poderes para tal, retirada.

VII - É irrelevante, para determinar a caducidade do contrato de trabalho, o bom ou mau desempenho profissional do trabalhador ou o facto de a entidade empregadora ter pedido a confiança no mesmo, pois que tais fundamentos apenas poderiam relevar no âmbito de um processo disciplinar em que aquela os invocasse como motivo para eventual resolução do contrato de trabalho com justa causa.

VIII - O facto de a entidade empregadora ter tomado a decisão gestionária de preencher, com outros trabalhadores, os cargos compatíveis com as qualificações profissionais de Chefe de Redacção – categoria detida pelo Autor – apenas é susceptível de traduzir uma difficultas praestandi, isto é, uma impossibilidade relativa de receber a prestação de trabalho do Autor, mas não uma impossibilidade absoluta, sendo que apenas esta é causa de caducidade do contrato de trabalho.

IX - No âmbito da vigência da LCT (artigo 50.º) e do Regime Jurídico da Duração do Trabalho, estabelecido no DL n.º 409/71, de 27 de Setembro (artigos 13.º a 15.º), a validade e eficácia da prestação da actividade profissional em regime de isenção de horário de trabalho está dependente de requerimento da entidade empregadora (artigo 13.º, n.º 2, da LDT), quanto aos trabalhadores que se encontrem perante a previsão das várias alíneas do n.º 1, do artigo 13.º, da LDT, da declaração de concordância dos trabalhadores e da remessa ao então designado Instituto Nacional de Trabalho e Previdência, os quais, por representarem formalidades ad substantiam, tem que ser observados, sob pena de o regime de facto de isenção não poder ter validade e eficácia.

X - A cláusula do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável à relação laboral vigente entre o trabalhador e a entidade empregadora que dispõe que os jornalistas que exerçam funções de direcção e chefia devem estar isentos de horário de trabalho não determina a automaticidade da aplicação do regime de isenção de horário de trabalho aos trabalhadores nela contemplados, daí que a sujeição dos trabalhadores a tal regime pressuponha sempre a observância das formalidades consignadas no n.º 2, do artigo 13.º, da LDT.

XI - As condições necessárias à validade e eficácia do regime de isenção de horário de trabalho foram estabelecidas também – se não primordialmente – em benefício do trabalhador, daí que, opondo-se este à sua sujeição a tal regime ou recusando-se o empregador a reduzir por escrito o regime de isenção ou a efectuar as comunicações legalmente previstas (ou a obter a autorização), possa sempre o trabalhador recusar-se a continuar a desempenhar trabalho nessas condições, sendo certo que o texto da sobredita norma convencional em nada colide com este regime.

XII - Não é devido o pagamento do acréscimo remuneratório correspondente ao regime de isenção de horário de trabalho quando nada se provou a propósito do cumprimento, ou incumprimento, das apontadas formalidades – mormente se a Ré requereu, ou não, a autorização administrativa de isenção de horário de trabalho em relação ao Autor – sendo certo que, tratando-se de situação jurídica cujos efeitos o Autor pretendia fazer valer em seu benefício, a ele competia alegar os atinentes factos constitutivos (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

XIII - A omissão, pelo Acórdão da Relação, de pronúncia acerca de questão colocada no recurso de apelação é subsumível na previsão do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC, que, por não ter sido oportunamente arguida, como comanda o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), configura uma situação em que ao tribunal de recurso está vedado emitir pronúncia, pois o âmbito dos seus poderes não compreende o conhecimento de questões não apreciadas pelo tribunal recorrido, ressalvadas as que sejam do conhecimento oficioso.

XIV - Noutro plano de consideração, a falta de arguição da nulidade do Acórdão tem como consequência o trânsito em julgado do segmento decisório da sentença que se ocupou de questão que, tendo sido suscitada no recurso de apelação, não foi apreciada pelo Tribunal da Relação, daí que dela esteja impedido de conhecer o Supremo Tribunal.

XV - O abuso do direito é questão do conhecimento oficioso do tribunal, o que significa que pode e deve ser conhecida em qualquer momento do processo, mesmo que não invocada, e desde que os autos forneçam os necessários elementos de índole factual.

XVI - Todavia, havendo expressa pronúncia em decisão fundamentada sobre questão do conhecimento oficioso, se, tendo essa decisão sido impugnada no recurso de apelação, o Tribunal da Relação não conhece da atinente impugnação, a parte interessada tem que arguir a nulidade a que se refere a primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do CPT; se o fizer, pode o Supremo conhecer da nulidade e se julgar procedente a arguição tem de ordenar a baixa do processo a fim de ser reformado o acórdão anulado, não podendo suprir a nulidade, como resulta das disposições conjugadas dos ns.º 1 e 2 do artigo 731.º do CPC; se a parte interessada não arguir a nulidade do acórdão da Relação, o Supremo não pode conhecer dela, estando-lhe, por conseguinte, vedado censurar, nesse aspecto, a decisão da Relação, o que determina a subsistência da decisão da 1.ª instância, que, assim, adquire a força de caso julgado.

XVII - São ressarcíveis, no âmbito da vigência da legislação laboral que antecedeu o Código do Trabalho de 2003, os danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento de deveres emergentes do contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou no Tribunal do Trabalho de Cascais, contra BB Editores, SA., acção declarativa com processo comum, pedindo a condenação da Ré: — A dar-lhe ocupação efectiva, atribuindo-lhe funções compatíveis com a sua categoria profissional; e — A pagar-lhe: – Os salários e subsídios vencidos desde 1 de Agosto de 1998, bem como todos os que se vencerem a partir da propositura da acção; – Os créditos de trabalho devidos a título de diuturnidades, subsídio por trabalho com monitores e isenção de horário de trabalho já vencidos que ascendem a Esc.: 6.477.920$00, bem como os vincendos; – Esc.: 85.714$00, descontados indevidamente nos salários de Setembro de 2006 a Janeiro de 1997; – Esc.: 5.000.000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; – Os juros de mora que se mostrem devidos a final.

Fundamentou o pedido, alegando, em síntese: — Ser jornalista, portador da Carteira Profissional n.º … e sócio do Sindicato dos Jornalistas, tendo sido admitido ao serviço da Ré em 1 de Setembro de 1991, com a categoria profissional de Chefe de Redacção da revista ...

, funções que exerceu, regularmente, até 1996, auferindo, a partir de 1 de Abril de 1993, o salário ilíquido de Esc.: 334.199$00; — Em 23 de Janeiro de 1996, dias depois de ter anunciado a sua candidatura à eleição dos corpos gerentes do Sindicato de Jornalistas, foi-lhe enviada uma Nota de Culpa, a que respondeu, após o que a Ré, com data de 15 de Março de 1996, lhe enviou um aditamento à Nota de Culpa, repetindo as acusações e manifestando a...

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