Acórdão nº 11/04.7GCABT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2010

Data27 Maio 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - As conclusões delimitam o objecto do recurso, uma vez que resumem as razões do pedido - artº 412º nº 1 do CPP.

II – O artigo 434º do CPP quando alude aos vícios constantes do artº 410º nº 2 do CPP significa que estes são conhecidos oficiosamente pelo Supremo ao detectá-los na decisão recorrida, e, não quando suscitados pelos recorrentes como fundamento de recurso., uma vez que ” o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito” III - Mesmo nos recursos interpostos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, terá de recorrer para a tribunal da relação, já que a invocação expressa dos vícios pertence ao conhecimento de matéria de facto, e é ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.

IV - O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.

VI - O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.

VII - A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto.

VIII- O modo de valoração das provas, e o juízo resultante dessa mesma valoração, efectuados pelo ”tribunal a quo”, ao não coincidir com a perspectiva do recorrente nos termos em que este a analisa e consequências que daí derivam,, não traduz omissão de pronúncia, pelo que não integra qualquer nulidade, uma vez que ao tribunal apenas incumbe valorar as provas de harmonia com o critério legal..

IX - No sistema processual penal português, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, sendo admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artºs 125º e 127 do CPP X - O princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

XI - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória,, e não tendo esse juízo factual por fundamento, uma imposição de inversão da prova - ónus da prova a cargo do arguido -, mas, resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República., fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, XII-: A fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente tem raiz constitucional, conforme artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa,.

XIII - O modo de fundamentação das sentenças penais subordina-se ao critério constante do artº 374º nº 2 do CPP: “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” XIV - Não dizendo a lei em que consiste o “exame crítico das provas”, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade e de prudência na inter relação dos factos e comportamentos,, compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, que permitam ao julgador esclarecer objectivamente quais os elementos probatórios que, o elucidaram, porquê, e de que forma, com vista a possibilitar a compreensão racional da decisão, XVI - O tipo legal fundamental dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo acrescer ao tipo-base, circunstâncias que qualificam o crime, por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade.

XVII - As circunstâncias referidas no nº 2 do artº 132º do CP não são de funcionamento automático; são meramente indicativas e, não taxativas; são circunstâncias de referência exemplificativa, A não verificação de qualquer dessas circunstâncias não arreda ipso facto a verificação do crime de homicídio na forma qualificada, caso venham a proceder quaisquer outras das não indicadas mas, susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade.

XVIII - No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191.

XIX - O cerne do ilícito p. e p. no artº 132º do CP, está, assim na caracterização da acção desenvolvida pelo agente: se as circunstâncias em que - e como - agiu, são reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.

XX - Qualquer “motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (…) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.”- v. Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo I, §13, p. 32.

XXI - Sendo os factos integrantes do crime de profanação (ocultação) de cadáver cometidos posteriormente ao homicídio, são autónomos em relação aos do crime de homicídio, configurando acções ilícitas típicas diferenciadas. Embora uma seja subsequente a outra, não se integram, mas coexistem separadamente, ou seja, estão em acumulação real e não em comsumpção.

XXII - Por aplicação do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na interpretação que lhe tem sido dada maioritariamente por este Supremo Tribunal, condenado o arguido por vários crimes, uns puníveis com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos e outros puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, e tendo sido interposto recurso para a Relação, o recurso, em segundo grau, da decisão desta para o Supremo fica limitado aos crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos.

XXIII - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.

XXIV – 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa, 3)Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização,excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.” Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) XXV - As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

XXVI - As imposições de prevenção geral, são determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência diária..

XXVII - Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras...

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