Acórdão nº 1857/05.4TBMAI.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução29 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : - Ocupada por ente público uma parcela de terreno de um particular e nela construída obra pública, sem que tenha utilizado os meios expropriativos ao dispor da Administração, obtendo apenas a declaração de utilidade pública, está-se perante a preterição de actos e formalidades impostos pela lei como condições de existência e validade da transferência dos direitos, com a inerente violação do direito de propriedade do respectivo dono.

- A obtenção da declaração de utilidade pública, com a inerente cobertura de legalidade, apenas retira ao desapossamento o carácter de usurpação grosseira.

- O terreno da parcela, em que foi incorporada a obra pública passou, por via disso, a integrar o domínio público, logo fora do comércio e insusceptível de ser objecto de direitos privados, escapando, assim, à previsão da norma citada norma do n.º 2 do art. 1311º, vocacionada para a regulamentação de direitos e interesses de natureza privada.

- O denominado princípio da «intangibilidade da obra pública”, princípio geral do direito das expropriações, a operar, nomeadamente, quando tendo havido um princípio de actuação legal expropriativa não ocorra um atentado grosseiro ao direito de propriedade, conduz a que o julgador já não deverá colocar a Administração numa posição idêntica à de um qualquer particular, determinando a restituição do bem ou demolição da obra como meios de fazer cessar uma “via de facto”, mas, atendendo ao interesse geral que a obra pública representa, abster-se de ordenar a restituição e limitar-se a conceder ao proprietário uma indemnização pela privação do gozo da coisa, enquanto ela se verificar.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA propôs acção declarativa contra Câmara Municipal da Maia (devendo entender-se como Parte na posição de Réu Município da Maia), pedindo a respectiva condenação a reconhecer que a parcela de terreno do prédio rústico denominado “C.....”, que ocupa, pertence à herança aberta por óbito de BB, da qual o Autor é herdeiro, a reconhecer que a sua posse é insubsistente e ilegal, a restituir à mesma herança a parcela livre de pessoas e bens e a abster-se de qualquer acto turbador do direito de propriedade da mesma herança, bem como a indemnizar aquela herança com o valor equivalente aos prejuízos causados, a liquidar em execução de sentença.

Alega, para tanto, que a herança aberta por óbito do pai do Autor é proprietária do prédio rústico denominado “C..... do C...”, sito na freguesia de Barca, concelho da Maia, do qual a Ré ocupou uma parcela de terreno, com a área de 4.510 m2, que destinou à construção dos acessos a um hipermercado e galeria comercial. Que o pai do Autor autorizou o início das obras, com a condição óbvia de posterior negociação do valor daquela parcela de terreno, negociação da sua aquisição e pagamento do respectivo valor, mas a Ré não promoveu qualquer processo de expropriação relativo à referida parcela de terreno e não promoveu a aquisição do direito de propriedade sobre tal parcela por qualquer outro meio, apesar das várias solicitações nesse sentido, conduta que acarreta para a herança prejuízos ainda não quantificáveis.

Contestando, para pedir a improcedência da acção, a Ré (representante do Município), alegou, ao que ainda releva, que, frustradas as diligências de aquisição da parcela pela via privada, formulou um pedido de declaração de utilidade pública e urgência de expropriação e autorização para posse administrativa da referida parcela de terreno, a qual se destinava e destinou à execução da Via de Ligação da Zona Industrial Maia I à E.N. 14 e E.N. 107 (Variante), no seguimento do que, em reunião com o Presidente da Câmara Municipal da Maia, o seu então proprietário expressou a sua concordância com a ocupação e aquisição da parcela de terreno por parte da Ré, sendo que, durante a execução da obra, não houve da parte do proprietário e seus herdeiros qualquer reacção.

A final, na parcial procedência da acção, condenou-se “a Ré Câmara Municipal da Maia a reconhecer que a parcela de terreno com a área de 4.510 m2, com a configuração assinalada a amarelo na planta junta aos autos a fls. 17, pertencente ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o nº 00000000009, da freguesia de Barca, pertence à herança aberta por óbito de BB”, absolvendo o Município do mais peticionado.

Apelaram ambas as Partes, obtendo parcial procedência o recurso do Autor, que viu ainda a Ré condenada a “pagar ao autor a indemnização que se liquidar em execução de sentença pelo prejuízo decorrente da ocupação dessa parcela de terreno, e enquanto se mantiver tal ocupação”.

Interpuseram recurso de revista ambas as Partes.

O Município pede a revogação do acórdão e decisão no sentido de: “

  1. Declarar a ilegitimidade do Autor, por preterição de litisconsórcio necessário activo, no que concerne ao pedido de indemnização a atribuir à herança aberta por óbito de BB; b) Sem conceder, deve a decisão recorrida - se ela se reporta à indemnização pela mera ocupação ser alterada no sentido de julgar improcedente o pedido de indemnização deduzido pelo Autor, por aplicação do artigo 1270º/1 do Código Civil; ou c) Caso assim não se entenda, deve o Acórdão recorrido - se ele se reporta à indemnização pela privação da propriedade por expropriação indirecta ser alterado no sentido de reconhecer que, uma vez paga a indemnização pelo valor do prédio à data da expropriação indirecta (ou seja, à data da construção da obra pública em causa), e segundo os critérios do Código das Expropriações, se consuma a transmissão da parcela do terreno a favor da Recorrente”. Para tanto, verteu nas conclusões: A. O presente recurso vem interposto do Acórdão da Relação do Porto, que, por um lado, confirmou a sentença recorrida na parte em que condenou a Câmara Municipal da Maia a reconhecer que a parcela de terreno em causa pertence à herança aberta por óbito de BB, e, por outro lado, julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor, determinando a condenação da Câmara Municipal da Maia a pagar ao autor a indemnização que se liquidar em execução de sentença pelo prejuízo decorrente da ocupação dessa parcela de terreno.

    1. Considera a Recorrente, com todo o respeito, que tal decisão deve ser revista, desde logo, porque, a existir um direito de indemnização, o mesmo pertence à herança e não ao Autor - como, de resto, resulta do pedido por este formulado na Petição Inicial - e a verdade é que, nos termos do artigo 2091º/1 do Código Civil, não assiste legitimidade processual ao Autor, aqui Recorrido, para, desacompanhado dos restantes herdeiros, peticionar a condenação da Ré a indemnizar a herança.

    2. Sendo a questão da ilegitimidade de conhecimento oficioso [cf. artigos 494°, alínea e), e 495° do Código de Processo Civil] e não se tendo formado, quanto a ela, caso julgado formal, pode o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se agora sobre esta questão, devendo, nestes termos, declarar a ilegitimidade do Autor, por preterição de litisconsórcio necessário activo, para formulação do pedido indemnizatório nos presentes autos.

    3. Ao relegar sem mais a fixação do objecto e quantidade do pedido indemnizatório deduzido pelo Autor para liquidação em sede de execução de sentença, padece ainda o Acórdão recorrido de erro na aplicação e interpretação do n.º 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, na medida em que, face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal a quo podia e devia ter delimitado, em termos esclarecedores, o objecto e alcance da indemnização a atribuir neste caso.

    4. Mais concretamente, devia o Tribunal ter esclarecido se está aqui em causa - como parece resultar da parte decisória do Acórdão - uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da mera ocupação do terreno (frutos que se deixaram de receber) ou se está em causa uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da privação da propriedade do terreno, sendo que, seja qual for a solução que da decisão recorrida se entenda retirar, sempre deverá a mesma ser revista.

    5. Na verdade, a admitir-se que estamos perante uma indemnização pela mera ocupação do terreno, a revista justifica-se porque, sendo a Recorrente, como se reconhece na decisão da Relação, possuidora de boa fé, assiste-lhe, nos termos do artigo 1270º/1 do Código Civil, o direito de fazer seus os frutos naturais e civis produzidos, não havendo, portanto, qualquer prejuízo do Autor a considerar nesta sede e devendo consequentemente ser julgado improcedente o seu pedido indemnizatório.

    6. Por outro lado, se for de entender que a decisão do Tribunal é no sentido de que a indemnização se destina a compensar o Autor pela privação do direito de propriedade - ocorrida em virtude da...

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